Marcial Gondar defende que o conceito urbano de "paisagem" é mesmo antagónico da experiência do espaço no mundo rural na Galiza. Para o autor, a ideia urbana da paisagem alicerça na "visão" e no "olhar", separando claramente o sujeito que olha daquilo que é olhado. Esse olhar à procura da paisagem só se concebe numa sociedade que opõe o mundo das ideias ao da produção material, o filósofo ao labrego, o ócio ao negócio.
Mui ao contrário, a vivência do espaço no mundo rural galego traduz-se – ou traduzia-se – em termos de trabalho, como testemunham muitos provérbios populares. Assim, no ambiente camponês, a oposição ócio-trabalho seria em grande medida inoperante. O lazer e a diversão estariam integrados e não expulsos do tempo de trabalho, por meio de jogos, danças, cantos, e até desafios em verso.
A maioria de nós tem memória viva daquilo de que Marcial Gondar nos fala, graças ao que ouvimos dos mais velhos, ou a experiências próprias de participação em tarefas de tipo cooperativo, que requerem um esforço mas não estão submetidas à hierarquia e disciplina das relações laborais.
Podemos até concluir que uma mesma palavra, "trabalho", di respeito a atividades antagónicas – do ponto de vista da sua função social – quando nos referimos, por exemplo, à fabricação de armamento e à assistência a pessoas dependentes ou idosas.
Para uma economia competitiva, é trabalho aquilo que se traduz em dinheiro. Para uma economia cooperativa, o trabalho é uma atividade útil e benéfica para uma dada sociedade: valor de câmbio e o valor de uso enfrentam-se assim nos usos contrapostos do mesmo termo.
Por isso choca que grande parte do discurso das esquerdas e do sindicalismo assuma de maneira tão dócil essa divisão taxativa entre o tempo do trabalho e o tempo do ócio, priorizando de maneira absoluta as reivindicações de tipo quantitativo –salários, férias, horários–, ao passo que se descuidam as de tipo qualitativo, como a luita pola humanização e desmilitarização das tarefas laborais.
Um sindicalismo de olhares bem abertos colocaria no topo das prioridades o controlo das atividades produtivas por parte dos próprios trabalhadores. Ao contrário, um sindicalismo centrado exclusivamente na gestão de tempos e salários, parece condenado a uma burocratização e derrota permanente, porquanto está a jogar no terreno simbólico do capitalismo.
Temos uma tendência para transportar modelos teóricos de um lugar a outro como se fossem gruas que reproduzem as mesmas tarefas ali onde forem depositadas. Bem faríamos em inscrever as tais ideias como as landras (ou bolotas), que só enraízam se os solos possuem as propriedades adequadas, e que se desenvolvem de maneiras que – afortunadamente – fogem bastante ao nosso nosso controlo.
Se não temos os olhares bem despregados para a diversidade de elementos materiais e simbólicos do mundo mais próximo de nós, o discurso continuará a ressoar a uma ladainha cansativa e doutrinária.