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Felipe Deveza

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América Latina Rebelde

Quando a terra é o limite. Zapata e a Revolução Mexicana

Felipe Deveza - Publicado: Sábado, 04 Dezembro 2010 16:18

Felipe Deveza

Vestido com roupas típicas dos charros mexicanos, por baixo de um enorme sombrero e uma carabina na mão, Emiliano Zapata foi aguerrido defensor dos princípios revolucionários que mobilizaram os camponeses mexicanos.


Como um dos principais símbolos da Revolução que sacudiu o México cem anos atrás, Zapata representou em sua própria imagem uma das faces mais radicais deste processo, a luta camponesa pela democratização da terra.

O capitalismo na América Latina tem uma história diferente do que na Europa, aparece de fato no final do século XIX, quando os grandes monopólios capitalistas influenciavam os governos e avançavam sobre outros países. Os ingleses e franceses dividiam a África, a Ásia era disputada por russos, ingleses, japoneses e franceses e a América Latina sofria a expansão do grande irmão do norte, que no México apoderava-se das minas, dos portos, do petróleo e da agricultura.

Porfírio Diaz, o presidente que a Revolução Mexicana varreria do país, abriu as portas para o capital estrangeiro e o latifúndio cresceu sobre as pequenas propriedades e as terras comunais dos camponeses e indígenas.

A luta dos camponeses do sul, da qual Zapata foi o principal líder, começou com a reivindicação de antigos títulos das propriedades tomadas pelos latifundiários durante o regime de Porfírio Diaz, reivindicando a repartição dos latifúndios e a manutenção das propriedades comunais, os Ejidos.[1]

Nascido na pequena localidade de Anenecuilco, no Estado de Morelos, a cerca de 100 quilômetros do centro da Cidade do México, Zapata começou sua atividade revolucionária como representante eleito da junta de defesa das terras de sua comunidade, formando um pequeno exército, que em 1910 apoiaria o liberal Francisco Madero contra Porfírio Diaz. Após a fraude eleitoral, Zapata atendeu o chamado às armas de Madero, sublevou-se em Morelos e controlou parte da região.

Madero foi uma continuidade de Porfírio Diaz com um verniz liberal, não entregou as terras aos camponeses e nem sequer modificou a estrutura do Estado e do Exército. Grande parte dos antigos militares e funcionários porfiristas continuaram no governo.

Plano de Ayala e a Revolução Agrária

A partir desse momento os revolucionários comandados pelo então General Zapata anunciam, em novembro de 1911, o Plano de Ayala, um programa de Revolução Agrária que não reconhece a legitimidade do governo de Madero, tratando-o como traidor; e proclama a imediata restituição das terras roubadas pelos latifundiários e a distribuição dos latifúndios entre as comunidades, ejidos e camponeses pobres.

Influenciado pelos ideais anarquistas propagados pelo jornal La Regeneración, de Ricardo Flores Magón, Zapata eleva a luta dos camponeses mexicanos a uma guerra persistente contra a tirania, adota o lema "Terra e Liberdade" e, no sul do México, passa a agrupar homens em torno da democratização da terra.

A frente do Exército Libertador do Sul, que chegou a ter quase 30 mil homens em armas, os zapatistas não fizeram concessões, desconheceram Madero e logo depois, o governo de Huerta, que derrubou e matou Madero. Com a posterior derrota de Huerta, também não aliou-se a Venustiano Carranza. Enfim, Zapata não aceitou remendos no programa aprovado pelos camponeses de Morelos, sublevando-se contra um após outro presidente que não reconhecia os termos da Revolução Agrária que representava e pela qual lutava o Exército Libertador do Sul.

Em 1914, após desferirem inúmeras derrotas ao exército do Governo (chamado de "federais"), Pancho Villa desde o norte e Zapata a partir do sul entraram com as suas tropas na capital mexicana e tomaram o Palácio do Governo. Pela primeira vez na história dois camponeses com programas radicais de reforma agrária e democracia popular conseguiam formar exércitos e conquistar o poder central. A aliança dos dois generais populares prometia novas perspectivas para o México revolucionário. Esse é o momento clímax de toda a história da revolução mexicana e que suscita importantes debates e controvérsias. Por que a revolução não avançou, não transformou de maneira radical a estrutura social mexicana e instaurou algo próximo ao que depois conheceríamos como socialismo? Muitos explicam o retrocesso posterior pelos limites políticos do campesinato e sua falta de maturidade política para exercer o poder. Outros pelos limites do ideário anarquista que influenciava os comandantes zapatistas.

