Apesar disso, os apelos à ordem não estão a ser respeitados pela população. Cairo e outras cidades ao longo do Nilo e na península do Sinai exigem a queda de Hosni Mubarak, o chefe de Estado. Carros e lojas queimados e saqueados, veículos da polícia e edifícios oficiais incendiados - com a adesão espontânea de centenas de polícias aos protestos - os populares não desarmam apesar do perigo e das ameaças e, na praça central do Cairo, a agora famosa Praça da Liberdade, reclamam o fim do regime que os oprime, cercados por um aparato policial e militar nunca visto e sujeitos às suas agressões.
Como por magia, os manifestantes ultrapassaram um patamar a partir do qual perderam o medo e ousaram ir mais longe: a sede do partido de Mubarak e o Ministério do Interior foram queimados pelos manifestantes e eles juram continuar os protestos até Mubarak pedir a demissão. O medo aflige agora os todos os governantes da região, bem como os poderes imperialistas que durante tanto tempo os apoiaram. Com efeito, as armas disparadas contra os manifestantes são de fabrico norte-americano. Elas não querem saber que os cidadãos reclamem liberdade de expressão, fim da repressão, pão e melhores condições de vida. As declarações hipócritas de Obama e Hillary Clinton, acolitados por Ba Ki Moon e outros, não servem de álibi. E aqueles que se inquietam contra o radicalismo islâmico terão agora de estar mais atentos em relação aos crimes dos regimes favoráveis aos interesses norte-americanos, os principais responsáveis pela insegurança no Médio Oriente e no mundo.
Os factores de crise há muito que se acumulavam. Um relatório do Banco Mundial de há dois anos afirmava que os países árabes importavam cerca de 60% dos alimentos que consomem e são os maiores importadores de cereais no mundo, dependendo de outros países para a sua segurança alimentar. O aumento dos preços nos mercados mundiais já causou ondas de protestos em dezenas de países de milhões de desempregados e pobres, inclusive nos países árabes (Argélia em 1988, Jordânia em 1989, Quirguistão no ano passado). No Egipto, dois terços da população são jovens abaixo dos 30 anos, dos quais 90 por cento desempregados.
Não sabemos como vai terminar esta revolta. Mas sabemos que ela atingiu um nível nunca previsto. Os acontecimentos da Tunísia e o afastamento do ditador Ben Ali, também inesperados na sua espontaneidade, foram a inspiração destes protestos, que alastraram também à Argélia, Jordânia, Síria, Palestina, Sudão e Iémen. Toda a região está em brasa e ninguém sabe como aquietá-la.
Estes acontecimentos terão o seu impacto sobre os 360 milhões de pessoas que vivem no mundo árabe. Mas são também um grande encorajamento para todos os povos oprimidos e todos os trabalhadores que viram os seus direitos diminuídos desde que rebentou a crise capitalista em curso. O Egipto é um país muito importante em todo o Médio Oriente, pelo seu poderio económico e secular papel de liderança, pela confiança e boas relações que os seus dirigentes mantêm com os Estados Unidos e pelo papel sujo que desempenharam fazendo o jogo de Israel contra os palestinianos.
Os acontecimentos desenvolvem-se a grande velocidade. Esperamos que no resto da região e do mundo estas manifestaçõs sejam um exemplo a seguir e a centelha que acordará milhões para a luta. O Médio Oriente e o Norte de África conjuram as atenções de todos os revolucionários, no contexto da crise económica global. Há que seguir os passos destes corajosos cidadãos. A solidariedade e propaganda são elementos essenciais para alertar os mais cépticos sobre as possibilidades de rebelião onde e quando menos se espera.