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Marcos Lopes

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Livros e mais

Scórpio

Marcos Lopes - Publicado: Quinta, 17 Junho 2010 01:46

Marcos Lopes

Logo de mais de 40 obras literárias entre poesia, teatro, narrativa e ensaio, publicou em 1986 o seu derradeiro romance o professor Carvalho Calero.


Fruto das suas vivências antes e durante a guerra civil, Scórpio ficou como um ponto e final dumha obra que começara, em galego, mais de meio século antes com o seu poemário Vieiros (1931).

Scórpio é Rafael Martínez, um estudante de direito na Universidade compostelana. O livro foi concebido como a sua história, narrada em primeira pessoa polas suas achegadas e achegados. Este detalhe fai que durante todo o texto a figura de Martínez se veja rodeada de mistério, devido a essa impossibilidade de o conhecer mais que polos factos narrados por outras pessoas. Neste Scórpio, e em muitos dos seus companheiros, reconhecem-se passagens da vida do próprio Carvalho, o que lhe concede ao livro certo cariz autobiográfico. Assim, nas trincheiras nas que o exército republicano resistia os fascistas em Madrid, Scórpio sofre feridas nos olhos consequência de troços de cimento despedidos polo impacto próximo dum disparo. Som as mesmas que sofreu Carvalho e que lhe reportárom o seu característico olhar entrefechado.

Carvalho é Scórpio quando estuda direito em Compostela e escreve poemas em galego, quando estuda Filosofia e Letras, ou quando se apresenta a oposiçons de funcionário em Madrid e se vê surpreendido pola guerra, mas também é o seu companheiro Jorge Bermúdez, quando este milita na FUE e no Partido galeguista, ou o discreto Salgueiro, quem planeia escrever um livro sobre a vida de Scórpio.

Destaca no romance o domínio da linguagem, mui elaborada. Talvez tanto que dilui em ocasions a definiçom das personagens. Essa linguagem requintada e os valores próprios da burguesia das cidades no discurso dos protagonistas, dam-lhe à narraçom um ar de antiguidade surpreendente, mais acusado nos evidentes clichés patriarcais que marcam as relaçons amorosas, e que em ocasions mesmo resultam ofensivos. A guerra situa a burguesia entre os dous polos enfrentados, umha contradiçom que marca a segunda parte do romance. A visom múltipla desta época oferecida polas distintas personagens tem um importante valor histórico, porquanto constitui umha crónica da década de 30.

Em 1987 foi-lhe concedido a Scórpio o prémio da crítica ao melhor romance em 1987, da associaçom de críticos literários. Mas suspeito que este galardom lhe foi outorgado também como reconhecimento a umha vida de serviço à Galiza e ao galego do seu autor. Na FUE, no Partido galeguista, no Seminário de Estudos Galegos, no exército republicano, no cárcere, baixo vigiláncia durante o franquismo... O compromisso de Carvalho com a Galiza é indiscutível. Mas, enquanto com o orvalho democrático chegavam as homenagens a galeguistas de toda caste, ao ferrolano fôrom-lhe negadas pola sua última luita: a defesa do reintegracionismo. A reivindicaçom da figura de Carvalho foi esquecida por esse pequeno e incómodo detalhe.

Tenho umha aluna à que, logo de tirar um 4,5 em Língua Galega de quarto da ESO, a professora lhe concedeu a possibilidade de fazer um trabalho para subir a qualificaçom. Tratava-se de respostar à pergunta: por que razom a RAG tem reticências a lhe conceder o dia das letras a Carvalho Calero? Para começar, a pergunta deveria ser Quem foi Carvalho Calero?

Logo de comprovar que o reintegracionismo já chegou ao Liceu de Traço, e surpreendido pola oportunidade, expliquei quem era "esse senhor", o porquê da sua escolha ortográfica, a sua legitimidade histórica e a suas vantagens na promoçom da língua. Mas logo dum tempo, refletim sobre o que lhe teria dito sobre o tema um isolacionista e acho que nom variaria muito (se for um isolacionista honesto), exceto numha cousa: o isolacionista falaria em passado e eu figem-no em presente. Para eles isto é um "debate superado".

Mas Carvalho está aí, e para o isolacionismo é um problema. Está aí porque a sua obra é melhor do que muitas que já recebêrom o dia das letras, e porque a sua importáncia e compromisso com a cultura galega ao longo do século XX é inegável. O trabalho do movimento reintegracionista meteu-no de novo na agenda da RAG e nom há entrevista ao seu presidente na que nom caia umha pergunta sobre o tema. Pessoalmente acho que é inevitável que se lhe dê este prémio; ponhamo-nos na hipótese de que é o ano que vem.

O isolacionismo nom tem problema em assumir o Carvalho. A começar por escrever mal o seu nome, podem escrever umha biografia completa do professor que nom entre em conflito com os princípios da normativa RAG. Afinal, para serem honestos, poderiam incluir um pequeno apontamento sobre a oçom ortográfica, redigida asseticamente, como um pequeno exotismo do professor. Loucuras dos últimos anos.

Mas o reintegracionismo tem que falar em presente. O dia das letras para Carvalho só nos serve se trazemos para o século XXI o debate. Se inçamos o país de palavras de ordem em reintegrado, se ligamos esta reinvindicaçom a umha questom de dignidade nacional e de projeçom universal da nossa cultura.

Umha questom de dignidade nacional, porque é indigno (e suicida) rejeitar a normativa histórica da tua língua para adoptar a do idioma com o que estás a competir. Porque se "gente" vem do latim "gens", a única razom para escrever "xente" é a incapacidade para superar a educaçom espanhola: "la g con la e hace ghe", para crer na verdadeira independência da língua.

Umha questom de projeçom universal, porque como explicava Carvalho no debate com o Constantino Garcia em 1986 na TVG (http://www.carvalhocalero2010.net/): "O castelhano, polas suas repercussons peninsulares e extra-peninsulares, é umha língua com muitas possibilidades, é o romance mais estendido polo mundo. A continuaçom está o galego, se nom o xebramos da sua derivaçom portuguesa. Neste sentido parece-me que o porvir do galego está em nom desvincular-se das outras formas do antigo galego-português que se manifestam como línguas de uso extracontinental e que podem reforçar o galego depauperado em quatro séculos de colonizaçom linguística castelhana e permitir-lhe fazer competência dentro da própria Galiza ao castelhano".

Isto é o que Carvalho nos pode dar para o século XXI, o que é inassumível para as instituiçons e o autonomismo. Um ano das letras para Carvalho com um reintegracionismo forte pode ser um pesadelo para a RAG. E quanto mais tardem mais fortes seremos. Eis a contradiçom da Academia. Eis a nossa oportunidade. Convém estar preparadas.


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