O professor de história Adolfo Gilly afirmaria que após a retirada de Villa e Zapata a Revolução Mexicana estaria interrompida, retrocedendo e se institucionalizando aos moldes dos governos burgueses, não seguindo o rumo das transformações sociais radicais que a aliança entre os dois generais populares parecia prometer.

Carranza e o General Obregón conseguem imprimir uma derrota à Divisão Norte de Pancho Villa em Celaya, obrigando-o a retornar ao norte. Zapata retrocede suas tropas ao Estado de Morelos e Obregón retoma a Capital. Os zapatistas, durante vários anos, mantêm suas posições em Morelos desde seu quartel em Tlaltizapan. Com a cooptação de parte das lideranças, os zapatistas vão perdendo posições, perdem o controle de Cuernavaca e passam à resistência guerrilheira.

O General Jesus Guajardo, fingindo simpatizar-se com a causa zapatista, marca um encontro com Zapata na fazenda de Chinameca, em Morelos. Guajardo arma uma emboscada e Zapata é assassinado com centenas de tiros. Essa traição é lembrada como uma das maiores da história mexicana. Até hoje um muro cravejado pelas balas que foram em direção ao revolucionário e uma estátua de Zapata montado em seu cavalo ornamentam orgulhosamente o centro do povoado de Chinameca.

Zapata e a questão do poder

Zapata viveu o interregno entre duas épocas, antes e depois da Revolução Russa de 1917: entre os ideais anarquistas, a expansão imperialista estadunidense e a primeira experiência socialista da história.

Para os anarquistas da época de Zapata, alguns mitos acerca do poder faziam parte fundamental da doutrina anarco-sindicalista e parecem ter influenciado os revolucionários, e em parte explicam a derrota do movimento de Zapata.

No caso de Flores Magón, o mais influente anarquista do país e inspirador da parte mais radical da Revolução Mexicana, o Estado era o grande mal, origem de toda corrupção, ganância e imoralidade. A redenção mesclava anarquia com comunalismo indígena. O Estado Maior zapatista estava influenciado por esse tipo de concepção e naturalmente mirava com muita desconfiança o exercício do poder.

Emiliano Zapata controla a capital ao lado de Pancho Villa, mas não toma o poder, toma o palácio do governo sob custódia, senta na cadeira presidencial, depois observa Pancho Villa sentado nela e ambos se retiram, deixando o exercício do poder para a pequena burguesia, que logo compõe com antigos inimigos e retrocede em grande parte as conquistas da Revolução.

Tanto Zapata, como Pancho Villa jamais aceitaram por muito tempo cargos executivos na administração das áreas que liberavam com seus exércitos. Governar e como governar não estava definido no programa zapatista. Não exerceram o poder e logo que puderam, os que governaram em seu lugar retomaram o controle militar, cooptaram lideranças, e institucionalizaram a antiga ordem social com um verniz democrático.

É claro que as massas populares que se levantaram em armas, particularmente os camponeses, não retornariam as suas casas sem nada. O antigo sistema porfirista fora profundamente abalado. O regime que surgiria depois da Revolução iria ano após ano reestruturando antigos privilégios, mas precisou conceder algumas conquistas sociais ao povo mexicano, como as oito horas de trabalho semanal e o salário mínimo.

A luta de Zapata não foi em vão, garantiu anos depois que muitas terras reclamadas pelos camponeses permanecessem no sistemas de ejidos, onde a terra é trabalhada de maneira coletiva e sua propriedade inalienável. Os camponeses que seguiram Zapata jamais baixaram suas armas completamente, volta e meia uma rebelião camponesa surge, reivindica a memória de Zapata e segue a luta pela democratização das terras.

