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Alexandre Araújo Costa

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O que você faria?

É simples: Eles estão errados!

Alexandre Araújo Costa - Publicado: Terça, 08 Setembro 2015 01:17

Nosso conhecimento sobre o mundo, por mais que avance, sempre será limitado, parcial e, por isso mesmo, nossas verdades precisam ser encaradas como incompletas e até mesmo provisórias. Isso vale para qualquer tema, inclusive... o clima global.


Mas a perda da ilusão da "verdade absoluta" e fechada não pode nos conduzir a um relativismo grosseiro em que toda e qualquer "opinião" seja válida. Ou à ideia (desprovida de sentido) de que não podemos chegar a aproximações cada vez melhores da realidade, a um entendimento do mundo que nos cerca, de seus elementos e relações que melhor condiga com o que se verifica ao nosso redor e nos permita fazer previsões cada vez melhores sobre o seu comportamento. No caso do clima e das mudanças climáticas, precisamos saber que perguntas já têm resposta nítida e quais não têm.
 
Ceticismo versus negacionismo

A dúvida é (ou deveria ser) o estado inicial natural de qualquer pessoa diante de uma situação ou fenômeno desconhecidos. E em não havendo evidências suficientes a favor de uma determinada explicação para essa situação ou fenômeno, uma postura de ceticismo é a mais correta. De início, ante qualquer situação, o cientista é, antes de tudo (ou ao menos deveria ser), um cético.

Mas o senso crítico e questionador nada tem a ver com um papel de eterno contestador das evidências. A partir de determinado acúmulo de informação e conhecimento sobre o fenômeno em questão, pode-se considerar que determinadas dúvidas não são mais razoáveis e é preciso seguir em frente, aceitando as evidências sobre aquele ponto e colocando os questionamentos em outro patamar, para as novas questões que cada novo avanço suscita. O avanço das ciências se deu graças a essa combinação de postura cética e questionadora, que induz a pesquisa, a investigação e a busca de respostas, com a disposição em aceitar estas respostas, com base nas evidências, ainda que contrariem a vontade, o desejo e a opinião pré-concebida de quem quer que seja, até mesmo do próprio pesquisador.
 
É aí que se estabelece uma distinção radical (na verdade um antagonismo) entre uma postura cética e o negacionismo. O verdadeiro cético parte da dúvida, sem preconceitos em relação a qualquer hipótese, mas assume posição quando as evidências aparecem, aceitando-as. O negacionista parte de uma "certeza", a sua "verdade", geralmente pré-concebida a partir de desejos, vontades e preconceitos de natureza ideológica. E, preso a essa "certeza", recusa-se a checar de maneira aberta e honesta as evidências que com ela se choquem. O ceticismo implica em desapego. O negacionismo se agarra irredutivelmente a um ponto de vista original, geralmente vinculado a alguma motivação alheia ao terreno da ciência.

De fato, toda a coerência do método científico parece ser solenemente ignorada em particular quando conclusões científicas parecem contrariar não apenas o ponto de vista particular de uma ou outra pessoa, mas uma visão de mundo dominante ou influente. É o caso de dogmas religiosos, como no caso do Heliocentrismo de Copérnico, cuja defesa levou Galileo Galilei a ser condenado a uma pena cujo desfecho só não foi pior em virtude de uma retratação humilhante, ou da Teoria da Evolução de Darwin, de opções político-ideológicas (caso do "negacionismo do Holocausto") e de interesses econômicos, como nos casos da descoberta da relação entre câncer e consumo de tabaco, ocorrência dechuva ácida por emissões de óxidos de enxofre e nitrogênio por termelétricas a carvão e o dano à camada de ozônio por clorofluorocarbonetos (CFCs). O exemplo mais gritante neste último caso é, evidentemente, o negacionismo climático, que também mescla um aspecto ideológico forte, pois ao mostrar as graves consequências do tratamento dado à atmosfera (de lata de lixo infinita) pelo sistema produtivo vigente, implica em um conjunto de regulações e limites que vão inteiramente de encontro às ilusões dos defensores da absoluta liberdade de mercado e do crescimento indefinido e sem barreiras do capital.

Fora do consenso: falsa síndrome de Galileo  
 
peer reviewedpapersagw.previewComumente nos referimos ao consenso de pelo menos 97% entre especialistas de clima, de que o aquecimento global existe, é causado pelo homem e representa sério risco à nossa espécie e ao ecossistema global. Há ainda a estatística de que 99,98% dos artigos publicados se alinham com essas afirmações. Os detalhes sobre o consenso científico foram mostrados por mim neste artigo.

