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Alexandre Araújo Costa

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Alexandre Araújo Costa - Publicado: Quarta, 25 Fevereiro 2015 00:00

Uma das maiores panacéias que vêm sendo vendidas à sociedade brasileira é que a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia irá nos assegurar segurança energética no futuro.


Há também toda uma chantagem do tipo "ou isso ou as termelétricas", estas, que seriam apenas uma reserva energética mas que estão literalmente a todo vapor e a todo CO2, além de levarem a um aumento no valor médio da tarifa. A ostensiva campanha em torno de Belo Monte, Jirau e outros belos monstros anestesia grande parte da sociedade brasileira, que prefere ver os povos indígenas do Xingu e do Tapajós completamente extintos a trocarem seu chuveiro elétrico por um sistema de aquecimento solar de água (calma... de que água mesmo estamos falando?).

Como se o absurdo que é a inviabilização colonialista do modo de vida tradicional dos povos da região para atender à demanda urbana (como se nosso modo de vida fosse em si superior), vários argumentos embasados do ponto de vista técnico e científico já foram apresentados para que se refletisse melhor sobre a implementação desses projetos. Os lagos são demasiado grandes, há emissões de metano significativas associadas à decomposição da matéria orgânica após o processo de alagamento, a topografia menos acentuada, juntamente com a sazonalidade impedirão um rendimento razoável por parte de usinas como Belo Monte etc.

Mas o que sempre me deixava com pulgas aos montes detrás da orelha é que eu não tinha visto uma análise do impacto das mudanças climáticas na vazão afluente dos rios em que estão instalando tais usinas hidrelétricas. É inacreditável, ao sabermos que o clima está se modificando com rapidez e de forma perigosa, afetando o ciclo hidrológico, que os governantes não tenham olhado para essa questão antes de tocar adiante os referidos projetos, não é? É. Tão inacreditável quanto real.

E eis que, no desenvolvimento de um belo trabalho de mestrado de um dos alunos que oriento, sobre mudanças no risco de incêndio florestal na Amazônia, a revisão bibliográfica dele trouxe citações de um artigo muito interessante, na Environmental Research Letters. O trabalho, de autoria de pesquisadores da Universidade Rutgers, nos EUA, e da Universidade de Santiago de Compostela, mostra, usando um dos modelos globais que melhor representa o clima da Amazônia no presente e passado "recente" (da era pré-industrial até hoje), o que esperar de mudanças em diversas variáveis hidrológicas sobre a região.

Comparando o final dos séculos XXI e XX, alguns resultados concordam com os de vários outros grupos de pesquisa, inclusive com o que estamos obtendo de maneira independente, em nossas simulações com modelos climáticos regionais. Há praticamente um consenso de que as mudanças no ciclo hidrológico da Amazônia levarão a uma menor disponibilidade hídrica na porção leste da região, colocando em risco o bioma da floresta justamente ali.

Mas no artigo de Pokhrel et al. o que me chamou a atenção foi a projeção de mudança nas vazões dos rios amazônicos, particularmente... no Xingu e no Tapajós. O resultado obtido pelos pesquisadores assusta e é mostrado na Figura abaixo, que mostra as vazões em milhares de metros cúbicos.
Captura de Tela 2015 01 27 as 10.39.06 AM
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Chama a atenção, de imediato, que em praticamente todos os rios existe uma tendência à redução nas vazões, o que se dá não apenas em mudanças na precipitação, que só tendem a se reduzir no leste da Amazônia, mas muito em função da evaporação aumentada pelas altas temperaturas (a Amazônia é um dos locais em que se espera aumentos de temperatura vários graus acima da média global de acordo com quase todos os modelos climáticos globais do CMIP, programa de comparação de modelos que subsidia os relatórios do IPCC). Na verdade, somente o Purus e o Solimões tem a sua vazão máxima pouco alterada. Mas o que é mais significativo é o que acontece justamente no Xingu e no Tapajós, em que as vazões de fevereiro a maio são reduzidas a menos da metade.
 
Figura: Vazões dos rios amazônicos, segundo projeções utilizando o modelo do sistema terrestre HadGEM2-ES, com modelagem de água através do modelo hidrológico LEAFHydro-Flood. As vazões do século XX são indicadas por linhas azuis e as do século XXI por linhas vermelhas.
 
Num cenário como esse, as usinas, que já eram jocosamente chamadas de pirilampos ("acenderiam", fornecendo eletricidade no período de cheias e "apagando" no período de baixas vazões), por ironia do destino não teriam mais problema de sazonalidade: não funcionariam, senão precariamente, em nenhuma época do ano. Juntamente com todas as denúncias feitas por movimentos sociais, especialmente o Movimento Xingu Vivo Para Sempre, essa constatação multiplica de vez os tons de bizarrice das grandes barragens amazônicas.

O resumo é claro: podemos estar matando milhares de quilômetros quadrados de florestas, desalojando dezenas de comunidades indígenas, inviabilizando o modo de vida de muitos milhares de indígenas e ribeirinhos, transferindo bilhões de reais para os bolsos das empreiteiras, por literalmente nada. Um mínimo senso de responsabilidade demanda que uma revisão urgente de todos esses projetos seja realizada, considerando os cenários de mudança climática para meados e final do século XXI.
 
Publicado no blog pessoal do autor no dia 27 de janeiro de 2015.

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