Assim, sem risco nem qualquer investimento, este enriquece à custa da delapidação do erário público recorrendo à cumplicidade interessada, à troca de favores e distribuição de "comissões" com quem governa e tem poder de decisão. Estas mais-valias resultam sempre de decisões político-administrativas, que transformam terreno agrícola em urbanizável, e podem ser ainda maiores se acompanhadas de um projecto de urbanização – que não tem de ser viável ninguém está obrigado a executar – e de estudos e pareceres que atestem a alta rentabilidade do projecto urbanístico a construir e o quanto ele vai ser um factor de desenvolvimento e criação de emprego. Obtido o alvará e de projecto e pareceres na mão, o especulador dirige-se então à banca e pede emprestado um valor baseado no que se imagina ser a rentabilidade futura do empreendimento. A banca, velha conhecedora e instigadora do esquema, alinha na vigarice aceitando como penhor não o valor do que existe mas o que se supõe vir existir, e que todos sabem que jamais existirá. Como geralmente nada é construído – dado que nunca houve outra intenção senão sacar uns milhões – a sociedade responsável pelo projecto faliu ou se evaporou, o empréstimo e respectivos juros não são pagos, o que geralmente ocorre, o banco toma posse da única coisa que existe, o terreno. Como o valor deste é necessariamente inferior ao do tal projecto que nunca saiu do papel, e porque para financiar toda esta operação a banca portuguesa teve de pedir emprestado à estrangeira, fica uma dívida (ou activo tóxico, como agora se diz) que é comprada pelo Estado para que o sistema financeiro não colapse. Por isso os alvarás valem fortunas e tornaram-se numa importante fonte de financiamento de autarquias e partidos.
A partir da adesão à União Europeia construiu-se em barda e enriquecerem os do costume. Mas o problema da habitação, esse ficou por resolver, apesar de entre 1985 e 2000 construíram-se em média 80 mil casas por ano, ao ponto de em 2010 haver 1,5 fogos para cada família, o segundo maior rácio da União Europeia, unicamente suplantado pela Espanha.
De 1990 e 2008 a dívida hipotecária cresceu cerca de 1900%, enquanto o PIB apenas 40%. Em 2008, no início da crise, devido ao endividamento da banca portuguesa junto da estrangeira para financiar o esquema de corrupção acima descrito, a dívida privada atingia os 248.389 milhões de euros (bastante maior que o pública), sendo o crédito imobiliário responsável por cerca de 70% dela, ou seja 168.701 milhões; o custo do solo urbanizável representava mais de 50% do preço final da habitação e o Estado é era a única entidade a poder determinar quais os solos urbanizáveis. Daí as enormes pressões dos privados sobre ele para se alterarem Planos Diretores Municiais e atribuírem direitos de urbanização, e a razão pela qual autarquias, partidos e deputados são o principal alvo dos corruptores – imobiliárias, grandes construtoras e agências financeiras.
Peça fundamental de todo este esquema de corrupção é a legislação caótica, a burocracia crónica, o regime pouco claro de delegação de competências e, no centro de tudo, os escritórios de advogados (onde pululam deputados e governantes candidatos a gestores, convivendo todos eles em alegre promiscuidade e decidindo em causa própria) que redigem boa parte da legislação económica e elaboram depois pareceres e explicações sobre as leis que produziram, explorando as falhas e as ambiguidades por eles propositadamente criadas em benefício próprio e, principalmente, dos interesses privados que representam.