Mais recentemente, em matéria publicada no "Guardian", Dana Nuccitelli afirma: "Aqueles que rejeitam o consenso de 97%  entre os especialistas sobre o aquecimento global ser causado pelo homem, muitas vezes invocam Galileo como um exemplo de quando a minoria científica revogou a opinião da maioria. Na realidade, contrários do clima não tem quase nada em comum com o Galileo (observação minha: o "quase" aí é totalmente dispensável), cujas conclusões foram baseadas em evidências científicas empíricas, apoiada por muitos contemporâneos científicos, e perseguidos pelo establishment religioso-político."

Mas e quanto aos restantes 3% de autores (ou 0,26% de artigos)? Por que eles não estão simplesmente transformando o amplo consenso em total unanimidade? Como Nuccitelli coloca, a priori "há uma chance mínima de os 2-3% estarem certos e os 97% errados".

Há duas hipóteses plausíveis para a existência daquele fiozinho vermelho no gráfico de pizza aí em cima: 1. Os 99,98% dos artigos da maioria ou estão errados ou estão ignorando contribuições originais e certas evidências (que teriam sido apresentadas nos artigos "contrários") ou 2. Os artigos "contrários" estão... errados! Mas, usando de um jargão bem conhecido, o critério da verdade é a prática.
 
A Ciência tem tudo a ver com a possibilidade de fazer previsões, testar hipóteses, verificar processos e reproduzir resultados. Ora, ficar enganchando como disco arranhado sempre no mesmo ponto quando as evidências científicas nos impelem a seguir em frente é, em casos em que não há maiores consequências sociais e/ou ambientais é algo totalmente estúpido, mas quando elas existem então... é inaceitável. Especialmente no caso das mudanças climáticas, para o qual não há precedentes. O que está em jogo é o destino da civilização humana, e nisso nenhum dos exemplos que citei antes (tabagismo, chuva ácida ou camada de ozônio) tem alcance parecido.

Mas se os negacionistas se recusam a respeitar o método científico e a aceitar as evidências avassaladoras a favor do consenso, a comunidade científica não repete a mesma postura. Pelo contrário, na medida em que os negacionistas tenham, nessa meia dúzia de publicações, apresentado dados e resultados, podemos sempre verificar se estes são válidos ou não...

E o que acontece quando as ideias negacionistas são testadas? 

Foi testar as ideias negacionistas que fizeram Benestad e outros autores neste artigo, publicado recentemente no periódico Theoretical and Applied Climatology: resolveram encontrar a resposta para esta pergunta e tentaram reproduzir os resultados obtidos pela minúscula minoria de artigos "contrários", analisando 38 destes artigos que foram publicados na literatura científica com revisão.

O que encontraram Benestad, Nuccitelli e os demais quando submeteram os artigos contrários ao crivo do teste de realidade?
 
Nas palavras de Benestad e demais autores/as: "Um denominador comum parece ser a falta de informações contextuais ou ignorar informações que não se encaixam nas conclusões, sejam outros trabalhos relevantes ou dados geofísicos relacionados. Em muitos casos, as deficiências são devidas a uma avaliação insuficiente do modelo, levando a resultados que não são universalmente válidos, mas na verdade são um artefato de uma configuração experimental específica. Outras deficiências típicas incluem falsas dicotomias, métodos estatísticos impróprios, ou conclusões baseando-se em uma física errada ou incompleta."

Em referência ao artigo na Theoretical and Applied Climatology, Nuccitelli cita, no Guardian, o exemplo de um artigo que se propunha a "explicar" as alterações climáticas (na verdade, dados de temperatura) a partir de ciclos solares e lunares, usando análise de ondaletas. Há um ajuste razoável para 4000 anos, mas inexplicavelmente 6000 anos de dados do Holoceno ficaram de fora. O que acontece quando Benestad e colaboradores incluem esses anos? Toda a análise do artigo contrário vai para o brejo...

Erros elementares, distorções, amostragem insuficiente, afirmações que não poderiam ser feitas a partir dos dados objetivos. Enfim, a explicação mais plausível para o fato de esses poucos artigos não seguirem o consenso é que eles contêm falhas, intencionais ou não. Eles não se alinham ao consenso, por mais evidências que haja a favor deste último, por um motivo simples: é quase certo que todos eles estejam simplesmente errados.

Ciência, fraude, espetáculo e produtivismo 

A Ciência não é perfeita, muito longe disso. Mas a possibilidade de replicação de resultados é uma das razões pelas quais o conhecimento científico tende a não destoar muito da realidade material. Resultados que não são replicados passam a ser considerados erros. "Opiniões" que não encontram evidências deveriam tender à extinção.

Na verdade, o fato de haver artigos contrários ao consenso que passaram, com tantos erros, pelo processo de revisão e terem sido publicados diz muito sobre muitas coisas, mas nada delas tem a ver com o clima.