Atualmente o governo pró-gringo de Calderón tem organizado diversos festejos em comemoração ao centenário da Revolução Mexicana, mas Emiliano Zapata, pelo que representa, é menos propagandeado que outros personagens da história mexicana, como os heróis da independência, Morelos e Hidalgo. Em plenas comemorações do centenário, o pequeno museu que fica ao lado de onde assassinaram Zapata está praticamente abandonado. Mas, independente do governo, o povo mexicano, e particularmente os camponeses de Morelos não esquecem a luta de Zapata, e por muitos lugares seguem cantando nos Corridos, uma espécie de Cordel mexicano, as façanhas do General.

Traduzimos trechos de dois famosos Corridos. Um apresenta o Plano de Ayala e outro que fala de Zapata quando criança.

Corrido do Plano Ayala

(Corrido del plan Ayala)

Autor: Leonardo Kosta

Em mil novecentos e onze

antes do Natal

O general Emiliano

lançou o plano libertador

Foi na Vila de Ayala

que o Exército do Sul

pôs em letra e em papel

o que em pólvora escreveu

Porque Francisco Madero

aprisionou a liberdade

que com canhões e sangue

o povo conquistou

Não derramamos o sangue

para entregar-lhe o poder

nem para que nos governe

sua mesquinha vontade

Por isso o chefe Zapata

logo o desconheceu

porque a pele de ovelha

o lobo já a tirou

Não queremos acordos

com a gente do patrão

mais vale andar sós

que com tanto safado

A palavra de Emiliano

diz que agora sim nos dão

toda a terra e a água

que usurpou tanto ladrão

Que vivam todas as comunidades

com esta revolução

que morram as fazendas,

os senhores e os patrões.

Corrido do pequeno Zapata

(Corrido de Zapata niño)

Venho cantar aos senhores

uma nova novidade

é que Zapata está vivo,

mas vivo de verdade.

Quando os velhos proseiam

estórias que o vento levou

gostam de falar de Zapata

que muito pequeno se anunciou

Cuida o povo da sua lenda

com cuidadoso fervor.

desbasta, vai polindo

e guarda em uma canção.

(...)

Nos diz e anda dizendo

algum velho dizedor

que Zapata muito cedo

se destacou um libertador.

Em Anenecuilco foi,

miserríssima comunidade

perto da Vila de Ayala

onde Zapata nasceu.

Sendo muito pequeno, nos dizem,

Emiliano presenciou

como espoliava o pai

a injustiça do patrão.

(...)

Zapata, a criança, não entende

a injustiça do patrão:

Como o toma a terra?

Quando aqui sempre viveu?

Zapata criança prega

ao peão à união

e recuperar a terra

que a cobiça tomou.

Não seja idiota, disse o pai.

Tudo pode o senhor.

Tudo têm os amos

Ao índio, só a dor

Então disse Zapata,

com surpreendente decisão:

Quando eu for grande,

a terra, a tomarei do patrão!

Zapatistas de ontem e de hoje

Originalmente o termo zapatismo denominava às tropas comandadas por Emiliano Zapata e seus seguidores, relacionados posteriormente ao agrarismo mexicano.

Desde 1994, quando um grupo guerrilheiro denominado Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) levantou-se em armas em Chiapas, o termo zapatismo tem se confundido com esse grupo.

Atualmente os neo-zapatistas, como também são conhecidos, encontram-se cercados pelo exército, mantendo certa simpatia internacional, mas sem um projeto revolucionário e uma perspectiva concreta para o México.

Referências:

CÓRDOVA, Arnaldo. La ideologia de la Revolución Mexicana , México, DF: ERA, 1991.

GILLY, Adolfo. La Revolución Interrumpida, México: Era, 2007.

KATZ, F. La guerra secreta en México. México: Era, 1981.

REED, John. Mexico Rebelde , Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

TAIBO II, Paco Ignacio. Pancho Villa - Uma Biografia , São Paulo: Planeta, 2007.

WOMACK, John. Zapata y la Revolución Mexicana, Mexico: Siglo Veintiuno, 1985.

Corridos: Zapata Hoy. Disco de Pilar Pellicer y Tribu. 1980. Todo o corrido, inclusive com som está disponível na internet: http://www.bibliotecas.tv/zapata/corridos/corr01.html

[1] Ejidos - Em diversos países da América Latina, formas de propriedade coletiva da terra sobreviveram à conquista, ao período colonial e chegaram ao século XX. No Peru e Bolívia essas terras da comunidade e trabalhadas coletivamente têm o nome de Ayllu. No México são denominadas de Ejidos.


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