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Narciso Isa Conde

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Em coluna

Venezuela: Estado burocratizado e infiltrado corrói a revolução

Narciso Isa Conde - Publicado: Terça, 26 Abril 2011 02:00

Narciso Isa Conde

Não se entendem as exaltações e expressões de amizade para M.Santos, responsável por atrocidades e crimes; o presidente de hoje foi o "ministro da guerra" de ontem e o cabrão de sempre.


Dedicado a Joaquín Pérez Becerra, Diretor de ANNCOL, e ao FNRP das Honduras.

"Somos engolidos pela velha política, somos engolidos mesmo pela corrupção da política. Destroçam-nos esses velhos valores capitalistas, pequeno-burgueses que se infiltraram por toda a parte e continuam infiltrados no nosso partido."

"Não liguem para esse canto da sereia da corrupção e se necessário façam como Ulisses, e agarrem-se. Caso não possam, lancem do barco e deixem ao comando".

"Olhem para o que lá lhe aconteceu à grande revolução Russa, depois soviética, ficou em nada. Esqueceram-se os princípios, corrompeu-se a política". (Palavras do comandante Hugo Chávez ante as equipas regionais de PSUV, 17 abril 2011, prévio à sua viagem à Argentina)

Esta crítica é demolidora e a advertência não pôde ser mais categórica.

A correção do mal sempre começa por reconhecer a sua existência e a sua gravidade. E isso fez recentemente o líder da revolução bolivariana da Venezuela, inspirador de uma nova vaga de mudanças continentais, ao se pronunciar assim ante os quadros dirigentes do seu próprio partido.

Temos que esperar o melhor, desejar e encorajar com força... que uma vez o mal seja combatido pela raíz porquanto a sua existência afeta indubitavelmente um processo tão esperançoso como o que se iniciou nesse país irmão no fim do século passado.

Uma viragem necessária

Este belo processo tem atingido muitos sucessos, uns desenvolvidos e afirmados, outros retorcidos e alguns enfraquecidos; para todos temos que apelar e a seguir recuperá-los em plenitude. Todas presididas pela inavaliável determinação da soberania popular e nacional representada na penetrante liderança política-militar do comandante Chávez, que é preciso ratificar constantemente.

Mas se não pode negar que a prazo o Estado burocratizado, infiltrado, rentista petroleiro, paternalista... tem ressurgido com novos atores proeminentes e voltou ser usado por algumas fações da sua alta buró-tecnocracia para assim se lucrarem pessoalmente ou através de grupos (a chamada "boliburguesía"); enquanto a oligarquia e a partidocracia tradicionais –afastadas das alavancas do poder estatal, parcialmente enfraquecida por algumas expropriacões e desconexões chave e, sobretudo, privada dos grandes lucros logo após ao seu afastamento da PDVESA- mantém, por enquanto muita base financeira, comercial, produtiva e cultural e sabe deixar passar por "rojo-rojitos" alguns dos seus vultos, para confluir (desde interesses diferentes) com a súper-burocracia hegemónica no interesse comum de travar a socialização dos meios de produção, de distribuição, de comunicação e de geração de ideologia.

A liderança sensível, justiceira, reivindicador de umas camadas populares a enfrentarem a todo o tipo de burguesia e órgãos estatais sequestrados, defende ao máximo a necessidade do curso anticapitalista e pró-socialista do processo; sem conseguir ainda criar as condições para um novo golpe de mão que acelere a desburocratização, a expropriação do grande capital privado, a socialização do estatal, a refundação do Estado como instrumento transformador de estruturas resistentes e a socialização sustentada e sistémica da economia e o poder.

Isto é atingível desde que impulsionadas todas as leis e mecanismos do poder popular, organizados os conselhos comunais, articuladas realmente as comunas e o estado comunal, desde que se ponham a andar as empresas autogeridas e co-geridas e as cooperativas sejam bem gerenciadas, se explicite o controlo social e cidadão sobre o Estado; se separe e requalifiquem à par os papéis do partido, do estado e das organizações sociais; se dê o passo do rentismo petroleiro para uma economia produtiva em mãos do povo trabalhador, se torne ao PSUV (criado defeituosamente a partir do Estado) e outras correntes numa nova vanguarda revolucionária partilhada e se avance para a hegemonia de uma cultura solidária e seres humanos livres de egoísmos.

É verdade que a renda petroleira, sempre a depender da flutuação dos preços do petróleo, se distribui agora com muito mas sentido de justiça que durante a chamada IV República; embora não livre ainda de distorções, dispêndios e esbanjamentos desnecessários, e com limitado impacte nos investimentos reprodutivos.

