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Lucas Morais

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Crítica radical

Wanderson morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Lucas Morais - Publicado: Quinta, 22 Março 2012 01:00

Lucas Morais

O caso do atropelamento de Wanderson Pereira da Silva, 30 anos, trabalhador que atuava como ajudante de caminhões, por Thor Batista, filho do bilionário Eike Batista, é sintomático da injustiça de classe que forma estruturalmente o aparato judiciário do Estado brasileiro.


Principiemos esta reflexão subvertendo os papéis: imagine um motorista negro em um carro velho que, habilitado há menos de dois anos à direção automotiva, tinha sua carteira já “estourada” em função de consecutivas multas por alta velocidade. Pois, imagine que ele dirigia em uma estrada na baixada fluminense quando, de repente, ao provavelmente tentar ultrapassar um caminhão à frente, manobrou o carro em alta velocidade e, finalmente, atropelou um jovem branco e herdeiro do maior bilionário do país, que se dirigia no acostamento em sua bicicleta. Imagine agora como seriam as manchetes e abordagens jornalísticas, com a provável prisão e condenação sumária de um “zé ninguém” chamado Wanderson que teria matado um herdeiro bilionário. Difícil visualizar como seria?

Vamos aos fatos.

a) Thor já havia “estourado” sua carteira em menos de dois anos de habilitação (período probatório) justamente por sucessivas multas de excesso de velocidade. Foram 51 pontos na carteira em 18 meses.

b) Mesmo com sua carteira de motorista já “estourada”, esta não foi cassada, o que indica mais uma conivência, desta vez por parte dos agentes do Estado brasileiro, com o infrator.

c) Thor, que estava em uma Mercedes McLaren que chega a 300 km/h voltando de uma festa organizada por seu irmão Olin, alega que estava a 90 km/h, e não em velocidade superior a 100 km/h. Porém, esta velocidade é mais que suficiente para matar um pedestre ou um ciclista, já que a 70 km/h a probabilidade de morte do atropelado é de 85%. A 90 km/h, as chances sobem para 100%. Isto em um país que não possui infraestrutura para a direção aos 120 km/h.

d) Por fim, o mais bizarro: após uma perícia pífia no carro, a polícia liberou-o ao advogado de Thor “com o compromisso de não alterar a estrutura do automóvel” ao invés de apreendê-lo e apurar à fundo o caso.

Com a retirada do carro de cena por supostamente “não haver medida administrativa para apreender o veículo e não haver recomendação por parte da perícia para que isso fosse feito”, a defesa de Thor já obteve sua maior vitória, já que retira uma das mais importantes evidências do homicídio e dificulta as investigações. Marcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça durante o primeiro mandato de Lula, será o advogado de defesa de Thor.

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego”

É claro que não cabe o linchamento de Thor. A questão não é essa e é, sim, muito maior, já que a elite brasileira sempre, friso, sempre escapa à legalidade. Mas, e se fosse outro herdeiro bilionário o morto pelo atropelamento?

Para piorar, o pai de Thor, o bilionário Eike Batista ainda tratou de usar suas redes sociais para afirmar que equivocado estava o ciclista, por, supostamente, pedalar pela segunda pista, a de ultrapassagem, em lugar do acostamento, como sustenta a família. Testemunhas do atropelamento, nos dias seguintes, desmentiram-no e reafirmaram que o atropelamento foi no acostamento.

Não cabe também afirmarmos “Só no Brasil, mesmo...”, pois também nos Estados Unidos ou nos países da União Europeia, para não citar outros, os membros de suas elites também buscariam outros modos de se esquivar à legalidade ou reduzir a pena à “prisão domiciliar”. O problema é, portanto, estrutural, especialmente quando observamos as porcentagens dos agentes sociais que estão encarcerados: na sua maioria de origem pobre, negros ou mulatos, que se envolveram em pequenos delitos, seja no tráfico ou em roubos: não por estarem “afastados de Deus” ou por serem maus de nascença, mas por sua condição de classe. A justiça no regime capitalista é instrumento de opressão e controle de classe, e não somente no Brasil.

Vítima de uma série de injustiças, Wanderson voltará novamente ao esquecimento e à sua invisibilidade social. E, como diz a sabedoria popular brasileira, com razão: “não vai dar em nada, vai ficar tudo por isso mesmo.”

Lucas Morais é jornalista, tradutor e editor brasileiro de Diário Liberdade


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