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Joseph Ghanime

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Louvor do pequeno

A aperrear, a aperrear

Joseph Ghanime - Publicado: Segunda, 25 Outubro 2010 02:00

Joseph Ghanime

Para enfrentar, de ano em ano, o dia da Hispanidade, nada melhor que uma releitura de Esas Yndias Equivocadas y Malditas, de Rafael Sánchez Ferlosio. Nesta ocasião eu emprestara o meu exemplar a um bom amigo. Vendo que o dia das tebras se aproximava, figem um pedido de emergência polo e-mail:


- Olha, João, envia-me um correio com três ou quatro citas de Ferlosio sobre o contributo dos cães para a conquista da América polos espanhóis.

A resposta não demora. Na primeira cita Ferlósio Ferlósio debruça-se sobre a Hª General y Natural de las Indias do cronista Gonzalo Fernández de Oviedo, para esclarecer a natureza de uma "monteria" e "negócio ensangrentado" que os conquistadores usavam:

Hasta aquí Oviedo, que unas líneas más abajo nos explica lo que ha querido decir con lo del "ejercicio ensangrentado" y por qué ha usado la palabra "montería"; dice, pues, así: "Ha de entender el letor que aperrear es haçer que perros le comissen o matassen, despedaçando al indio, porque los conquistadores en Indias siempre han usado en la guerra traer lebreles e perros bravos e denodados; e por tanto se dixo de suso montería de Indios".

Sánchez Ferlosio, R. Ensayos y artículos. Vol. II. Barcelona: Editorial Destino, 1992 (página 542).

Com estas palavras Ferlósio reclama para os cães algum do protagonismo que os historiadores costumam atribuir em exclusiva aos cavalos:

Ya que ha salido esta cuestión, diré que me extraña el hecho de que, frente a tanto como se ha encarecido la importancia de los caballos en las conquistas españolas – animales, al menos en principio, muy escasos, por su difícil transporte marítimo, útiles sólo en determinados terrenos -, se haya desdeñado, inexplicablemente, el papel que tuvieron que tener los perros, las jaurías de lebreles o de alanos (cruce de dogo y mastina), animales todo terreno, insuperables para la persecución, menos dóciles que los caballos, pero portadores de sus propias armas y, por tanto, capaces de actuar solos, más dúctiles al adiestramiento, ladradores – factor psicológicamente decisivo – y, en fin, mucho menos vulnerables, de modo que su importancia en las conquistas pudo ser a menudo muy superior a la de los caballos, como lo prueba la presencia de perros en todo tiempo y lugar (..)
(Ídem. Página 543).

O ladrar dos cães é uma injeção de sanha sempre pronta a estourar no furor bandeirante dos conquistadores:

De modo que digo yo que juzgan mal a los conquistadores quienes los incriminan indistintamente del vil materialismo de la codicia del oro; el oro fue en contados casos un móvil real; generalmente fue un pretexto para la hazaña por la hazaña y a lo sumo su trofeo, como lo prueba el que fueran muy pocos los casos de quienes, en vez de jugárselo y despilfarrarlo al día siguiente, supiesen apartarlo y acumularlo por despreciable amor hacia el dinero y la riqueza; lo que movió a la gran mayoría de los conquistadores fue, por el contrario, la pura inquietud espiritual de continuar el ejercicio ensangrentado de esa montería de aperrear indios (ídem, páginas 544-5)

Pois é: tão bravos os ladridos dos perros fôrom – tão afoutos, tão arroutados, que a palavra APERREAR véu meter também os focinhos na nossa língua, com a sua longa matilha de derivados: APERREADO, APERREAÇÃO, APERREAMENTO, APERREANTE, APERREADOR, APERREIO.

O dicionário HOUAISS da língua portuguesa define assim "aperrear": fazer perseguir por perros, por cães; sujeitar (alguém) a rigorosa disciplina, ter preso, não deixar à vontade; reprimir, oprimir.

Eu também ouvi "aperrear" no Nordeste do Brasil, no sentido de "agoniar", "chatear", "encher o saco" de alguém.

E em Lugo? Que raio nos está a sugerir esse "aperrear" hoje, a 12 de outubro de 2010, aqui neste Lugo?

Pois, ea! Aqui polo Campo Castelo, no café do costume, ando eu agora a meter os focinhos no meu almorço.

Na mesa, um quadro da muralha com neve e um cinzeiro entendem-se num parolar de café de províncias. Os churros também parecem fazer tertúlia com os vidros baços da janela. Os trouleiros de uma noite de São Froilão saúdam o novo dia com olhos de uránio empobrecido – em saudoso processo de fragmentação. A marcha militar passa na televisão.

Um hominho cai em paraquedas fazendo ziguezague entre dous arranha-céus. Leva, atados ao pescoço e ao tornozelo, dous hiperbólicos guardanapos com malhas de cores berrantes. O hominho aterra nas faixas de rodagem da avenida.

Na seguinte cena, pessoal especializado recolhe os guardanapos com cerimónia. As autoridades civis realizam operações terrestres pola larga avenida que racha o centro da cidade – cidade aberta como o bandulho de um porco acabado de matar. Só faltam os veículos todo-o-terreno para acabar de conquistar a capital dos conquistadores.

Uma mulher, com cara de ter dormido pouco e tristemente, fala muito das missões de paz das Forças Armadas: Afeganistão, Somália, Bósnia...

Soam, ressoam, ressoam, as guerras de Espanha nas dentaduras.

E eu dou por mim escrever com caneta colorada no meu caderno o seguinte verbete de dicionário:

APERREAR: 1. (Europa) Sinónimo de "informar", nomeadamente quando se fala de insurgentes de países conquistados, grevistas gregos e imigrantes ilegais. 2. (Espanha) Aquilo que fam os jornais, televisões e tertulianos da rádio quando se fala das línguas cooficiais, dos piratas no Índico e dos presidentes das repúblicas de Bolívia e Venezuela – este último também conhecido nesse reino como o "Gorila Rojo".

A APERREAR, A APERREAR



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