É verdade que agora, porfim, se lhe está a dar um grande impulsionamento à produção agropecuária e à construção de habitações; tendo ultrapassado um déficit político que se estava a tornar perigosamente crónico.

Mas o problema está ligado a uma maior profundidade e extensão em sentido geral.

Compartilho dois critérios fundamentais propostos por Víctor Álvarez num dos seus valiosos livros, ex-ministro das indústrias básicas e minaria e inteletual comprometido com o socialismo e a revolução bolivariana:

"....uma revolução social sem uma revolução económica é uma revolução insustentável. Com certeza há que transformar o capitalismo rentístico num novo modelo produtivo baseado num forte desenvolvimento da agricultura e a indústria, mas nas mãos do povo" ("Del Estado Burocrático al Estado Comunal", pág. 238, Colección Debates-CIM, noviembre 2010)

"...Teremos uma economia socialista quando a forma de propriedade social majoritária e predominante seja a dos produtores diretos sobre os meios de produção e não a propriedade privada ou a propriedade estatal. Mas teremos uma sociedade socialista quando se tenha produzido uma verdadeira mudança cultural que rompa os velhos valores individualistas e egoístas, próprios da sociedade capitalista, para assumir os novos valores éticos e morais que se requerem para desenvolver novas relações sociais a partir do respeito e a defesa das mesmas" (Obra Citada, Pág. 242).

Um Estado Burocrático e contaminado pela IV República, com as comodidades que os rendimentos do petróleo permitiram, junto à cultura rentista consolidada durante mais de um século, reciclaram o paternalismo, os privilégios e os lucros pessoais e grupais denunciados, tornando-se assim num poderoso entrave para a necessária profundização da revolução política e social empreendida há doze anos e, sobretudo, para completar com a revolução económica e a revolução ética e moral imprescindíveis para impedir a reversibilidade do processo.

O esforço necessário para romper esse dique, além de urgente, deve ser permanente, ininterrupto, com uma preponderância dos movimentos de abaixo para acima e para toda a parte ; e com fortes estímulos da liderança nacional e das lideranças setoriais e locais que serviriam de catalisadores e aceleradores da radicalização necessária.

O presidente Chávez deu um aviso ligado à sua necessária vitória eleitoral no 2012; sobretudo se concordarmos na necessidade de ultrapassar previamente as dificuldades e evitar assim os riscos dessa cojuntura; riscos derivados de estagnações perfeitamente revogáveis, que permitiram que as direitas pró-imperialistas tenham recuperado força eleitoral em dimensões impossíveis de atingir sem as falhas, limitações, deformações e travões antes referidos.

Chávez tem possibilidades de ganhar, ainda sem grandes mudanças, mas merece - e isto é necessário para assegurar a mais longo prazo o sucesso do processo revolucionário- fazê-lo esmagadoramente e no meio de uma espécie de renovação da revolução.

Embora a direita e o imperialismo apostassem no desgaste, pensando ora na questão eleitoral, ora na sedição contrarrevolucionária e na intervenção imperialista. Ambas linhas derrotar-se-iam em forma contundente se o processo bolivariano se remoçasse e se aprofundasse.

Sinais ominosos em política exterior que mancham aquilo que se tem feito

Quando Chávez alerta e declara "engole-nos a velha política·", isso não só se relaciona com a corrupção interna, mas também com a política exterior; embora ele mesmo não ache que a situação se esteja a expandir.

A "razão" do Estado Burocrático e as suas elites sócio-económicas está a impor-se em aspectos sensíveis da política exterior e muito especialmente no que diz respeito às relações internacionais colombo-venezuelanas; o que não nega a grande luz da ALBA e outras brilhantes iniciativas de autodeterminação nacional, latino-caribenha e terceiro-mundista. Mas mancha-a?

Um monstro narco-para-terrorista como o Estado colombiano está a ser incompreensivelmente oxigenado pela política exterior venezuelana.

Santos é a continuidade desse monstro, embora agora esteja a executar uma hábil tentativa de reinserção continental e mundial.

Em tal caso os vínculos diplomáticos e inter.-estatais deveriam ser prudentes, cuidadosos, mediados por fortes e justificadas reservas, e de jeito nenhum permissivos face à sua criminalidade, o seu apaziguamento, o seu expansionismo militar e pára-militar apadrinhado pelos EUA; de jeito nenhum favoráveis ao seu acionar criminoso contra a insurgência armada e a digna e diversa oposição civil, nem também não alheios aos direitos do povo colombiano, permanentemente desrespeitados pelo terrorismo estatal e pára-estatal auspiciado pelo poder estabelecido subordinado ao império e ao poder (nem tão "suave" mas sim "inteligente") de Obama.

