1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (4 Votos)
António Barata

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora

Em coluna

Terrorismo comunitário

António Barata - Publicado: Segunda, 21 Mai 2012 00:58

A derrota de Sarkozy criou nos meios social-democratas europeus, e em particular nos socialistas portugueses, uma euforia e um estado de espírito optimista que oculta a sua falta de alternativas de combate à crise substancialmente diferentes daquela que tem vindo a ser imposta pelos interesses alemães e franceses com o apoio do FMI.


Com a União Europeia em crise prolongada e sistémica, é sobre as economias periféricas como a nossa que cai todo o peso da crise. E essa crise, entendem os grandes capitalistas e a generalidade dos governantes europeus, é para ser paga pelos trabalhadores, principalmente pelos dos países periféricos ou em dificuldades. Já não só a Grécia, Portugal e a Irlanda, mas também a Itália e a Espanha, num esforço para livrar da crise o núcleo duro do capitalismo "europeu", centrado nas economias alemã e francesa. O capitalismo selvagem, agora rebatizado de neoliberal e "nova economia", exige em nome do combate à crise, da "competitividade" e dos "ratings", mais e mais precarização, mais flexibilidade, mais despedimentos, mais cortes nas despesas sociais, mais trabalho por menos salário, mais miséria, mais recessão. É este o programa de combate à crise que une o grande capital europeu. E com o qual concordam, sem exceção, as forças liberais, social-democratas e democratas-cristãs.

Por isso, não há razão para grandes festejos. Com a vitória de Hollande, mudou o partido no poder e mudou o estilo – não a política. Lá como cá, com liberais, social-democratas ou democratas cristãos, é o "centrão" que continua no poder. Certamente que alguma coisa mudará, que surgirá uma ou outra reforma capaz de suavizar o esbulho que subjuga as pequenas economias periféricas e as que o não sendo se encontram em dificuldades crescentes. Porque tratando-se da Espanha, Itália ou França já não estamos a falar de economias marginais, como as dos ditos PIG, que representam menos de 3% do PIB comunitário. É porque a crise atingiu as economias que de facto contam na União Europeia que começaram a surguir entre os incondicionais apoiantes das troikas, das virtudes da disciplina orçamental e da austeridade sem limites, vozes dizendo que é preciso rever algo, preocupadas com o rumo dos acontecimentos na Grécia e o aprofundamento e alastramento da crise às grandes economias europeias. Mas dada disto os impede de continuar crentes de que o empobrecimento generalizado dos trabalhadores e o desinvestimento na economia acabarão por gerar o tão esperado "crescimento". Para eles o problema não está na receita, mas na demora da retoma. Pelo que as medidas que eventualmente venham a ser adotadas, destinam-se apenas a corrigir a "desatenção" face ao investimento. Não a fazer os ricos pagar a crise, punir os especuladores e responsabilizar os políticos, banqueiros e patrões responsáveis pela "economia de casino" e as vigarices que nos conduziram à catual situação. Pelo que a menos que se revoltem e virem tudo de pântanos, continuarão a ser os trabalhadores a pagar a crise e a sofrer a miséria física e moral, a ver as liberdade cerceadas e os seus direitos, duramente conquistados pela luta de gerações de trabalhadores durante séculos em que verteram o seu suor e sangue, reduzidos a nada.

Tivessem os resultados eleitorais na França deixado os partidos da alternância em minoria, como aconteceu na Grécia, retirando-lhes (mesmo que episodicamente) o exclusivo do exercício da governação e colocado em cima da mesa a rutura com as políticas impostas pelo eixo franco-alemão e o FMI, e a derrota da direita francesa não teria sido recebida como a bonomia e naturalidade registada. Se isso tivesse acontecido seria grande o alarme, com os ricos e poderosos em pé de guerra a União Europeia em grande agitação e à beira do colapso, atravessada por grandes dissensões.

Sinal de que o grande capital alemão (e francês) não se deixou impressionar com a vitória socialista em França nem com a derrota da Merkel na Vestefália, que não é sua intenção alterar o dictate que exerce sobre os países da União Europeia e que nada de substantivo irá ser alterado no que se refere ao seu programa de combate à crise, é a campanha de terrorismo político iniciada contra a Grécia após as eleições neste país. Com o jogo da alternância a ser baralhado com a forte deslocação dos votos para os partidos "extremistas", facto inédito na Europa há muitas décadas, soaram os alarmes e começou a ingerência externa naquilo que só diz respeito ao gregos e ao direito soberano de decidirem o seu futuro. Primeiro foi a estigmatização da esquerda anti-troika, catalogada de extremista, à mistura com apreciações – a roçar o xenófobo e o racista – depreciativas sobre a "irresponsabilidade" dos gregos. Alguns, mais afoitos, esmeram-se na idiotice, como o deputado, dirigente do PSD e comentador da SIC, José Arnaud, que descobriu que a Grécia não é um país, porque ainda há 150 anos nada mais era que uma simples província turca.

Depois, quando falharam as tentativas para formar governo e a sondagens começaram a apontar para uma vitória do Syriza nas próximas eleições, começou o terrorismo, a chantagem, a ameaça descarada: a governadora do FMI declara que estava na altura de se começar a preparar a "saída programada" da Grécia do Euro. No dia seguinte, o Banco Central Europeu anuncia aos quatro ventos (coisa inédita, pois não costuma divulgar as sua decisões pela imprensa) que deixou de financiar quatro bancos gregos, deixando no ar a ameaça de outros se seguiriam. Desde então têm-se multiplicado, diariamente, as declarações de governantes, responsáveis comunitários e de organismos internacionais, de que os gregos só podem continuar no Euro, na União e a ser "ajudados" se não puserem em causa as medidas da troika e cumprirem "os compromissos". Com as sondagens a apontar para a vitória da Coligação Syriza (uma força que agrupa um conjunto de organizações de esquerda situadas à direita do Partido Comunista Grego, que está frontalmente contra as políticas importas pelo FMI, BCE e UE ao seu país, mas não contra a permanência no Euro e na União Europeia e menos ainda na disposição de romper com a NATO, as luminárias comunitárias querem através da chantagem e do medo (dando a entender que no fim do próximo mês não haverá dinheiro para salários se persistirem em votarem em quem não devem), obrigar os gregos a desta vez "votarem bem", na coligação que entretanto já começaram a promover como vencedora, constituída pelos partidos da alternância e a Esquerda Democrática, uma coligação de forças semelhante à Syriza, mas que se recusa a romper com a troika.

O combate à crise reclamado pela esquerda (que não faça cair sobre os trabalhadores os seus custos e faça os ricos pagá-la) não será possível enquanto não rompermos com a hipocrisia que amarra o espírito de luta e revolta dos trabalhadores, acenando-lhes com concertações sociais, "imperativos patrióticos", com o "pagamento da crise por todos e não só por alguns", chamadas à razão do grande capital, ou alimentado ilusões nas soluções dos seus representas da "esquerda" do sistema. É por aí que há que começar.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.