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Raphael Tsavkko Garcia

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Defenderei a casa de meu pai

O jornalismo de classe e a escolha da notícia

Raphael Tsavkko Garcia - Publicado: Terça, 21 Mai 2013 02:10

Será que o jornalismo tem lado? Será que o jornalismo discrimina? Ou é reflexo apenas de nossa condição social? Talvez todas as perguntas mereçam a mesma resposta. E vale acrescentar: O jornalismo é reflexo dos patrões, dos padrões e da sociedade.


É claro que Folha de São Paulo, Estadão, O Globo, Zero Hora e demais veículos são conservadores por natureza. Encontramos um ou outro colunista progressista, independente, um ou outro jornalista diferenciado, com liberdade para dar recado, para questionar e sair do padrão social e patronal. Mas são poucos. A média, porém, é ler notícias carregadas de preconceito social, reproduzindo estereótipos sociais, criminalizando a periferia e por vezes criando mesmo dentre o que seria a elite uma imagem estereotipada e irreal.

A Folha de S. Paulo trouxe nesta quinta-feira, (16) uma notícia que trata do assalto seguido de morte de um rapaz pobre, Ediomario, balconista de padaria no bairro de Pinheiros, de classe média-alta. A mesma notícia fala do assalto a um estudante da PUCSP na saída da faculdade.

Bruno foi baleado no assalto. Não reagiu, mas ainda assim foi vítima da violência assustadora que assola São Paulo e que não será resolvida apenas com policiamento. Aliás, não será resolvida de forma alguma se apenas ampliarmos a violência contra quem taxamos de “marginais”, sem buscar entender e resolver a gênese desta verdadeira crise social.

Ediomario, por sua vez, foi baleado na saída do trabalho, mas não sabemos muito mais do que isso. Reagiu? Não sabemos. Alguma câmera gravou a cena? Não sabemos. Nem tampouco parece importar ao “jornalismo”. A notícia tinha tudo que o jornalismo brasileiro gosta: Personagens, história, sensacionalismo, morte…

Mas vejam como muda a narrativa quando tratamos de personagens de classes diferentes, mesmo que sejam notícias sobre casos semelhantes. Em tese um aluno da PUCSP tem dinheiro, é de classe favorecida, já um balconista é um coitado que vem da periferia, é pobre.

Sem reagir a um assalto, o estudante da PUC Bruno Pedroso Ribeiro, 23, entregou seu celular, mas foi baleado com um tiro no pescoço anteontem à noite próximo da faculdade, em Perdizes.

Em Pinheiros, o balconista Ediomario dos Reis Silva, 22, foi assassinado com dois tiros, nas costas e na cabeça, por dois homens que levaram sua mochila e seu celular.

Em primeiro lugar é óbvio que o espaço pra notícia do “mais rico” é maior, mas antes este fosse o único problema.

A Polícia Militar chegou ao local após o universitário ser baleado, mas houve espera de mais de 20 minutos até ele ser socorrido pelo Samu (serviço médico de urgência).

Reparem que a parte da notícia sobre o puquiano está correta, reclama-se da demora no atendimento (Samu levou mais de 20 minutos para aparecer), detalhes são dados…. Mas no caso do rapaz pobre…:

A mãe de Ediomario, Pulqueria Xavier Reis, descarta a possibilidade de vingança.

Claro, ele era pobre, devia morar na periferia, então devia ter relação com bandido, devia ter feito alguma merda para “merecer” acabar morto. Ele devia ser até um drogado, né?

“O primeiro policial que chegou ao local me disse que, como ele estava ouvindo música [pelo celular], é provável que não tenha ouvido a ordem de roubo”, disse Marcos Antônio de Lorenzo, gerente no trabalho da vítima.

Ana Krepp, a responsável pela matéria precisou entrevistar a mãe e o patrão de Ediomario para se certificar que o rapaz era um “menino direito” e não um bandido morto por vingança?

Se o rapaz na PUC, Bruno, foi alvejado sem motivo aparente, sem reagir, por que não pensaram que poderia ser vingança também? Porque ele é – em tese – rico? E só pobre se mete em confusão e é morto por vingança?

Penso ser grotesca a forma diferente com que os casos muito semelhantes são tratados apenas pelo que me parece ser preconceito claro, escancarado. Quem é da periferia deve ser culpado de início, mas vamos investigar para ver se talvez este seja uma exceção, certo?

Funcionário de uma padaria, Ediomario foi assassinado após encerrar, às 23h40, o expediente. Caminhava em direção ao largo da Batata ao ser abordado por dois homens em uma moto. Eles levaram a mochila e o telefone Samsung Galaxy da vítima, atingida por dois disparos.

Reparem que no caso do balconista Ediomario não há nem a preocupação em se dar a notícia correta. No começo falam em dois tiros nas costas e um na cabeça, no fim que foram só dois disparos. E nada sobre Samu, sobre polícia, sobre quanto tempo demorou o atendimento, se teve atendimento…

Aliás, Ediomario só foi notícia pois morreu em Pinheiros, fosse na periferia era nota de rodapé, com “sorte”. Este é o retrato de uma sociedade desigual, preconceituosa e incapaz de enxergar humanidade naquele de classe diferente. Ediomario saiu de uma “padaria” para a morte, Bruno saiu da prestigiosa PUCSP, escrita por extenso na notícia, denotando o orgulho da classe média.

Alunos da PUC protestaram por mais segurança, justo, há uma campanha de doação de sangue para Bruno, também justo, mas quem protestará pelos mortos da periferia e por Ediomario?


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