Às recentes "entregas" de guerrilheiros das FARC e o ELN - injustamente tratados por autoridades venezuelanas como "pára-militares" (equiparando-os aos "paracos" assassinos)- a autoridades colombianas, acrescenta-se-lhe agora a absurda captura no aeroporto de Maiquetía-Caracas do militante revolucionário colombiano, nacionalizado sueco, Joaquín Pérez Becerra, diretor da agência Anncol, perseguido até a morte e pedido em extradição pelo regime colombiano.

Uma onda de justo reclamo de liberdade levantou-se no seu favor, sem reações positivas das autoridades venezuelanas, que aceitaram a sua indignante extradição.

Este facto conturba tanto como os referidos planos de cooperação com o regime colombiano em "questões de segurança".

Não se entendem as exaltações e expressões de amizade para um dirigente como Manuel Santos, responsável por múltiplas atrocidades e crimes; o presidente de hoje é o "ministro da guerra" de ontem e o mesmo oligarca de sempre, que há alguns meses o próprio Chávez condenou com energia e sem ambiguidade.

Preocupa também o fato de o respeitado líder venezuelano ter atuado conjuntural e surpreendentemente para auxiliar o regime terrorista de Lobo nas Honduras, aceitando uma iniciativa de Santos (comandada por Obama) e instrumentando uma negociação de cúpula não aprovada institucionalmente pela Frente Nacional de la Resistencia Popular (FNRP) das Honduras.

Uma negociação que por seu turno visa é tirar o governo de Lobo de uma forte crise de governabilidade, restabelecendo os lucros atribuidos à PETROCARIBE e abrindo-lhe espaços na América Latina e as Caraíbas, numa altura em que a resistência em alça propôs refundar esse país através de uma Constituinte Popular alternativa. Em troca, por seu lado, de "garantias", que não alterando a essência do poder dominante nesse país centro-americano, se tornam instáveis e incertas.

Estas são iniciativas políticas difíceis de explicar e mais ainda de justificar, que denotam uma subestimação das lutas e estratégias dos sujeitos populares, favorecendo sobretudo interesses de Estado e governos, e potenciando um pragmatismo diplomático geralmente infecundo para os povos, quando não retardatários das mudanças almejadas; mais ainda que as iniciativas governamentais -e este é o caso- não são compensadas com políticas de solidariedade horizontal entre partidos revolucionários e organizações e movimentos sociais contestatários.

E isto tem a ver com os interesses criados desde o Estado, com a prevalência da versão burocrática-estadista mal entendida como socialismo, com a entronização da política exterior do governo como linha a executar por todos os componentes do processo e com a sua progressiva degradação "taticista".

O Estado assim conformado e conceptualizado "engole" devagarinho o internacionalismo, sobretudo as relações solidárias entre os povos e entre sujeitos políticos sociais transformadores.

Assim é que se "esquecem os princípios" e se "corrompe a política", como "aconteceu na grande revolução Russa, depois soviética".

Novo internacionalismo e latino-americanismo revolucionário para um novo socialismo

Por isso faço questão de não confundir propriedade estatal com propriedade social nem Estado distribuidor das receitas e auspiciador de audazes políticas sociais com socialismo.

Por isso, antes de concluir e como colofão, retomo e assumo como próprias as palavras do meu amigo e camarada Amilcar Figueroa, militante revolucionário insubornável, combatente da causa emancipadora da Venezuela, da nossa América e do mundo, quando ao referir a gestação do PSUV afirmou:

"O partido que está a nascer deve educar à sua militância nas bandeiras do internacionalismo revolucionário para contribuir efetivamente com as enormes tarefas propostas na nossa América. Resgatar o caráter continental da nossa revolução deve ser um princípio definitivo na presente etapa" " ("La Revolución Bolivariana: dos nuevos desafíos de una creación heroica", pág. 69, Editorial El Tapial, 2007, Caracas, Venezuela).

É preciso retomarmos esse rumo na criação heróica coletiva!

25-04-2011, Santo Domingo.

Narciso Isa Conde em Kaos en la Red

Tradução de André Tabuada Casteleiro para o Diário Liberdade.

andre_tabuada[arroba]hotmail.com


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