1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (1 Votos)
Ilka Oliva Corado

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora

Crónicas de uma inquilina

As maras na América Central

Ilka Oliva Corado - Publicado: Segunda, 05 Outubro 2015 13:27

[Tradução de Camila Lee para o DL] Procurar informação sobre as maras, quadrilhas ou delinquência juvenil pode ser uma espada de dois gumes. Na maioria dos textos, abordam o tema com uma postura classicista que descrimina, pela sua condição social, a juventude suburbana, mostrando pouca objetividade nesses estudos, os quais procuram sancionar com apelativos como "grupos criminais". Porém, onde, como e por que realmente se origina este fenômeno na América Central?


Não devemos nos esquecer da violência institucionalizada, da crueldade com a qual atuaram os governos no conflito armado interno que atacou países como El Salvador e a Guatemala. É inadmissível deixar de lado as limpezas sociais que foi sendo realizada em cada governo no Triângulo do norte (Guatemala, El Salvador e Honduras). As maras nascem das discriminações com que o sistema trata a infância e a adolescência dos que vivem no subúrbio, os quais são marginalizados pela sociedade classicista e racista; são o escombro de um sistema de castas. Negam a estas pessoas toda a oportunidade de desenvolvimento, o acesso à educação formal, uma alimentação balanceada, o acesso a áreas de recreação, em fim, o essencial para um desenvolvimento integral.

O que fazem estas crianças, que na maioria dos casos trabalham como adultos para ajudar nos seus lares com os gastos? O que fazem se não possuem um espaço propício para desenvolverem as suas destrezas, as suas habilidades, a sua criatividade e os seus talentos? O que fazem se não existem programas que enfoquem nas carências dessa parte da sociedade? O que fazem estes meninos e meninas que, na maior parte do tempo, estão sozinhos porque os seus pais trabalham o dia inteiro? O que fazem se logo ali, na esquina, há álcool, drogas e todo o tipo de perigo? Não devemos esquecer que quem propaga as drogas nas periferias são as verdadeiras bandas delitivas que estão presentes no Governo. As quadrilhas são as que infestam o governo e o sistema. 

É necessário ter muito sangue frio, cautela, respeito e objetividade para abordar o tema da violência juvenil, que não é mais do que o seio da violência institucionalizada. 

O patriarcado e a marginalização são temas essenciais. A pobreza extrema. As maras nascem como um grito sonoro das áreas marginalizadas para que o resto da sociedade as escute, um grito de ajuda e de existência. A forma com a qual atuam e os códigos que manipulam são encasquetados porque o pacto de lealdade e companheirismo está intrínseco. As maras têm como base um amor fraternal que não é visto em outros níveis da sociedade. São geradas pela rebeldia própria do marginado. É daí que vem a sua força, pureza e solidariedade. Respondem à violência do sistema. A violência não são as maras, é o sistema que marginaliza e oprime. São criminalizados pela sua condição social. 

A década de 80 é vital para o nascimento das quadrilhas. Nesta época, o conflito armado interno obrigou a milhares de pessoas a migrarem, as quais procuraram refúgio em países como o México e os Estados Unidos. Diz-se que a mara Salvatrucha nasceu nos bairros marginalizados de Los Ángeles, Califórnia. Os Estados Unidos, no inícios dos anos 90, começa a deportar centro-americanos e é assim que chegam com novas modalidades que implementam na sua resistência contra o sistema. Dão uma resposta à violência institucionalizada. São estigmatizados pela sua forma de vestir e pelas tatuagens que exibem no corpo. Cair nos focos de violência que gera o sistema é muito fácil quando não possuímos o apoio familiar, o da comunidade e as ferramentas que nos brindem uma formação integral. 

Nos centros de detenção, os Direitos Humanos são violados sistematicamente. Segundo as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos da ONU, as cadeias devem ser projetadas de acordo com certas especificações para otimizar a reabilitação dos reclusos. No papel, o que se fala é sobre programas de ioga e meditação nas cadeias, pois promovem saúde, desenvolvimento da personalidade, melhoram a conduta e reduzem a reincidência. Fala-se sobre aulas de informática. Programas que funcionam muito bem nas cadeias dos Estados Unidos, mas que na América Central não, pois não há os mesmos espaços físicos nem os recursos materiais. As cadeias enfrentam tamanho excesso de pessoas que os reclusos não conseguem comer três vezes por dia.

Pelo contrário, são violados, obrigados a participarem desde ali em operações delitivas que estão ao mando de grupos criminais muito bem apoiados pelo Governo. As ordens de sequestro saem das cadeias por ordens de pessoas que contam com todos os recursos para delinquirem com total impunidade. Não existem programas governamentais que ajudem os jovens a se reinserirem na sociedade quando saem da cadeia. São as ONG que fazem todo este trabalho, procuram empregadores que estejam dispostos a contratarem ex-presidiários. É fundamental reconhecer que os diferentes setores, se baseando na idade, por exemplo, têm necessidades diferentes. Na Guatemala, os jovens nos centros de menores recebem o mesmo tratamento que um preso de idade adulta. Os programas de reabilitação só funcionam no papel. Não são incluídos programas para as reabilitações dos viciados em drogas, nem é feito um trabalho sobre cada droga específica. Isto deve ser essencial para conseguir a regeneração dos jovens. Os programas de desintoxicação de drogas são valiosos porque ajudam a evitar a reincidência. Os programas de saúde mental, a saúde cognitiva e a conduta, a atenção médica. Tudo isto falta nesses centros de reabilitação destinados a menores na América Central, onde os reclusos adolescente são tratados como criminais. Não saem reabilitados de maneira alguma; a cadeia, na maioria dos casos, se encarrega de destruir as suas vidas por completo. 

O relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre as atividades do seu Escritório na Guatemala em 2014 indica que:

O sistema penitenciário continuou enfrentando sérios desafios. Com uma capacidade para 6.492 pessoas, havia 18.204 privadas de liberdade, das quais quase a metade se encontrava em detenção preventiva. 

Como foi realizado o relatório anteriormente: a falta de controle nos centro penitenciários e a atividade delitiva de estruturas envolvidas em graves violações dos Direitos Humanos foi mantida dentro e fora do sistema penitenciário. Isto se refletiu no início da persecução penal, em uma investigação liderada pela Comisión Internacional contra la Impunidad en Guatemala (CICIG) contra altas autoridades do Sistema Penitenciário, reclusos (entre eles, o ex-capitão do exército, Byron Lima Oliva, quem cumpre pena pelo assassinato do bispo Juan Gerardi em 1998) e particulares, por tráfico de influências, associação ilícita e lavagem de dinheiro.

O panorama é pouco alentador, sem um sistema que enfoque no desenvolvimento integral da população nos setores mais afetados. Há pouca probabilidade ou talvez nenhuma de que a propagação das maras seja detida. Estas são manipuladas pelas quadrilhas que enviam ordens a partir do poder do Governo e da oligarquia. Sem um sistema penitenciário que ofereça uma verdadeira reabilitação e respeite os Direitos Humanos é impossível evitar a reincidência. A infância e a adolescência das periferias possuem pouco futuro, pois aqueles que não morrem de fome, são mortos pela limpeza social ou pelo crime organizado. No final, perdemos todos como país, pois cada vida é única e não tem preço.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.