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Bruno Carvalho

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Contra-ataque

A Venezuela que cheira a Abril

Bruno Carvalho - Publicado: Sexta, 14 Fevereiro 2014 22:15

Sobre a Venezuela, a imprensa portuguesa, em geral, dedica-se a replicar aquilo que compram às agências estrangeiras.


Não é por acaso que a TVI anunciava, anteontem, que teriam caído sob as balas do governo três opositores. É mentira. Um deles chamava-se Juan Montoya e era activista na zona onde eu passava uma boa parte do tempo. O Juancho, como era conhecido, pertencia a um dos colectivos bolivarianos do bairro 23 de Enero. Morreu aos 51 anos numa esquina de Caracas quando tentava, ao que parece, defender um edifício público da violência que os protestos da oposição geraram.

A esta hora, escapam, como podem, três dos organizadores das manifestações. O mais destacado é Leopoldo López, líder do partido Voluntad Popular, que está formalmente acusado de instigar a violência. A oposição venezuelana empolgada com a morte de Hugo Chávez repete a fórmula que usou nas semanas posteriores às eleições que deram a vitória a Nicolás Maduro. O resultado, na altura, traduziu-se numa dúzia de assassinados, quase todos do campo chavista. O assédio dos protestos na Ucrânia pode estar a ser visto dentro da equação imperialista como uma receita para a Venezuela, um país em que as forças armadas estão comprometidas com o processo bolivariano e não é expectável um golpe militar.

Para além da destruição de diferentes edifícios públicos, entre os quais o equivalente ao que entendemos como Procuradoria-Geral da República e uma estação de televisão, resultaram três mortos, dezenas de feridos e inúmeros detidos. Neste contexto, uma parte dos órgãos de comunicação social participaram activamente recorrendo à mentira e à manipulação. Um dos exemplos mais destacados foi o recurso a imagens referentes à repressão noutros países para ilustrar o que se estava a passar nas ruas da Venezuela. Só assim se pode perceber a razão que levou o governo a tomar a decisão de suspender a emissão do canal privado NTN24.

Há muita coisa que vos poderia escrever sobre a cidade em que vivi quase meio ano e uma delas é precisamente a forma como se tolera que a imprensa privada, quase toda ela nas mãos da oligarquia opositora, seja usada como ferramenta de guerra ultrapassando os limites da legalidade. Eu estava em Caracas no dia em que foi abatido o comandante das FARC Mono Jojoy e pude observar, incrédulo, a capa do El Nacional nos quiosques: "Murió el Mono [que significa macaco], falta el Mico [que é uma espécie mais pequena de macaco]". Ora, mico era precisamente um dos nomes com que a direita apelidava Hugo Chávez gozando com o povo venezuelano que o tratava como Mi Comandante. O El Nacional apelava assim à morte do presidente da República Bolivariana da Venezuela, algo que seria intolerável em qualquer um dos respeitáveis países que se afirmam exemplarmente democráticos.

Mas há de tudo na campanha mediática que tem a revolução bolivariana como alvo. Quando era Hugo Chávez presidente, a Venezuela era uma ditadura porque a reeleição é ilimitada para todos os cargos. Infelizmente, já não há Chávez mas, também para nossa infelicidade, continuará a haver Angela Merkel, se tudo correr mal, até 2017. Ou seja, quando acabar o seu terceiro mandato como chanceler, Angela Merkel terá estado 12 anos à frente da Alemanha. Mas nada que convença os media de que a Venezuela é uma democracia. É que Nicolás Maduro só ficou à frente do seu adversário por pouco mais de um ponto percentual. A esmagadora maioria dos observadores internacionais deu a vitória como justa mas para a imprensa internacional teria sido bem mais justa se o vencedor tivesse sido Capriles Radonsky.

Importa falar da Venezuela para que o mundo fique a saber que não há espaço para quem mija fora do sítio. Mas, sobretudo, importa falar mal. Dois anos depois de ter vivido em Caracas, regressei à Venezuela. Não perdi a oportunidade de visitar o português que era proprietário da lavandaria onde, por vezes, deixava a roupa e discutia futebol. O homem parecia transtornado. A Venezuela era um pesadelo e não aguentava mais o inferno político e económico em que estava mergulhado. As lágrimas de crocodilo não me conseguiram conquistar o coração. É que dois anos depois, este emigrante português não só tinha alugado a loja do lado para multiplicar o espaço da lavandaria como tinha comprado um quiosque ali ao lado para vender outro género de produtos.

Embriagada pela desinformação, muita gente esquece que a revolução bolivariana deu poder de compra a sectores da sociedade que estavam amplamente marginalizados. As únicas lágrimas que me conquistaram o coração foram as da mulher que vivia numa favela chamada Antímano e que só viu um médico pela primeira vez depois da vitória de Hugo Chávez, em 1998. Os acessos à saúde, à educação, à habitação, ao transporte, à cultura, ao desporto e à informação plural foram direito que o povo venezuelano arrebatou através da luta.

É certo que o menino que vendia os biscoitos da avó em Sabaneta chegou ao poder através das eleições. Mas também é certo que o povo se levantou contra o FMI, em 1989, cujo governo respondeu com a morte de milhares de pessoas. Três anos depois, Hugo Chávez levantou-se em armas com os seus camaradas de quartel como produto dessa dinâmica popular e militar com que os portugueses deveriam sentir alguma familiaridade. Foi o próprio comandante que reconheceu a proximidade ao General Vasco Gonçalves. Já os venezuelanos deviam estudar a contra-revolução em Portugal. A oposição que tenta agora aparentar-se bolivariana não dista muito dos que se diziam socialistas no nosso país há 40 anos. Sabemos como acabou esse episódio da nossa história. É que a Venezuela também cheira a Abril e não queremos que lhe chegue Novembro.


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