Mas o «consolo» de Umberto Eco é hoje um mal de muitos. Não estamos para nos consolarmos quando os que defendem burrices e estupidezes são os que mandam na economia, nos media e nos governos.
Que Mario Vargas Llosa defenda a Repsol contra a estatização da YPF pelo Governo argentino não pode surpreender-nos, é um «consolo» ao modo de Umberto Eco. Muitos não percebem que as opiniões de Mario Vargas Llosa sobre qualquer tema diferente à literatura têm o mesmo nível de profundidade que as opiniões de qualquer pessoa sobre um tema qualquer. A única diferença é o alcance dessas opiniões e, portanto, a repercussão na plasticina que hoje chamam opinião pública.
Faz falta ler o artigo La guerra perdida para conhecer a opinião de Vargas Llosa? Não. As opiniões de Vargas Llosa (MVL) e do seu filho Álvaro, que qualificou de "idiotas" todos os esquerdistas latino-americanos, são conhecidas por todos.
Vargas Llosa ataca o seu pior pesadelo, Hugo Chávez, e responsabiliza-o pela passageira bebedeira de "patriotismo nacionalista" da presidenta argentina. Todos tópicos, de um Nobel de literatura sem dúvida, e falsos os factos com que assinala no seu artigo. O «assédio» a que se refere MVL é ao contrário. Durante anos, interesses privados arruinaram aos poucos rendíveis empresas públicas com a finalidade de as privatizar. O melhor exemplo temo-lo na estatal petroleira venezuelana Pdvsa, uma empresa modélica ao serviço do povo venezuelano.
Procurar os males da Argentina no peronismo e não na agressão exterior é ter uma visão muito reduzida e torta da realidade. A Argentina sofre, como todos os países exportadores de matérias primas, das proibições que os países desenvolvidos põem às suas exportações. Assim, durante o mal das vacas loucas, a Argentina não pôde exportar a sua carne à Europa, apesar de estar livre da mortal doença, porque os europeus alegavam que ainda existia a febre aftosa. Os exemplos são inumeráveis na América Latina toda.
Caracas não é a cidade com maior criminalidade do mundo. Os exemplos de sociedades «exemplares» que coloca MVL «o Brasil, Uruguai, Chile, Colômbia, Peru, boa parte da América do Norte Central e México» ficam muito longe da realidade violenta e paupérrima de sociedades como o México, o Brasil ou a própria Colômbia, que vive uma guerra civil e tem 6 milhões de cidadãos no estrangeiro pela incerteza económica e vital.
Com o Chile acontece a mesma coisa. Uma classe política corrupta em que deputados e senadores acabam de subir o salário pela enésima vez, enquanto exigem aos estudantes que se endividem toda a vida para poderem pagar os seus estudos.
O melhor exemplo do bom fazer do governo argentino a respeito da expropriação foi a nomeação de Miguel Galuccio, um engenheiro, não um político, como presidente de YPF, que demonstra que na Argentina não todos são atos populistas para fazer de conta que se faz.
Vargas Llosa repete os mesmos tópicos que poderia repetir um tertuliano de Intereconomía*, sem enxergar a condição de Nobel, outra prova mais da veracidade do dito por Umberto Eco.
*Intereconomía: canal televisivo da extrema-direita espanhola, financiado pelo atual governo.