Daqui decorre a constatação de que a sociedade em que vivemos, (que não é outra que o capitalismo), é composta por classes possidentes e despossuídas cujos interesses por essa banal razão são antagónicos, não cabendo lá as boas intenções dos indivíduos por mais razões humanas de que se imbúam.
Vêm estas palavras a propósito do artigo publicado no Diário Liberdade em 13/10/10 da autoria do professor universitário de economia, Marcus de Oliveira, com o título "Um desenvolvimento de todos para todos" em que são apresentadas teses sobre a defesa de uma economia de rosto humano, uma espécie de conto de fadas da economia.
Passo a citar o professor Marcus:
"No entanto, é forçoso atentar para o fato que segue: elaborar modelos econômicos especificamente centrados na valorização das pessoas e dos grupos sociais, cuja temática de cooperação (solidariedade) embasa as ações tanto dos próprios indivíduos quanto dos agentes executores de políticas públicas é tarefa árdua; porém, é construtivamente viável e exeqüível. É exeqüível e viável - é bom que se afirme isso - a partir do momento em que tomamos ciência que esse modelo aqui sugerido (obrigatoriamente de caráter social e humano com nuances de equilíbrio ecológico) aponta para uma situação em que haja desenvolvimento de todos e para todos; portanto, sem exclusão de quem quer que seja. Um modelo de total inclusão, de incorporação."
Uma situação em que haja desenvolvimento de"todos para todos; sem exclusão de quem quer que seja."! Nem mesmo os riquíssimos da revista Forbes, professor...?
O seu modelo poderá ter a melhor das intenções, mas recuso-me a chamar-lhe ingénuo porque ele é representativo de uma corrente de pensamento, que tendo constatado as derrotas sofridas pelo proletariado nos países do Leste europeu e na China, e as dificuldades de que uma nova corrente revolucionária assuma os destinos da revolução e da luta pelo socialismo, e assumindo a crise do capitalismo como uma hecatombe, vem a terreiro vender uma velha solução há muito ensaiada por todos os que desistiram da luta de classes e se entregaram às soluções construtivas. Infatigávelmente elaboram "sábias" e humanas alternativas programáticas plenas de boa vontade face aos donos dos meios de produção e dos Bancos a quem proclamam: «nós temos a solução para superar a crise, poupamo-vos à ruína e vós sois cegos e surdos? Queremos que todos se salvem e em primeiro lugar a nossa querida classe média-versus- pequena burguesia!»
Não está sozinho professor! Aqui na terra Lusa tem colegas no parlamento que defendem o mesmo por outras palavras: são os partidos da esquerda do regime, que não há meio de serem aceites pelos seus pares apesar do grande esforço para pôr as contas públicas em ordem e a economia com justiça a desenvolver-se e a produzir; os capitalistas não há meio de os levarem a sério.
Mas, admitamos que a sua proposta para"um desenvolvimento sem exclusão de ninguém" era aceite por todos como pretende. Qual era o quadro seguinte?
1-Propunha aos patrões para desistirem da direcção das administrações das fábricas e empresas e entregarem essa administração a um conselho de trabalhadores, e ao mesmo tempo solicitava ao parlamento legislação conforme? Sem exclusão de ninguém, claro.
2-Propunha à banca nacional e internacional um empréstimo para formar instituíções de crédito alternativas?
3-Proporia à sociedade civil que se organizasse e se associasse expontâneamente em cooperativas?
Todas estas transformações de que fala o professor Marcus no seu artigo seriam o programa para, segundo o próprio: "Temos que admitir que esse modelo prioriza e valoriza algo de extrema importância: a vida."
Em nenhum momento do artigo é referida a luta de classes como o motor que faz progredir a economia e a política, como em nenhum momento são indiciados os meios organizativos para concretizar a intenção vagamente auto-gestionária do artigo, que se resume a um mero enunciado de humanistas intenções de amor à vida, inóquas ao capitalismo, sem nenhuma utilidade para a luta dos trabalhadores pela sua emancipação, e despojadas de futuro.
Nós, os que nos reclamamos de marxistas sabemos como é longo, difícil e árduo o caminho que temos de percorrer para conquistarmos uma sociedade onde a exploração do homem pelo homem não tenha mais lugar, e por isso, sem autosuficiências mas com realismo dizemos que as derrotas dos projectos comunistas do século XX tiveram como causa não o radicalismo, mas sim a conciliação e subordinação do proletariado à pequena burguesia que constantemente renova os seus apelos capituladores para salvaguarda dos seus interesses de classe e perpetuação do sistema.
Cabe-nos intervir na crise do capitalismo desmascarando a falência do sistema, levantando as reivindicações dos trabalhadores e de todas as camadas atingidas pelos programas de austeridade, ajudar os explorados a golpearem os seus algozes, e nesta luta contribuír para a união dos operários de vanguarda, e dos novos jovens lutadores e lutadoras ao lado dos quais queremos lutar para dar fim a esta monstruosidade chamada capitalismo.
Sem ilusões de que «o que é preciso é produzir para saír da recessão» como defendem os partidos da esquerda do regime que com esta política salvam o capitalismo da crise, defendemos que é o sobre o capital que deve recaír as medidas de austeridade.
Anulação dos cortes salariais e dos impostos sobre os trabalhadores, IVA e IRS.
Congelamento do pagamento da dívida externa. Impostos sobre as grandes fortunas.
Cobrança coerciva dos impostos dos capitalistas em dívida.
Impostos de 25%sobre os lucros financeiros. Fim dos benefícios fiscais ao capital.
Passagem de todos os contratados e a recibo verde a efectivos.
Obrigatoriedade de negociação com os trabalhadores através de contratação colectiva.
Aumento do salário mínimo e das reformas. Corte nos ordenados dos ministros, gestores e equiparados.
É por aqui o caminho da luta contra o governo burguês do PS e as políticas reaccionárias do PSD-CDS.
É em volta de um programa mínimo deste tipo que os operários e operárias de vanguarda, os sindicalistas mais combativos, a juventude mais rebelde, os intelectuais mais lúcidos, os trabalhadores e trabalhadoras mais exploradas, devemos formar barreira e radicalizar a próxima Greve Geral, defendendo a continuidade da luta, tomando como referências a combatividade dos trabalhadores gregos e franceses.
É por aqui o longo caminho da luta libertadora do proletariado contra a exploração e pelo fim do sistema capitalista. Esta via é oposta à via do "desenvolvimento de todos para todos"defendida pelo Professor Marcus de Oliveira.