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Juliano Medeiros

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Epidemia de indiferença

Juliano Medeiros - Publicado: Sábado, 23 Agosto 2014 13:02

Semana passada o médico liberiano Melvin Korkor deu uma entrevista esclarecedora sobre a epidemia de ebola que já matou mais de mil pessoas no oeste da África e fez com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretasse estado de emergência sanitária internacional. Korkor contraiu o ebola enquanto atendia pacientes contaminados em Monróvia, mas sobreviveu. Os outros cinco médicos que atendiam no mesmo hospital foram mortos pela doença. "Vi todos os meus colegas morrerem ao meu lado", relata Korkor ao jornal O Estado de São Paulo.


"Há quarenta anos todos sabem que existe o ebola. Mas sabe qual o problema? Ele só mata africanos" 
 
(Melvin Korkor, médico liberiano contaminado pelo ebola)
 
Além de um relato estarrecedor da situação da saúde pública nos países afetados pela epidemia, a entrevista de Korkor traz uma questão muito mais inquietante: por que a comunidade internacional não agiu antes para conter o ebola? A conclusão do médico liberiano é simples: não existe solução para a epidemia porque ela só mata africanos. “Se essa doença existisse nos Estados Unidos ou na Europa, amanhã haveria uma solução para ela. Há quarenta anos todos sabem que existe o ebola. Mas sabe qual o problema? Ele só mata africanos", disse Korkor.
 
A afirmação mostra-se ainda mais verdadeira se observarmos que foi só depois da confirmação de dois casos de contaminação por ebola de cidadãos dos Estados Unidos que o país tomou providências e anunciou a produção de uma vacina e um soro experimentais. As notícias dão conta de que a vacina poderia ser usada em humanos dentro de dois anos! Mas se existiam os meios para a produção uma vacina em tão pouco tempo, porque esperar que mil vidas fossem perdidas para que o país que detém essa tecnologia tomasse a iniciativa de produzi-la? A afirmação de Korkor volta a impor-se: o problema é que o ebola só mata africanos. Essas vidas são desprezíveis para a comunidade internacional, estão fora do mundo da produção e do consumo, não tem qualquer utilidade para o mercado, portanto, não valem o “investimento”.  
 
Mas além do total descaso dos países desenvolvidos com o combate ao vírus do ebola na África, revelado de forma ainda mais clara pela radical mudança de postura a partir da contaminação de cidadãos europeus e estadunidenses, a entrevista de Korkor revela outra situação desesperadora: o vírus se alastra graças à pobreza. "Não estamos esperando um remédio. O que estamos lutando hoje ainda é para que os hospitais tenham comida. Só isso já salvaria muitas vidas". Apenas comida. Segundo o médico, os hospitais mal conseguem garantir uma refeição diária aos pacientes contaminados. Evidentemente que, além de vacina e soro experimentais, não faltarão tantas refeições quantas forem necessárias para salvarem vidas de cidadãos dos países desenvolvidos.
 
A entrevista de Korkor é, portanto, ilustrativa. Um médico contaminado que se salva milagrosamente do vírus enquanto vê seus colegas de profissão morrendo um após o outro, e que percebe que o epidemia só foi possível porque  África e os africanos estão relegados à condição de total abandono pelos países que, por séculos e ainda hoje, saquearam as riquezas do continente. Assim, a África foi duplamente esquecida. Primeiro, pela miséria a que foi submetida e que permitiu a proliferação de um vírus altamente letal, especialista em matar africanos. Segundo, porque a epidemia só foi possível porque, além da pobreza, valeu-se do descaso do resto do mundo para com aquelas pessoas.
 
Pode parecer exagero, mas Korkor tem razão: o ebola também é produto de uma ordem mundial injusta, cruel, imoral e altamente fatal.


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