A duras penas surpreenderá que perante semelhante palco tenham proliferado as tentativas de perfilar soluções. Acolhamos-nos a um deles que -parece- retrata o círculo vicioso em que se acham imersos a maioria dos dirigentes políticos e ilustra se for o caso, também, a submissom que estes mostram perante os interesses de poderosas empresas privadas.
Há uns dias, numha entrevista que concedeu a um canal de televisom, Felipe González, o ex-presidente do Governo espanhol, referiu-se à questom que nos ocupa e identificou três grandes medidas que -cabe entender- deviam ser acometidas simultaneamente. Se a primeira era o progressivo desenrolo de energias renováveis, a segunda aconselhava diversificar as fontes de fornecimento e a terça sugeria reabrir, em fim, o debate relativo à energia nuclear.
Nada há que opor, por lógica, ao desenvolvimento de energias renováveis, no bom entendido de que estas nom devem servir -como se adivinha em muitos dos discursos oficiais ao uso- para preservar o estilo de vida depredador e esbanjador que se impujo entre nós. A própria lógica dessas fontes de energia reclama uma atitude, individual e colectiva, estreitamente vinculada com a singeleza e a sobriedade voluntária, ou, o que é o mesmo, orgulhosamente afastada das exigências do mercado e da sua permanente e artificial criação de necessidades.
Também nom há nada substancioso que opor à sugestom de que há que diversificar as fontes de fornecimento, e isso por muito que a proposta beba quase sempre da política mais convencional. Sublinhemos ao respeito que a sugestom de González pode ser interpretada, no mínimo, em dous sentidos diferentes. Enquanto o primeiro aponta que devemos diversificar as fontes de energia, sem mais, o segundo interpreta que temos de tentar um leque mais amplo de fornecedores -empresas ou Estados- a efeitos de nom contrair dependências abusivas com nengum deles. Nom está a mais sublinhar, isso sim, que talvez a melhor maneira de iludir essas dependências é a que passa por reduzir, uma vez mais, nossos com freqüência hilariantes níveis de consumo, perspectiva que -como de seguida me hei ver obrigado a sublinhar- está dramaticamente ausente das agendas oficiais.
Muito menos estimulante é a terceira das propostas vertidas por González. Falo, naturalmente, da que se refere a uma energia, a nuclear, que me temo é pan para hoje e fame para amanhá. Os que desejam converter essa modalidade de energia no último recurso de salvaçom para as nossas economias assinalam comummente que será preciso multiplicar por três o número de centrais atómicas existentes no planeta. Tida conta de que as estimaçons concluem que hoje temos uránio para um escasso meio século, o cálculo semelha singelo: de verificar-se a multiplicaçom referida, ficara-nos uránio para três lustros. Ainda que nom só se trata disso: sabido é que, enquanto os resíduos gerados polas centrais configuram um dramático presente para as geraçons vindouras, a construçom daquelas é muito lesiva em termos de mudança climática, a energia que produzem resulta sempre custosa e, por o deixar aí, as condiçons de segurança deixam muito que desejar. Circunstáncias como as mencionadas aconselham concluir que a energia nuclear nom é essa cómoda e higiénica panaceia que alguns, com freqüência interessadamente, apreciam.
Vamos, no entanto, ao principal e identifiquemos a carência maior, muito significativa, que arrastam as declaraçons de Felipe González. É surpreendente que, quando o ex-presidente do Governo espanhol assume a tarefa de procurar respostas a uma crise energética que é já uma realidade palpável, esqueça a principal: a que reclama reduçons notáveis nos nossos níveis de produçom e de consumo e, para além delas, umha reorganizaçom das nossas sociedades sobre a base de princípios diferentes (entre eles a primacia da vida social frente à lógica da produtividade e da competitividade, a partilha do trabalho, uma renda básica de cidadania, a necessária reduçom das dimensons de muitas infra-estruturas produtivas, administrativas e de transporte, ou, em fim, a recuperaçom do local em frente à loucura da globalizaçom desbocada).
Se alguém me perguntar por que Felipe González -e com ele tantos outros- prefere esquivar um horizonte tam razoável e fácil de construir como esse, responderei sem margem para a dúvida: porque esse horizonte implica questionar a lógica sagrada do mercado e, com ela, os interesses de poderosas empresas empenhadas em nos conduzir caminho do abismo. Como é possível que ao mesmo tempo em que se di apostar pola sustentabilidade se perfile um programa de ajudas públicas chamadas a facilitar a aquisiçom de automóveis privados, isto é, à promoçom de um dos elementos centrais que dam conta da insustentabilidade energética e do meio ambiente das nossas sociedades? Que estamos obrigados a introduzir energias limpas e renováveis resulta evidente. Quase tanto como que, ao tempo, devemos apostar com rotundidade, no Norte opulento, por significativas reduçons nos níveis de produçom e de consumo que dam asas a umha ordem de cousas em que saiam adiante, com nom menor rotundidade, a atençom das necessidades sociais insatisfeitas e o respeito rigoroso do meio natural.