Resenha livro - “Trotsky – O Profeta Desarmado” (1921-1929) – Isaac Deutscher – Ed. Civilização Brasileira.
O profeta desarmado corresponde ao processo gradual de eliminação da Oposição de Esquerda dentro do partido e do movimento russos, processo não linear e que vai expressando diferentes resultantes de uma feroz luta interna dentro do partido comunista, tendo como ponto de partida o definhamento e morte de seu líder inconteste, Lênin.
O período histórico aqui envolvido vai de 1921, com o fim da Guerra Civil, até 1929, com a expulsão de Trótsky da URSS e seu exílio na Turquia. Na verdade, um ano antes, Trótsky já havia sido enviado por Stalin e seus aliados a Alma Ata, no Kazaquistão – havia sofrido a mesma sorte de muitos outros oposicionistas que eram enviados a lugares longínquos (ocasionalmente sob o pretexto de alguma tarefa a ser realizada em benefício do partido) com a finalidade de afastar a oposição (à direita e à esquerda de Stálin) dos centros de decisão e longe de seus apoiadores.
Der todo modo, três questões são importantes de serem destacadas – o problema da democracia interna do partido e na sociedade soviética; as lutas internas e as diferentes composições de força; e o monolitismo stalinista a partir de vínculo insolúvel entre partido e estado.
Quanto ao problema da democracia, sabe-se que a Revolução Russa enfrentara, imediatamente após a tomada do poder em outubro de 1917, a mais furiosa reação contra-revolucionária – aliás, mesmo antes, em Julho, a reação branca quase derrubara o governo provisório e Lênin havia sido obrigado a fugir temporariamente da capital. Com a Guerra Civil apoiada pelas classes derrotadas na Rússia e pelo imperialismo, não haveria de se supor haver alguma possibilidade de um regime político aberto e amplamente “democrático” – o risco real da contra-revolução estava bem presente no imaginário dos bolcheviques que já tinham como exemplo a derrota da comuna de paris de 1871.
Assim, inicialmente, apenas os partidos que reivindicavam a revolução de outubro seriam permitidos. Na prática, estes eram os bolcheviques e os esseristas de esquerda, e posteriormente, estes últimos também romperiam com os bolcheviques, passando abertamente à contra-revolução. Até o fim do período leninista, vigorava um sistema unipartidário, mas que muito se diferenciava em relação ao monolitismo stalinista que seria colocado em marcha gradualmente a partir de 1924, com a morte de Lênin.
O modelo leninista corresponde ao centralismo democrático – total fidelidade à revolução e às deliberações coletivas e liberdades democráticas nos fóruns de decisão partidários. Este modelo pressupunha a existência de facções internas e a luta política ainda não era esmagada pela força. Gradualmente, a democracia seria cada vez mais mitigada em benefício de uma disciplina que se baseava menos nos argumentos poderosos e mais na obediência, no servilismo burocrático e na ameaça de defecções e expulsões. De um “unipartidarismo plural” em Lênin, o partido russo caminhava para um monolitismo. E do monolitismo partidário caminharia para o poder pessoal de Stálin, sendo irônico que não só trotskystas e zinovievistas tenham sido perseguidos, mas mesmo stalinistas que divergiam em algum ponto da linha oficial.
Certamente, o autoritarismo pode chocar a percepção comum bem como alimentar alguns discursos acerca da “natureza” autoritária do socialismo. Porém, é pouco provável que a intensa industrialização e a eliminação da agricultura particular na Rússia pudessem ter sido alcançadas por métodos democráticos. E sem aquele desenvolvimento tecnológico e espiritual, a URSS não estaria preparada para enfrentar e derrotar no nazifascismo na Segunda Guerra mundial.
Como dizíamos, a centralização do poder político na URSS foi gradual e a resultante de uma luta política entre facções da velha guarda bolchevique. Esta era o repositório moral da revolução e se impunha como autoridade inconteste. Inicialmente, a co-relação de forças internas do partido russo esteve de certa maneira encoberta pela liderança inconteste de Lênin – esta liderança seria tão importante que após a sua morte, todos os dirigentes, da direita e da esquerda, diziam estar trilhando o justo caminho do Leninismo. Após o desaparecimento de Lênin em 1924, a direção do partido passa às mãos de um triunvirato composto por Zinoviev, Kamanev e Stálin. Contra o triunvirato ficam Trótsky e seus seguidores, além de outros grupos à esquerda, como os decembristas, e à direita como os Bukharinistas.
Dentre as polêmicas que surgiam então havia o problema da relação entre a Rússia e as pequenas nações – Trótsky criticava o tratamento dado por Stálin aos georgianos e já discorria sobre a questão do internacionalismo, que seria contrabalanceada pela teoria do socialismo num só país. Os choques se prosseguiriam: a revolução na China opunha mais uma vez os dirigentes russos, sendo a posição do grupo dominante russo o apoio ao kuommitang e a subordinação dos comunistas chineses à liderança nacionalista – os comunistas chineses seriam traídos e perseguidos pelos seus antigos aliados criando grandes embaraços ao Comitern e ao partido russo.
Posteriormente, o arranjo de forças políticas de modifica. O triunvirato se rompe. Kamanev e Zinoviev vão para a oposição e sinalizam apoio à Trótsky. Este, mesmo oferecendo enormes resistências a Kamanev e Zinoviev, via o perigo termidoriano pairando a revolução russa. Havia uma “direita” representada nos últimos anos da década de 1920 por Bukharin (que ironicamente fora um “comunista de esquerda” nos anos de Lênin) e o resultado termidoriano significava a restauração capitalista a partir dos Kulagas no campo e dos homens da NEP (Nova Política Econômica) na cidade. Stálin ocupava uma posição de centro, buscava evitar golpear ao a esquerda e a direita, nunca ao mesmo tempo, buscando lançar uma contra a outra. Investia na divisão dos seus adversários e ganhava tempo para paulatinamente ganhar influência e poder no partido e porteriormente, correr para a ofensiva com defecções e expulsões dos adversários.
Leon Trotsky foi expulso em 14 de novembro de 1927 do partido russo. O pretexto foi o de um apelo às massas feito por seu grupo e o de Zinoviev no dia 7 de novembro, quando o país comemorava 10 anos da revolução. Seu apelo continha as bandeiras da oposição: industrialização do país, luta contra os kulags, democracia interna no partido. Sua intervenção foi julgada como divisionista e desleal. Dois anos depois seria expulso da URSS e mais 10 anos passariam, marcados por intensa luta política de ideias a partir de sua defesa frente aos ataques stalinistas, até seu assassinato.