É simples de entender isso. A chamada "bancada evangélica" no Congresso Nacional aumentou de 41 deputados e senadores para 73. Num Congresso de pouco mais de 500 integrantes esse peso é superior a 10%. O apetite de pastores para cargos e instrumentalização de suas igrejas e seu entorno (jornais, redes de tevê, bancos, empreiteiras, etc) é cada vez maior.
Fiéis são mera massa de manobra. Em estados como o Rio de Janeiro, um dos maiores da Federação brasileira, chegam a alcançar 30% da população e ameaçam a tradicional liderança da Igreja Católica Romana. A ação agressiva desses líderes "religiosos" já lhes valeu oito anos de governo naquele estado. O casal Anthony e Rosinha Garotinho (ela cassada por corrupção na Prefeitura de Campos e ele deputado mais votado nas últimas eleições, mas respondendo a vários processos por corrupção).
Igrejas ou seitas apoiadoras da candidatura de Dilma Rousseff, na reta final da campanha, começaram a pedir votos para Marina Silva, que é evangélica, forçando o governo Lula a negociações para assegurar uma vitória de sua candidata no segundo turno.
Uma forma de chantagem em que milhões de fiéis são usados como moeda de troca eleitoral.
O candidato da extrema-direita José "Arruda" Serra, lógico, entrou em cena, com ofertas que buscam comprar essa fatia do eleitorado brasileiro. Na prática hoje está dividida.
Considerado o maior país católico do mundo, o Brasil hoje se assusta com o espantoso crescimento das seitas neopentecostais. Milhares de templos, milhões de fiéis, uma rede nacional de tevê (Record), jornais, revistas, bancos, empresas imobiliárias, em todos os setores da economia e um faturamento, o dízimo, capaz de fazer inveja a qualquer grande multinacional.
No caso do aborto não importa que uma ou outra fiel tenha feito um aborto. Importa que vote contra o aborto e permita aos pastores negociar quotas de poder que assegurem o crescimento dos "negócios".
Essa profusão de igrejas evangélicas (neopentecostais) no Brasil começou quando os norte-americanos perceberam que era preciso algo mais que toneladas de leite em pó para alimentar nordestinos, na década de 60, governo John Kennedy, num programa chamado Aliança Para o Progresso, cujo principal objetivo era o combate à influência da revolução cubana em toda a América Latina.
Registre-se que, à época, setores da sociedade brasileira denunciaram que o leite em pó continha esterilizantes.
Era um momento delicado para os EUA. Começavam a surgir os problemas com o Vietnã, o que parecia ser uma vitória militar fácil se complicava, a oposição dentro do país à guerra crescia a cada dia e a Igreja Católica vivia os tempos de João XXIII (a encíclica MATER ET MAGISTRA num determinado trecho admitia a luta armada como legítima. Quando todos os recursos não violentos para a democracia real e justiça social estivessem esgotados).
O crescimento da Teologia da Libertação tornou a Igreja Romana numa força popular com extraordinária capacidade de mobilização (JOC = Juventude Operária Católica – JUC = Juventude Universitária Católica – JEC = Juventude Estudantil Católica, e assim por diante, vários movimentos católicos tangenciando e agindo em cooperação com partidos de esquerda, inclusive comunistas, além de sacerdotes e bispos como D. Oscar Romero, assassinado dentro de sua igreja por pistoleiros a soldo do latifúndio em El Salvador, Hélder Câmara e Pedro Casaldáliga no Brasil, etc).
A reação veio rápida e em setores conservadores da Igreja (D. Jaime de Barros Câmara, cardeal do Rio de Janeiro) e organização de camadas de brasileiros dentro dos critérios tradicionais de Roma. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, coordenada por um padre norte-americano, Patrick Payton, foi a primeira e maior ação da igreja conservadora, inseriu-se em todo o processo de preparação do golpe militar de 1964, que acabou derrubando o governo do presidente Goulart.
Congregou mulheres da alta burguesia e fiéis tradicionais, presas fáceis do fundamentalismo religioso. Grandes grupos empresariais do País e dos EUA financiaram a marcha, assim como candidatos de extrema-direita nas eleições legislativas de 1962, através de um instituto criado para esse fim, o IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática.
