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Alberto Pombo

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Crónica de viagem: Istambul às portas da revoluçom

Alberto Pombo - Publicado: Segunda, 15 Julho 2013 02:46

Por Alberto Pombo

As palavras que a seguir venhem nom tencionam ser umha análise sobre as origens dos protestos na Turquia nem um estudo sobre os avanços do processo revolucionário que ocupa as ruas de Istambul. Esta é apenas umha crónica baseada numha experiência pessoal vivida recentemente e que será escrita como a lembro, emocionalmente e sem revisons. 


Nos primeiros dias de julho os meus pés pisavam terra turca por vez primeira e, logo cheguei, dirigim-me à já internacionalmente conhecida Praça Taksim, origem dos protestos mais violentos acontecidos recentemente na cidade, deixando as maravilhas artísticas e arquitectónicas para mais adiante.

A praça Taksim

Previsivelmente, desfeita. A imagem é desoladora. Lá dentro estám as máquinas a trabalhar para terminar com aquele espaço que tem sido marco histórico de protestos populacionais. Grandíssimas filas de carrinhas à volta da enorme praça nutrem o espaço de guardas que bloqueiam e impedem o acesso. Demos umha volta inteira sem encontrarmos um único espaço livre de polícia armada, tanques de água, blindados, etc.

Para um observador estrangeiro e sem contactos no país como eu, a imagem era a da vitória policial, a da violência repressiva sobre as legítimas vontades do povo.

Beyoğlu

A referida praça de Taksim está conectada com umha das principais artérias comerciais da cidade, a rua İstiklâl do bairro de Beyoğlu, e que, após dous quilómetros de lojas, apresenta a majestosa torre de Gálata. Inseridos como ovelhas numa massa ingente de turistas caminhamos polas ruas tentando encontrar outros espaços de carácter mais popular quando a labiríntica ordem das ruas se organiza para levar-nos, de umha forma surpreendente e quase dirigida, até a estaçom da polícia de Beyoğlu, conhecida internacionalmente hoje polas denúncias de diferentes organismos sobre torturas e que agora treme perante a resistência organizada da populaçom.

Poucos instantes depois somos despejados polo povo, que manda fora os turistas para organizar as barricadas. A polícia ataca e vemo-nos obrigados a dar volta até chegarmos à torre de Gálata, onde aos poucos os turistas som substituídos por camadas populacionais de todas as idades equipadas com capacetes, luvas e máscaras.

İstiklâl

Os protestos continuam, já passou mais de umha hora e nesta altura a polícia, armada com espingardas e tanques de água avança em direçom a Gálata. As lojas vam fechando, os turistas vam saindo e a polícia ataca em todas direçons, também para os bares nos que tentam esconder-se os turistas. Só depois saberíamos que a polícia, como fazem as máfias, cobra um imposto clandestino a cámbio de proteçom e quem nom paga é atacado.

Ataque e resistência

Ataque policial e resistência popular. Esse é o esquema que durante horas se repete. Em determinado momento, as idas e vindas deixam-nos na primeira linha da açom. Resolvemos ficar e os tanques de água aparecem novamente. Somos advertidos de que a cor castanha da água tem a ver com produtos químicos que provocam diarreia e queimaduras na pele.

Ouvimos disparos, a rua fica despejada e nós, desorientados, vemo-nos obrigados a entrar num estabelecimento para nos refugiarmos da brutalidade policial. Dentro encontramos turistas e manifestantes. Fora, o povo solidário vai carregando com as pessoas feridas no enfrentamento com a polícia armada.

Entre turistas e manifestantes

Temos a sensaçom de estarmos vendo e vivendo os alicerces de um processo revolucionário. Um passe de imprensa do Diário Liberdade faz com que a gente venha a nos contar as tropelias acometidas pola polícia. As experiências e as emoçons transmitidas gelam-nos o sangue. Subimos para o primeiro andar do espaço para tentar filmar e tirar fotografias desde um ángulo superior.

Minutos depois a polícia apercebe-se da cámara e dispara fogo real contra um dos toldos do local (fotografia 6). Dentro nom há pánico, como seria esperado. Na rua avançam os referidos tanques e a polícia que ataca novamente aos que ficamos naquela ratoeira.

Quebram os vidros e a menos de um metro dos meus pés cai umha bomba de gás pimenta. Alguém com luvas manda fora a bomba mas já é tarde, umha nuvem grisalha cobre o interior do local provocando nos que lá dentro estávamos umha dor terrorífica. Os olhos ardem e a garganta fecha-se impedindo respirar, mas lá dentro a gente aguenta. Ninguém berra, ninguém chora. Os manifestantes costumam carregar consigo umha soluçom preparada com leite e produtos farmacêuticos que acalma a dor que provoca o gás. Quando alguém manda umha bomba, a multidom começa a berrar süt (leite) para deitar por cima dos olhos de quem precisar.

