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Sílvia Ribeiro

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Organização Mundial de Comércio de Carbono

Sílvia Ribeiro - Publicado: Quarta, 22 Dezembro 2010 01:00

Silvia Ribeiro

Este dezembro, Cancún foi o palco de um costoso evento para beneficiar às trasnacionales e governos mais contaminantes. Pelos resultados e a dinâmica antidemocrática, se poderia pensar que foi uma reunião da Organização Mundial de Comércio (OMC), como a de 2003, onde o camponês coreano Lê Kyoung-Hae se inmoló para mostrar a injustiça que significam estes tratados.


Mas foi uma reunião do Convênio de Nações Unidas sobre Mudança Climática, de fato convertido numa nova Organização Mundial de Comércio de Carbono. Os mortos continuam sendo postos pelo Sul global.

Os países mais poluidores e suas grandes indústrias -os que mais emitiram gases de efeito de estufa e se lucram enormemente com eles, devastando o planeta de todos- conseguiram o que se propunham e mais: quebraram qualquer compromisso vinculativo de reduzir emissões; não estabeleceram nenhuma meta de reduções; criaram um fundo climático que será administrado pelo Banco Mundial; legalizaram novos mecanismos de mercado, incluídas as piores versões de REDD (eufemisticamente chamado Redução de Emissões por Desflorestação e Degradação de Florestas) que abre a uma onda planetaria de privatização de bosques e expulsão de comunidades, além de ser um grande fôlego à especulação financeira. Também conseguiram um comitê de tecnologia consoante os seus interesses, que eliminou as referências às barreiras que constituem as patentes para o Sul e dá ampla participação às trasnacionais e a indústria para impor suas tecnologias. Os direitos indígenas e camponeses, a participação de sociedade civil não comercial, são mencionados decorativamente, sem efeito real.

Se isto foi uma negociação, que recebeu o Sul global por tanta concessão? A resposta é surpreendente: nada. Só promessas vazias, sem valor jurídico, sobre "mobilizar" fundos, "reconhecer a necessidade" de reduzir emissões, "abrir" processos, "avaliar" em futuros igualmente incertos. Enquanto os países historicamente mais poluidores não assumem nenhum compromisso de redução, agora os países do Sul têm que informar sobre suas reduções. Isso não está mal, mas a injustiça é evidente.

Ou seja, o que se plasmou em Cancún foi a vontade irrestrita dos Estados Unidos e a aplicação do espúrio entendimento de Copenhague, com esteroides: todo o que queriam os causantes da crise climática e nada para as vítimas.

Para entender melhor o que se passou, há que ler as comunicações oficiais ao invés: onde diz "consenso", se leia "desacordo", onde diz "multilateralismo", se leia "negociações secretas entre alguns", onde diz "reconhecemos a necessidade de reduzir as emissões", se leia "os países do Norte não voltaremos a assinar compromissos vinculativos de redução", onde diz "proteger os bosques" se leia "os privatizar", onde diz "recuperamos a confiança", se leia "recuperamos os créditos que pagará o público e aumentamos as indulgências de carbono", onde diz "transferência de tecnologia", se leia "jamais evitarão o pagamento de patentes na tecnologia que venderemos ao Sul, baseada em seus recursos e subsidiada por eles mesmos", onde diz "progresso" se leia "avanço de mecanismos de mercado e injeção de otimismo ao mercado financeiro especulativo".

A lista é longa e falta que onde diz "democracia e participação", deve se ler "censura e repressão", do qual várias redes de organizações pela justiça ambiental e indígenas presentes em Cancún podem dar depoimento.

A presidência do México no Convênio encarregou-se de gerir este resultado, com uma dinâmica igual à da OMC: chamando grupos de delegados separadamente, eleitos pela própria presidência, a negociações ocultas, parciais e nunca em pleno, manipulando debilidades e desejos, confrontando seletivamente a países ou regiões entre si, prometendo quem sabe que recursos. Finalmente apresentou, tardiamente para não dar tempo a consideração real em plenário -onde todos poderiam ver tudo-, um documento "final" não solicitado pelos órgãos do convênio e como a Bolívia reclamou, com a opção "quer queira, quer não".

Não se convocou o pleno para decidir sobre esta "proposta", mas a uma "reunião informal com a presidenta" onde se pôs à mesa como pacote completo e fechado. A presidência mexicana destacou por fatos insólitos nas Nações Unidas: em lugar de mandar calar o coro de aplaudidores que curiosamente teve acesso em massa às reuniões finais -ainda que todas as outras sessões foram fortemente limitadas aos observadores-, a presidenta somou-se aos aplausos e expressões de desgosto com posições discrepantes -somente propostas pela Bolívia- algo totalmente fora de lugar para a presidência de uma reunião multilateral. Na mesma tónica, decidiu unilateralmente que a objeção argumentada pela Bolívia não precisava ser tomada em conta, arguindo arbitrariamente que não era necessário o consenso para decidir, o qual é uma violação flagrante das regras do Convênio. Seria como afirmar, digamos, que se pode ter a presidência sem ganhar as eleições.

Apelar a que não se precisa consenso, é paradoxal no caso do México, que estando só em suas posições no Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança, também da ONU, usou repetidamente o recurso de decidir por "consenso", para impedir por exemplo, lembrar normas para etiquetar claramente os transgênicos. Tal como agora, foi para defender os interesses das trasnacionali e dos Estados Unidos. A Bolívia em troca, defendeu em Cancún com dignidade e valentia os interesses dos povos, expressados por mais de 35 mil participantes na Cimeira dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra realizada em Cochabamba. Os movimentos e organizações sociais sabem-no e render-se não está na agenda.

Fonte: La Jornada.

Tradução: Diário Liberdade.


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