A derrubada de Goulart, a resistência do Vaticano (João XXIII e Paulo VI), a participação de padres e bispos na luta contra o regime militar abriu as portas para que os pastores norte-americanos que chegaram com a Aliança para o Progresso, aqui e no Chile principalmente, passassem a formar líderes evangélicos brasileiros e buscassem formas de aumentar a presença dessas seitas (de extrema-direita) junto principalmente à população carente.
Tiveram recursos financeiros a partir das ligações do norte-americano Billy Graham, pastor e maior líder religioso dos EUA naquele tempo, conselheiro de Ronald Reagan, além de apoio claro e ostensivo das ditaduras militares, a essa altura, presentes em vários países latino-americanos.
O Brasil sempre foi o alvo preferencial, o objetivo primordial dos EUA.
Edir Macedo, por exemplo, líder de uma das maiores igrejas neopentecostais, não só no Brasil, mas em várias partes do mundo, era pai de santo num terreiro de Umbanda na cidade de Matias Barbosa, estado de Minas Gerais. Cooptado, é hoje dono de um império e curiosamente sua igreja apóia Dilma.
Organizados, disciplinados, os pastores das várias igrejas e seitas foram recrutando fiéis junto às camadas mais pobres da população, aproveitaram o vácuo deixado pela Igreja Católica, distante dessas comunidades desde a ascensão dos conservadores, até que se transformaram numa ação consciente em força política de peso e influência consideráveis.
Hoje formam um dos grupos políticos mais poderosos da extrema-direita e principalmente do mundo dos "negócios".
Defendem a tese do criacionismo, são contrários ao aborto, contrários ao homossexualismo e lesbianismo, organizaram-se de forma a garantir empregos aos fiéis, obediência absoluta numa rede fantástica onde contribuições em dinheiro permitiram o império que permeia quase todos os setores da política e da economia no Brasil.
Formam a brigada que assegura a resignação com o latifúndio, os grandes bancos e empresas, tudo em troca do reino dos céus a 10% do salário em cada mês.
E na cúpula barganham poder.
A situação no Rio de Janeiro quase atinge, hoje, níveis de guerra religiosa, com a perseguição a cultos afro-brasileiros, arraigados em determinados segmentos da população.
As igrejas neopentecostais no Brasil de hoje somam-se em função de interesses comuns, é grande o número de pastores deputados, senadores, deputados em assembléias legislativas, vereadores em câmaras municipais e prefeitos.
Ocupam espaço no Judiciário, promovem grandes manifestações religiosas e buscam, cada vez mais, criar um clima de guerra religiosa, de fundamentalismo religioso que, a persistir, acabará por transformar o Brasil, nos próximos anos, num país com conceitos medievais sobre vários e importantes temas, tanto quanto, são certeza de bloqueio às mudanças políticas e econômicas capazes de aumentar o processo de participação popular e organização e formação de forças democráticas no sentido pleno da palavra.
Marina Silva, principal protagonista do primeiro turno, foi usada para forçar um segundo turno e permitir uma negociação ampla e em melhores condições para essas seitas e igrejas num futuro governo.
O Brasil vive a perspectiva de uma ditadura religiosa disfarçada.
É fácil compreender isso. Esse País de dimensões continentais continua sendo o principal objetivo político dos EUA para garantir sua hegemonia absoluta na América Latina. E boa parte da população católica, os chamados Carismáticos, corre atrás das legiões neopentecostais, um disfarce fundamentalista da Igreja Romana para não perder fiéis e assegurar sua fatia de poder junto às classes favorecidas.
O que está em jogo no Brasil, nas eleições presidenciais deste ano, é se o País vai se dissolver como leite em pó da Aliança para o Progresso, esterilizando seu avanço como protagonista da história contemporânea, ou vai rejeitar esse projeto tacanho.
José "Arruda" Serra é o melífluo caminho da perversidade travestida de pirulito para criança.
A ditadura religiosa é um terrorismo disfarçado de palavra de Deus.