Antes de mais nada, a ideia de não termos 100% de unanimidade (mas "apenas" 97% ou 99,9999...% de consenso) é útil para a propaganda negacionista e é preciso evitar esta armadilha. Por isso, não podemos esperar jamais por fechar essa conta, até porque basta que um único (ex-)cientista se venda às petroquímicas ou ao agronegócio ou jogue fora toda e qualquer ética profissional por 5 minutos de fama no programa do Jô Soares. Mas é um fato: sem suporte de evidências científicas, a "opinião" negacionista tenderá mais e mais a virar coisa de gueto anticientífico, com alinhamento ideológico com a extrema-direita (como nos ataques desesperados ao Papa Francisco em evento da TFP). Infelizmente permanecerá como um espetáculo bizarro, tristemente amplificado por sensacionalismo barato (como no hoax da "mini-era do gelo").

A transformação da ciência em espetáculo (O pensador Guy Debord na verdade tratava da espetacularização geral da sociedade) e claro, em mercadoria, é um aspecto muito perigoso para sua fragilização. E nesse aspecto, quando a grande mídia diz que quer "garantir o espaço" para "opiniões divergentes" e quando privilegia o sensacionalismo termina cumprindo um papel bastante negativo (quase tão negativo quanto quando ela escolhe um lado baseado nos interesses econômicos aos quais muitas vezes se vincula).
 
Segundo, nos deveria servir de alerta para a fraude científica, especialmente em situações em que há fortes indícios de que ela seja orquestrada (caso por exemplo de Willie Soon, que recebeu - e não declarou - financiamentos da indústria de combustíveis fósseis). O fortalecimento da ética na pesquisa e na divulgação de resultados científicos precisa ser tratado como algo prioritário. Nesse sentido, ainda que não defenda medidas coercitivas por parte de entidades profissionais (sociedades, conselhos, etc.), é evidente que elas têm a obrigação de construir (senão liderar) um movimento pela ética na ciência. É absolutamente lamentável, em tal contexto, que a Sociedade Brasileira de Meteorologia, por exemplo, tenha seguido um rumo contrário.
 
Terceiro, nos deve chamar atenção para o "Fordismo" acadêmico. Afinal, a fraude científica (ou erros mesmo que involuntários) também tem a ver com o chamado produtivismo acadêmico que tem causado danos à saúde de pesquisadores e à saúde da própria ciência. A imposição de, independente se a pesquisa chegou a bom termo no que diz respeito ao esmero e relevância, se publicar "x" artigos por ano, como numa linha de montagem, serve de incentivo para que a quantidade se sobreponha à qualidade; que prevaleça a publicação pela publicação, independente do impacto real da pesquisa. A imposição da "produtividade acadêmica", mesmo que a pesquisa não esteja madura ou bem costurada, abre a tentação para publicar a qualquer custo, mesmo que seja o de sacrificar... a própria ciência.

Por último, além de incentivar desvios (voluntários ou não) de conduta por parte de quem faz ciência (nem que sejam erros advindos da pressa em produzir "papers"), essa situação abre brechas para o surgimento de periódicos do tipo "pague-e-publique". Periódicos cujo corpo editorial tem qualidade duvidosa e cujo rigor no processo de revisão está abaixo dos padrões aceitáveis são os preferidos para a publicação de subciência e até de pseudociência como "artigos" de negacionismo (aberto ou enrustido).

Breve conclusão

Nunca se pode esperar 100% de "certeza". Como coloquei antes, nosso conhecimento será sempre incompleto, parcial, mutante (felizmente, pois isto torna a experiência da construção científica além de mais rica, mais excitante!).
 
Mas se de um lado precisamos libertar a Ciência do paradigma de verdades absolutas, fechadas e acabadas não podemos aceitar a lógica de que "qualquer 'opinião' é válida". Há "opiniões" que estão simplesmente erradas e algumas delas podem ser perigosas, sendo inaceitável um certo relativismo que as trate com condescendência.

A "opinião" de que se pode saltar de um edifício de 20 andares sem sofrer nada ao chegar ao chão, por exemplo, não me parece nada inofensiva... Assim como a "opinião" de que é possível continuar a queimar combustíveis fósseis para além de 10% das reservas disponíveis sem que isso acarrete danos profundos e possivelmente irreversíveis no sistema climático terrestre, com impactos enormes sobre a vida no planeta, particularmente a vida humana.

Neste contexto, em que particularmente a Ciência do Clima revela uma situação de grave ameaça ao nosso destino comum, a Ética na Ciência, o combate ao "produtivismo acadêmico" e a luta contra a mercantilização e a espetacularização da Ciência são absolutamente essenciais.

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