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Luka Franca

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A segunda luta

A desmilitarização da polícia não pode ser racista, machista e cissexista

Luka Franca - Publicado: Sexta, 05 Julho 2013 12:11

Estamos em tempos diferentes no Brasil. Nos botecos dá para ouvir as pessoas debatendo sobre a política, desde a mais cotidiana até a sintonia fina do que se deve fazer neste momento no país.


 O nojinho da política que víamos nos olhos das pessoas quando descobriam que éramos militantes de alguma causa ou partido tem se desmilinguido. Saber de política, acompanhar os debates do país e do mundo não te faz mais ser um estranho no ninho.

Entre tantos debates que tem surgido nessa ebulição política e social vem vindo à tona, aos poucos, o questionamento sobre a truculência policial. Não que o tema nunca estivesse na pauta, ou que os movimentos sociais não estivessem em diversas frentes organizando o questionamento sobre a militarização da segurança pública no Brasil e como esta política interfere mais profundamente na vida dos setores mais marginalizados da sociedade. Sim, a polícia é violenta. Sim, a polícia mata. Sim, a polícia é machista e racista.

O treinamento da PM é absolutamente violento. Ele é feito para ser violento. O sujeito passa em um concurso e é submetido a rituais próprios do militarismo que retiram a sua individualidade, muitas vezes por meio de humilhação. O que acontece, ele aprende desde cedo que tem um valor a ser respeitado, a hierarquia, a obediência. Quando a sociedade opta por uma polícia militar, o que essa sociedade quer é uma polícia que cumpra ordens sem refletir. É claro que quando se dá um treinamento onde o próprio policial é violentado, como vou exigir que esse indivíduo não violente os direitos de um suspeito? (VIANNA, Túlio. Aula pública sobre desmilitarização da polícia no MASP)

Diante da eclosão dos debates não resisti a dar o meu pitaco. Não é de hoje que a polícia é violenta, também não é de hoje que vemos uma política de segurança pública que vai violar os direitos daqueles mais marginalizados na sociedade e, sim, as ditas minorias sociais tem raça e tem gênero. O modelo de polícia que temos hoje no Brasil instaurado para conter as revoltas contra os processos de higienismo social que passamos durante o início da república e, antes, para aniquilar as resistências quilombolas acabou por na época da Ditadura Militar se consolidar e assim tem permanecido.

É pelo fato desta política de segurança pública, que tem como seu maior expoente a polícia militar, ser forma ativa de coibir a presença e a manifestação dos indesejáveis que é necessário apontar e tirar da invisibilidade quem são os marginais, quem são os suspeitos, que são aqueles naturalmente culpabilizados pela violência que sofrem: É a juventude negra, são as mulheres cis e as TTs*.

Já faz um tempo que o movimento negro vem colocando na pauta a discussão sobre o genocídio da juventude negra, criminalização da pobreza e a política de encarceramento em massa promovida em nosso país. Debate duro, difícil, mas que é preciso ser encarado, pois é a realidade de milhares de pessoas no Brasil, incluindo mulheres, sejam as mães daqueles que foram assassinados ou as jovens negras que sofrem com abortos ilegais e inseguros. (FRANCA,Luka. Os jovens negros morrem e as mulheres negras também morrem)

Não dá para debater a organização e violência policial, sem localizar os setores que mais sofrem com esta forma da organização da segurança pública, acaba por refletir e aprofundar diversas ideologias de uma vez só. Não há como esquecer a total falta de acolhimento por parte desta instituição em casos de violência sexista. A culpabilização das vítimas, sejam as mulheres cis ou TTs é algo recorrente, somos nós que provocamos os nossos agressores e depois servimos de alvo para humilhação entre os policiais.

Sim, não apenas a organização da instituição polícia militar, mas toda uma concepção de segurança pública se construiu como uma forma para reprimir os indesejáveis. Reprimir aqueles que saem dos padrões homem cis, hétero e branco. A pauta da desmilitarização, portanto é a nossa pauta, pois somos nós que causamos desconfortos, somos nós que somos vítimas da polícia, mas também de uma série de leis que visam criminalizar os movimentos sociais e a classe trabalhadora. E quando vamos observar mais atentamente quem é a classe trabalhadora veremos qual a raça dela, qual sua orientação sexual e qual o seu gênero.

A juventude negra está por demais enredada nos processos de gentrificação que ocorrem nas favelas e vilas próximas aos grandes centros urbanos e/ou locais desejados pela especulação imobiliária, que remove suas casas por valores irrisórios e os expulsa para locais pelo menos 50 Km distantes da moradia original. (SILVA, Cidinha da. A minha alma está armada e apontada para a cara do sossego, pois paz sem voz, não é paz, é medo)

A juventude negra, nossos filhos, tem medo de sair na rua e levar pipoco. Nós mães, irmãs e amigas somos humilhadas quando procuramos nossos entes queridos nas delegacias, rezando para que não tenham sido desaparecidos de forma misteriosa. O que acontece hoje na quebrada, é o mesmo que acontecia com os militantes de esquerda durante o regime civil militar. Sim, compreender a dimensão de classe trabalhadora intrinsecamente ligada as dimensões de raça e gênero e fundamental para compreendermos o quão repressor continua sendo nossos planos de segurança pública baseados na tolerância zero internacional.

São as TTs que tem sua identidade de gênero negada quando são abordadas pela polícia. São elas que, muitas vezes, recebem a negação por parte das oficiais femininas para ter o acompanhamento que por lei deveriam ter. Sim, o problema do militarismo e da segurança pública é também uma forma de perpetuar o cissexismo existente em nossa sociedade e violentar ainda mais pessoas que já são completamente invisíveis para o tecido social em geral.

Reforçar a necessidade de uma leitura sobre segurança pública e desmilitarização que delimite o genocídio da juventude negra, da profunda violência transfóbica e machista que o modelo implementado no Brasil tem nos dado como legal é fudamental. Não levar estas questões em conta é de uma visão rasteira e parcial. Pois somos nós os indesejáveis que querem limpar dos centros das cidades, dos arredores da Copa do Mundo, da própria periferia. É preciso que nós, os indesejáveis, coloquemos a mão no peito, olhemos nos rostos dos companheiros homens, cis, héteros e brancos e digamos: Não, o protagonismo, o debate, a necessidade latente de que isso mude profundamente é nossa. É necessidade das TTs, das mulheres cis e negras, da juventude negra, somos nós que no final das contas seremos violentados e mortos primeiro e não vocês.

Como eu sempre digo: Nós, os indesejáveis, não somos a cereja do bolo, somos a farinha, se a nossa existência não existe eles.

*TTs: Travestis e Transsexuais


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