1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (1 Votos)
Guillermo Almeyra

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora

Em coluna

Bolívia: Razões, intenções e métodos

Guillermo Almeyra - Publicado: Domingo, 02 Janeiro 2011 01:00

Guillermo Almeyra

O preço da gasolina, a gasolina e o gás para os veículos é na Bolívia quase um terço menor que nos países vizinhos.


Certamente, já que sempre existiu na Bolívia o contrabando formiga, o combustível boliviano passava ilegalmente ao Chile, Peru e Brasil, a custo das finanças estatais. O governo de La Paz decidiu então acabar com esse contrabando pondo os preços dos combustíveis ao nível dos países vizinhos. "O preço será o melhor alfandegário", declarou o vice-presidente Álvaro García Linera, numa brevísima conferência de imprensa na qual anunciou aumentos que vão de 73 até 83 por cento, nada menos que em vésperas do fim de ano e quando Evo Morais estava na Venezuela em missão solidária com os afetados pelas inundações.

A motivação desta medida econômica é justa, já que o contrabando leva a bolsos privados fundos que poderiam servir ao Estado para o desenvolvimento ou o combate à pobreza. Mas não basta com ter razão: é necessário também ter em conta a necessidade política de isolar quem até agora se beneficiava com o contrabando e de compensar os que pagarão o aumento na forma de novas tarifas de transporte, de aumentos nos fretes que repercutirão inevitavelmente sobre os preços dos produtos de primeira necessidade ou sobre os fornecimentos para a produção de camponeses e artesãos. Pôr os preços ao nível dos países vizinhos sem colocar previamente os salários na mesma condição equivale, em qualquer país, a baixar os rendimentos e provocar um forte protesto social.

Pois isso é o que sucedeu. De imediato, o transporte público paralisou-se e diversos sindicatos cujas direções criticam o governo pela esquerda ou pela ultraiesquerda apoiaram a greve dos transportistas e lançaram uma campanha por aumentos de salários. A torpeza com que foi preparada e anunciada a drástica medida de aumentos nos combustíveis, sem uma campanha prévia de explicação sobre sua necessidade e sem a acompanhar com medidas compensatórias, agravou a relação do governo com vastos setores urbanos ou semiurbanos, que já tinha aparecido nas recentes eleições nas que o partido governamental, o MAS, apesar de seu triunfo, quase perde no Alto e foi derrotado em La Paz e em praças fortes como Achacachi. Ora bem, essa pequena burguesia, indígena ou mestiça, e as classes médias pobres são, precisamente, o sujeito político com o qual o vice-presidente vê a constituição de um bloco social com eixo nos camponeses indígenas para construir um tipo de capitalismo popular.

Evo Morais voltou de imediato à Bolívia. Deu subsídios aos produtores de trigo e outros cereais para compensar o aumento dos fornecimentos e dos fretes, concedeu um aumento geral de salários de 20 por cento, declarou que se ele fosse sindicalista e não presidente teria reagido como o fizeram os transportistas e a Central Operária Boliviana (desautorizando assim de passagem as acusações aos grevistas de terem motivações políticas reaccionarias). Mas o dano já está feito. O autoritarismo, o decisionismo verticalista e burocrático que se refletiram na forma em que se tratou de impor este aumento dos combustíveis, supuseram um duro golpe ao prestígio do governo nas cidades e poderiam dar novo fôlego a uma oposição que vivia em aberta crise.

É certo que os indígenas e camponeses não têm veículo, mas pagam o transporte de aquilo que vendem e consomem. E sobretudo esperam ser consultados, escutados, tidos em conta.

A inoportunidade da medida -com Evo dando ajuda à Venezuela enquanto se baixavam os rendimentos dos bolivianos-, a brutalidade da mesma, a despreocupação sobre como a veriam as pessoas comuns, são indícios preocupantes porque demonstram que os dirigentes mais importantes do governo não são inteiramente capazes de ler a crítica implícita nos resultados das eleições passadas ou as explícitas de muitos que, apoiando fortemente o processo de mudança, buscam corrigir erros no mesmo ou previnem sobre o que consideram que poderia ser perigoso. O mal exemplo decisionista de Cuba, que apresenta à população decisões já adotadas sem discussão alguma, ou o verticalismo venezuelano, são particularmente daninhos na Bolívia, que tem uma sociedade bem mais plural, regionalismos, tradições muito vivas de rejeição popular das medidas estatais, a maior politização do continente e, não por acaso, as expressões mais avançadas da cultura política insurgente da América Latina, com as teses de Pulacayo que alicerçáram o pacto mineiro-estudiantil; com os contributos de René Zavaleta Mercado sobre as experiências bolivianas de duplo poder, e com os atuais do grupo Comuna, do qual faz parte destacada o próprio vice-presidente García Linera.

O governo não é o Estado, pois este está construído na Bolívia sobre a base dos movimentos sociais e da participação indígena e camponesa organizada. O prestígio de Evo Morais não é transferível a outros nem permite fazer qualquer coisa, em primeiro lugar, porque foi conquistado em anos muito decisivos, mas recentes, em disputa com outros líderes da Confederação Camponesa e, no campo indígena, com o regionalismo aymara excludente de Felipe Quispe, e deve ser reconquistado dia a dia dadas as diferenças que existem no setor popular, onde o governo enfrenta agora a oposição de setores de esquerda que dantes eram seus aliados, como o Movimento Sem Medo que controla a prefeitura de La Paz. A visão tecnocrática do Ministério das Finanças, preocupado com fazer com que as contas dem certo sem reparar em todo o resto e a visão industrialista-desenvolvimentista, que reforça o papel dos técnicos e do decisionismo governamental, estão por trás deste tropeço político. Evo vai poder ultrapassá-lo, mas terá que ter em conta a advertência de suas bases de apoio.

Tradução: Diário Liberdade.

Fonte: La Jornada.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.