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António Santos

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O Fantasma de João Mau-Tempo

As lições de Porto Rico

António Santos - Publicado: Domingo, 08 Novembro 2015 16:59

No passado dia 21 de outubro, o presidente dos EUA, Barack Obama, pronunciou-se finalmente sobre a crise financeira de Porto Rico, defendendo a “reestruturação” da dívida do Território, avaliada em mais de 165 mil milhões de dólares, cerca de 150 por cento do Produto Interno Bruto da colônia.


Mas se, à superfície, as declarações do chefe do Estado norte-americano aparentam disponibilidade para uma renegociação necessária, a realidade demonstra, porém, que não será esta a primeira vez que o predador liberta voluntariamente a presa.

Nos EUA, a renegociação da dívida implica uma declaração de insolvência, algo que as leis federais estendem aos estados, mas não aos 'Territórios', pelo que o desafio de Barack Obama ao Congresso consiste apenas em passar a batata quente para o Partido Republicano, que atualmente controla o Congresso e a capacidade de fazer alterações à Lei da Bancarrota Nacional. Em véspera de eleições presidenciais, fazer eco dos pedidos de ajuda do governador porto-riquenho, Alejandro García Padilla, é um isco conveniente para os mais de cinco milhões de eleitores borícuas, mas diz pouco sobre como resolver a crise e ainda menos sobre a sua natureza.

Com profundas implicações políticas e econômicas para a região, a crise da dívida de Porto Rico é uma bomba-relógio que ninguém ignora: segundo declarações, na semana passada, do secretário do Tesouro dos EUA, Antonio Weiss, Porto Rico “caminha para uma grave crise humanitária”, tendo menos de 1 bilhão de dólares em reservas líquidas para remunerar os funcionários públicos e manter o Estado a funcionar. Na mesma semana, o Banco de Desenvolvimento de Porto Rico fez saber que a ilha não poderá desembolsar o próximo pagamento de 335 milhões de dólares prometidos aos credores até dia dois de dezembro.

Embora discordando, na teoria, sobre a tese da renegociação da dívida, tanto o Partido Democrata como o irmão siamês republicano já convergiram numa solução a curto prazo. Um consórcio de credores que responde pelo nome de 'Grupo Ad Hoc' e que reúne hedge funds especializados em apostar na falência de empresas e estados, tem feito valer os seus interesses junto de ambos os partidos e do governo porto-riquenho: segundo o relatório “Por Porto Rico, há um caminho melhor”, encomendando pelo Grupo Had Hoc ao think thank Centennial Group International, a ilha “não tem um problema de dívida mas sim um problema de défice”, teoria entretanto subscrita pelo governo de Porto Rico.

Seguindo as recomendações do Grupo Had Hoc, o governo de Porto Rico está a equacionar a privatização das autoestradas e a venda ao desbarato da Companhia Nacional de Desenvolvimento Industrial, para além da entrega a privados do Porto das Américas, em Ponce. Em causa, está ainda o aumento do IVA, cortes no orçamento para a educação e uma reforma laboral que, para além de agilizar os despedimentos, reduz o valor dos subsídios de Natal e aumenta os horários de trabalho para 10 e 12 horas diárias.
Para fazer frente a estas medidas, uma ampla frente de sindicatos e organizações sindicais porto-riquenhas, batizada de Assembleia Nacional do Povo, aprovou, na sexta-feira passada, uma “declaração de princípios para criar condições para convocar uma greve geral nacional”, explicou ao Primerahora a porta-voz do movimento, Eva Ayala.

É inútil renegociar uma dívida para voltar a contraí-la nos termos antigos. A dívida porto-riquenha é o resultado esperado de um sistema de dominação política e econômica. Despojada de soberania econômica, social, territorial ou legal, a colônia de Porto Rico revela-se assim uma autêntica mina de ouro para os seus donos: todos os anos, os EUA injetam na ilha entre 13 e 16 bilhões de dólares na forma de assistência direta e no financiamento do Estado e da economia.

Em contrapartida, Porto Rico devolve anualmente ao vizinho do Norte mais de 60 bilhões de dólares. Por um lado, quase tudo o que é consumido na ilha, é importado dos EUA por cerca de 25 bilhões de dólares anuais, incluindo 85 por cento dos alimentos consumidos. Por outro lado, as grandes empresas estadunidenses, como a Walmart ou a Home Depot, extraem, todos os anos, cerca de 34 bilhões de dólares da ilha, graças aos benefícios fiscais do governo e ao preço da força de trabalho. Finalmente, as leis dos EUA obrigam a que todo o transporte de produtos, de e para a colônia, seja feito por navios e tripulações dos EUA, o que custa cerca de 1,5 bilhões de dólares aos porto-riquenhos.

Mais sucintamente, para cada dólar que inserem na máquina da colônia porto-riquenha, os EUA recebem cinco dólares de troco. E desengane-se quem achar que a máquina está avariada: foi para isto que ela foi feita.

Fonte: Avante!


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