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Carlos Taibo

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Queda do império

A CNT fai cem anos

Carlos Taibo - Publicado: Domingo, 31 Outubro 2010 02:00

Carlos Taibo

Nestes dias em que se celebra o centenário da fundaçom da Confederaçom Nacional do Trabalho (CNT) figérom-se freqüentes, nos circuítos de poder mediático, os exercícios de desmitificaçom do que foi entre nós o movimento libertário.?


Ainda que desmitificar sempre é saudável, fazê-lo com um objecto que antes foi premeditadamente deixado no esquecimento constitui umha operaçom chamativa, tanto mais quanto que os seus responsáveis nom mostram grande interesse em se libertarem dos lugares comuns demonizatórios que eles próprios forjárom ou, em seu caso, herdárom. Ao calor desta cerimónia da confusom reaparecérom, dito seja de pasagem, alguns hábitos que abraçou a burguesia republicana três quartos de século atrás, na forma de um intelectualismo que bebe do desprezo e de um paternalismo comiserativo aplicados sobre os que entom como agora som os invisíveis.

Os nossos libertários tivérom, claro, os seus defectos. Se entre eles operou a miúdo umha vanguarda afastada de umha base apática, a falta de planos sérios sobre o futuro e as contradiçons no que atinge à participaçom no jogo político somárom-se com freqüência a umha estéril e violenta ginásia revolucionária. Nada do dito convida a eludir, porém, os enormes méritos de um movimento que dignificou a classe operária, despregou um igualitarismo modélico em proveito dos mais castigados, cresceu sem funcionários nem burocracias, achegou eficazes instrumentos de resistência e pressom, desenvolveu activas redes em forma de fazendas, obradoiros e cooperativas, promoveu audazes iniciativas educativas e culturais, e mostrou, em fim, em condiçons infames, umha formidável capacidade de mobilizaçom (compare-se com a dos alicaídos sindicatos de hoje). A CNT foi, por acréscimo, um agente vital para travar, em Julho do 1936, o alçamento faccioso, protagonizou ao poco em lugar prominente umha experiência, a das colectivizaçons, que bom seria chegasse a conhecimento dos nossos jovens e padeceu umha repressom selvagem por parte do regime nascente. Cinco livros de recentíssima publicaçom e recomendável leitura --Nós os anarquistas!" de Stuart Christie, Vingança de classe de Xavier Diez, Anarchism and the City de Chris Ealham (versom inglesa do livro tirado do prelo há um lustro),  Anarquistas de Dolors Marin e A revoluçom libertária de Heleno Saña-- recuperam esse mundo de ebuliçom societária e luita permanente.

Voltemos, contodo, ao do discurso oficial bempensante, sempre vinculado com um lamentável exercício de presentismo: o que ocurreu tempo atrás se julga sobre a base dos valores que, supostamente, som hoje os nossos. Nada mais singelo entom que esquecer as condiçons extremas que, no laboral e no repressivo, se figérom valer no decénio de 1930, como nada mais fácil que homologar a violência do sistema com a de quem a padecia. Nada mais razoável que dar por demonstrado o talante reformista da República --de trabalhadores?--, esquecendo em paralelo a repressom à que se entregou, o incumprimento sistemático das leis aprovadas e, tantas vezes, a aceitaçom calada de muitas das regras do passado. Desde a comodidade do presente nada mais lógico, em fim, que opor a sindicalistas bons e anarquistas maus enquanto se enunciam rotundas certezas no que se refere à condiçom venturosa da participaçom da CNT no jogo político tradicional, estigmatiza-se como anacrónico e depreciável todo o que cheirasse a revoluçom social e se tornasse aos libertários em responsáveis maiores dos problemas da República. O que ao cabo se nos conta é que os nossos anarquistas eram, em geral, boa gente até que se decidiam a levar à prática as suas ideias...

O do presentismo alicerça-se sempre, polo demais, numha cabal aceitaçom das supostas bondades da ordem que hoje desfrutamos. Desde essa atalaia pode entender-se que um historiador de prestígio, ao que nom lhe soa a palavra Scala, se permita afirmar que a CNT nom levantou a cabeça após 1975 pola sua incapacidade para aceitar as regras, ao parecer sacrossantas, da Transiçom. Se cada qual é livre de expressar as suas opinions, bom será que guardemos as distáncias com respeito a quem oferece essas últimas como o produto cordato de um agudo e científico trabalho trás o que se ocultam, no entanto, prejuízos sem conto e versons tam interessadas como ideológicas da história.

O último dos estigmas do discurso oficial é a reiterada afirmaçom de que o anarquismo morreu, entre nós, em 1939. Para desmenti-la sobram os dados, e de muito diversa índole. Lembremos que o anarco-sindicalismo continua vivo e com presença, por muito que os meios de incomunicaçom prefiram continuar ligando-o, sem mais, com piquetes e violências; como se nada hubesse que dizer, desde a esquerda, das maquinarias dos sindicatos maioritários. A pegada do pensamento libertário aprecia-se com facilidade, também, em movimentos sociais novos --o feminismo, o ecologismo, o pacifismo-- e novíssimos --o mundo da antiglobalizaçom ou o do decrescimento-- muitas de cujas estratégias destas horas tinham sido plenamente desenvolvidas no mundo anarquista oitenta anos atrás. A urgência, por outra parte, de dar réplica à falência sem fundo da socialdemocracia e do socialismo de quartel voltou a trzer à tona palavras como autogestom, socializaçom e descentralizaçom em proveito de sociedades nom alicerçadas na coacçom nem na procura do lucro, e receosas do suposto papel libertador das tecnologias. Assim os factos, a afirmaçom, tam comum na prédica bem-pensante, de que o anarquismo é umha ideologia do passado retrata bem às claras em que tempo histórico vive quem a formula.


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