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Raquel Varela

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Ciência e Ideologia

Miguel Sousa Tavares, a história não se escreve assim

Raquel Varela - Publicado: Quinta, 30 Janeiro 2014 02:30

Em directo, sem contraditório, num monólogo Miguel Sousa Tavares disse que os estivadores estão em greve para impedir a contratação de novos trabalhadores num país com 600 mil desempregados, país que só tem, diz o comentador, como centro de actividade positivo as exportações, e que esta greve atinge, por isso, o centro da economia.


Miguel Sousa Tavares esqueceu-se de lembrar aos espectadores que não estava a ler uma página de um romance seu. Quase tudo o que disse não tem qualquer semelhança com a realidade.

Em Portugal não há 600 000 desempregados. Há, números oficiais, 824 mil e, na realidade, há 1 milhão e 400 mil, mais do dobro do que foi afirmado por MST. Isto porque o INE não conta os inactivos disponíveis e o trabalho voluntário. Os estivadores não estão em greve contra as contratações de novos trabalhadores, estão em greve pela contratação de novos trabalhadores. Estão em greves sucessivas há mais de um ano e a primeira exigência destes é a readmissão dos 49 trabalhadores demitidos, que recebem aliás um subsídio solidário por parte do sindicato. Estão em greve apesar do assédio moral, das ameaças veladas, dos constantes processos disciplinares, da perseguição jurídica de que são alvo por parte dos patrões que têm feito, numa clara tentativa de descapitalizar o sindicato, sucessivos processos jurídicos aos estivadores, tentando assim levar o sindicato à falência.

A Mota Engil não quer fazer o abastecimento de Lisboa e ilhas mais barato, quer partir a espinha ao sindicato que tem 100% de sindicalização e uma das mais altas quotizações por trabalhador. E um sindicato que, ao contrário de tantos outros, como os maioritários da banca por exemplo, não aceitou a chantagem do cortamos «uma perna e sobra-vos a outra, ou seja, vocês ficam com direitos e os mais novos que entram entrarão precários». Porque estes sabem, ou parecem ter percebido, que se a porta da precariedade se abrir ela entra para todo o porto e também para os que já estão reformados.

Portugal não tem, ao contrário do que afirmou Sousa Tavares, como única saída as exportações baratas. O modelo das exportações baratas, que é o deste Governo e destas empresas, é o modelo dos baixos salários, em que tudo se exporta e nada é cá consumido. É o modelo que simbolicamente pode ser visto no porto de Lisboa. Despedir os mais novos, precários, sem direitos. Entretanto sobrecarregam-se com horas extraordinárias os que ficam ainda com direitos. Os desempregados ficam desesperados no desemprego e aceitam regressar com mais baixos salários. Cria-se assim uma pressão sobre os que ainda têm direitos para aceitarem reformas antecipadas e cortes salariais. Saem a pouco e pouco do mercado de trabalho, com 45, 50, 55 anos, onde dificilmente regressarão. Este processo, também conhecido pelo eufemismo de desemprego estrutural, classifiquei-o de «eugenização da força de trabalho», isto é, eliminação de sectores inteiros da população do mercado de trabalho. Aproveita-se que estão fora do mercado de trabalho – já não podem fazer greves, isto é, paralisar a produção – e por isso corta-se-lhes as pensões e reformas, que, obviamente, não são sustentáveis com a permanência de tanto trabalho precário.

O milagre da descida do custo unitário do trabalho é este: com tanta miséria tudo o que se exporta é mais barato, tão barato que cá ninguém tem dinheiro para comprar o que fabrica. Sousa Tavares não inventou uma nova história ao defender este modelo – é o modelo aplicado no capitalismo chinês: gente miserável e altas exportações.

Do que conheço de história das greves e dos movimentos sociais – e até nos romances isto não é ocultado – uma greve ganha-se no trabalho. Pode a sociedade inteira estar contra esta greve que se os trabalhadores conseguirem isolar os fura greves, ela está ganha à partida porque, e essa é a única verdade que foi dita por Sousa Tavares, é óbvio que neste momento os estivadores ainda têm um imenso poder nas mãos. Se o perderem não são só eles que perdem, somos todos nós. Que ficamos com mais trabalhadores precários, menos segurança social, mais miséria e mais uns comentadores superficiais a olharem decididos para a câmara e explicarem-nos, como se tivéssemos 5 anos, como é «bom viver num país assim».

 


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