Fora do bar aparecem as massas populares fazendo recuar a polícia e os que estamos dentro conseguimos sair. Com o avanço popular chega também a sensaçom da vitória e na rua, outra vez ocupada, ouvem-se cânticos e aplausos. 

 

130700 Istambul

 

A ponte de Gálata

Com certa euforia, mas já plenamente conscientes do perigo, trocamos algumha palavra com os que ainda ficam lá. Umha nova atuaçom policial divide o grupo fazendo-o entrar novamente naquele emaranhado de ruas. Movemo-nos perdidos e desorganizadamente enquanto os fardados continuam lançando as bombas. Em cada rua aparece um grupo oferecendo leite para os que nom temos máscaras de gás. Desde as açoteias dos edifícios os vizinhos lançam garrafas de vidro contra as forças repressivas cada vez que aparecem. Nós nom temos capacete e a gente encoraja-nos para sair de lá.

Umhas jovens falam connosco em turco enquanto um outro jovem, de origem curda, vai traduzindo para o inglês. Perguntam para onde vamos, oferecendo-se a nos sacarem de lá já que a saída natural da ponte de Gálata tem sido fechada provocando umha armadilha policial. Anunciamos que resolvemos ficar.

Refugiados numha casa

O amigo curdo, trabalhador freelance para Aljazeera informa-nos da necessidade de escondermos o passe de imprensa e informa-nos da situaçom da sua casa:

‘Esta é a minha casa, a porta fica entornada. Se houver problemas entrem’.

Segundos depois outra bomba de gás cai aos nosso pés e na casa dele entramos 4 pessoas procurando auxílio. Muito gentilmente recebidos oferecem-nos passar lá a noite. Desta feita, tapamos o luminoso da cámara fotográfica e desde a janela tiramos algumha nova fotografia. Jovens vestidos com camisolas de futebol brigam entre eles por resolver quem vai dar o próximo pontapé que mande para os policiais a seguinte bomba recebida. Noutro canto, vemos homens e mulheres com luvas que carregam com enormes garrafas de água. Perguntamos e explicam-nos que quando umha bomba cai, se for metida em água, perde o efeito.

Helicópteros e chuva química

Desde o interior da casa ouvimos disparos e o nosso amigo informa que após os protestos na rua passarám os helicópteros para soltar sobre a cidade umha chuva química que queima a pele e que, em várias ocasions, tem apanhado à populaçom por surpresa, confiada perante aquela chuvinha. Infelizmente Istambul tem umha significativa percentaçem de crianças que trabalham na rua e que som também apanhados nesta tortura.

Arredor de um copo de chai, o nosso companheiro vai contando as torturas policiais das que tem conhecimento direto. As cousas fora vam acalmando e, umha hora depois, a gente ocupa de forma massiva as ruas. Somos, agora sim, acompanhados até a ponte, agora vazia. No caminho, as crianças que estám na rua cantam em turco ‘tenho umha bomba de gás nas minhas maos’ com a melodia de Replay, de Sean Kingston.

Os bares abrem, as ruas som ocupadas, a gente canta.

Os outros feridos

Nas ruas de Istambul vagam de forma mais ou menos controlada umha importante quantidade de cans castrados que sofrem, também, os efeitos dos produtos químicos lançados na cidade polas forças de repressom. Quando a polícia recua, a gente ocupa-se dos animais que, assustados, apresentam feridas na pele, irritaçom arredor dos olhos e bocas abertas pola dificuldade para respirar.

Desde o interior

Com o contacto do amigo curdo chegamos no dia a seguir ao de outros como o de um companheiro dos Estados Unidos que trabalha também para Aljazeera e que atualmente está a realizar um documentário sobre o trabalho infantil. Morou na Catalunha e contactou com movimentos independentistas de esquerda. Dirigindo a conversa com outras pessoas que lá estám vai falando turco, inglês, catalám, portugués e espanhol.

Após trabalhar em diversos países imersos em guerra civil afirma que é a primeira vez que teme pola vida. A sensaçom dele é que os protestos nom tenhem cobertura suficiente fora da Turquia e aponta diferentes razons. Fala-nos de alta política, das celas, do conhecido perigo das cárceres turcas, da corrupçom, da resistência curda e do perigo que corremos os estrangeiros ao falarmos desta questom na Turquia, dos perigos de portarmos passe de imprensa durante os protestos e da necessidade de sermos confundidos com turistas, etc.

Experiência revolucionária

Bem distinguidas as partes da cidade, sendo a velha e a asiática zonas bem turísticas e tranquilas, encontramos na zona nova umha experiência enriquecedora e de carácter revolucionário. Da nossa parte deixamos lá amigos que esperamos reencontrar e que nos tenhem oferecido o melhor exemplo da solidariedade rebelde. O povo turco está a ocupar as ruas de forma organizada e só o tempo virá a confirmar o que os marxistas já sabemos, que a organizaçom popular é a primeira chamada à vitória de classe.

[À Jasmina, Garip, Adam e Olcayto]


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