Por isso hoje sobram as razons para deixarmos um momento o presente e virar nossa atençom num futuro marcado polo soçobro. Um bom guia para tal é oferecido polas declaraçons que alguns presidentes autonómicos, de díspar adscriçom partidária, tenhem realizado nos últimos tempos. Acho que nom as distorço quando as resumo assim: nom me importo com que se cancelem todos os restantes investimentos, desde que nom mexam nas destinadas à alta velocidade ferroviária.
Semelhante opçom tem a sua miolo, num momento em que, por colocar a questom nas suas duas grandes dimensons, a situaçom social experimentou umha visível deterioraçom e os direitos das geraçons vindouras "via agressons ambientais e esgotamento de recursos" acham-se em perigo. Nada retrata melhor a insensatez do nossos governantes, gregos e troianos, que essa lamentável fugida para adiante que convida a concluir que resolveremos muitos de nossos problemas se chegarmos de Santander a Madrid em duas horas e meia.
Assim sendo, devemos é examinar que é o que, em ámbitos vários, acarreta a alta velocidade ferroviária, umha cabal metáfora das misérias que temos em maos. Bom será começarmos com a lembrança do destroço ambiental que provoca a construçom das linhas correspondentes, nunca levado em consideraçom, por verdadeiro, nos cálculos de custo e lucro que se nos oferecem por todos os lados. Num terreno próximo, nom é de mais agregar que a irrupçom das novas linhas de alta velocidade nom se tem saldado no retrocesso augurado nos transportes aéreo e por estrada, capazes de oferecer com freqüência tarifas mais baratas. Ainda que a alta velocidade ferroviária reclame um consumo de energia menor que o que exige o aviom, impom-se recordar que um comboio que se move a 300 km por hora consome mais nove vezes energia que outro que o faz a 100. Nom nos encontramos, pois, perante nengumha bicoca energética -até porque nom é a que nos ocupa a melhor fórmula para lidar com o transporte de mercadorias- e sim diante de um meio de transporte visivelmente dilapidador de recursos cada vez mais escassos.
Hora é esta de sublinharmos, em paralelo, algo fácil de comprovar: entre nós, a construçom de novas linhas de alta velocidade tem-se solapado no tempo com o fechamento de muitas das linhas do caminho de ferro convencional. Semelhante fechamento justificou-se sobre a base do suposto carácter nom rentível destas últimas. Tem um a obrigaçom de se perguntar, no entanto, que teria acontecido se os recursos faraónicos atribuídos à construçom das linhas de alta velocidade -e os destinados a perfilar prescindíveis autovias numha lamentável aposta no transporte privado- tivessem sido orientados a modernizar o comboio convencional. Poderíamos afirmar entom que este último nom é rendível?
Demos mais um passo e lembremos que a alta velocidade ferroviária melhora as comunicaçons entre as cidades, logicamente grandes, que estám nos extremos das linhas correspondentes. Se for o caso, beneficia também algumas localidades que se acham a metade de caminho. Todo isso à custa, é claro, de propiciar umha deterioraçom na situaçom de todos os restantes em virtude de um estrito projeto de desertificaçom ferroviária. Recorde o leitor, e passo a propor um exemplo, que na Galiza se está a construir umha linha de alta velocidade que deve comunicar a Corunha e Vigo. A pouco que um examinar o traçado, descobre que inequivocamente o AVE vai provocar o desaparecimento do ferrocarril convencional, deixando sem um serviço público de comboio um grande número de localidades que desde vários decénios atrás desfrutavam deste último. Dito seja de passagem: ardo em desejos de comprovar como o comboio de alta velocidade acelera na sua saída da estaçom de Vila Garcia de Arousa para frear imediatamente e entrar na de Ponte Vedra, a 25 km de distáncia!
Deixo para o final o que parece mais importante. Nas páginas deste jornal já me fiz eco em seu momento de umha frase que escutei faz anos em lábios de um colega andaluz. Melhor ou pior, dizia assim: a alta velocidade ferroviária é um exemplo de livro de como os integrantes das classes populares celebram com alvoroço que com os impostos que pagam se tracem linhas e comboios que só vam ser utilizados polos integrantes das classes abastadas. E é que, no fim de contas, quem precisa de chegar de Valência a Madrid em menos de duas horas? A resposta parece singela: os executivos das grandes empresas, cujo tempo é ouro, e em geral todos aqueles que nom têm que se pagar a viagem correspondente.
Numha metáfora que o di todo, estamos traçando um sistema de transporte público ferroviário sobre a base dos singularísimos interesses de umha escueta minoria da populaçom, enquanto facilitamos o deterioro das possibilidades de transporte da maioria ou, se for o caso, obrigamos esta a abrir os cordons à bolsa, à procura de uns euros que nom sobram precisamente. Falamos, com toda a evidência, da mesma miséria que conduziu os nossos governantes a resgatar com dinheiro público a um punhado de instituiçons financeiras que jogárom abertamente as cartas da especulaçom, a bolha imobiliária e a contabilidade criativa. O único que há que reconhecer a esses governantes é, isso sim, conseqüência: em todos os ámbitos fam igual. Parabéns para os presidentes autonómicos pola sua fina percepçom do que o futuro nos reclama.