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ngelo Pineda

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Fundamentos do nojo

Mala de cartão

ngelo Pineda - Publicado: Quarta, 07 Setembro 2011 23:46

Ângelo Pineda

Este site que generosamente me brinda a oportunidade de compartilhar reflexões de forma ocasional, vem de publicar uma notícia sobre um suposto estudo anual do IGE acerca das migrações na Galiza, tanto interiores como exteriores.


Devemos parabenizar o Diário Liberdade por fornecer-nos uma informação deste tipo. Com certeza, o caráter crítico que o fundamenta permite-lhe dar conta de fenômenos sociais evidentemente preocupantes que são dissimulados ou ignorados pela mídia convencional.

Contudo, a redação da notícia faz necessária a observação de determinados detalhes e a realização de importantes matizações que em nenhum caso supõem negar a gravidade do exposto: em todo caso, comportam analisar a questão nas suas verdadeiras dimensões.

Não há um retorno à emigração: sempre esteve aí.

Deixando a um lado os dados de migrações internas (dum lugar a outro, dentro do País) que mereceriam um comentário aparte, as migrações externas a outros pontos do estado espanhol nunca cessaram e sempre estiveram nuns níveis consideravelmente altos para o tamanho da população galega. Faço notar isto porque da notícia do DL pode-se deduzir que nalguma altura houve um parêntese nos processos migratórios. Concretamente, quando se fala de que os trabalhadores e as trabalhadoras que não puderam viver do seu trabalho na Galiza se viram «obrigados a retomar uma prática tradicional», a da emigração. Ou quando se afirma que a tendência migratória parecia «parte da história».

Com os dados do Instituto Galego das Qualificações sobre mobilidade laboral (nos que provavelmente se tenha baseado o estudo do IGE), não se podem fazer tais afirmações. Por fazer-nos uma idéia rápida; no período de 2002 a 2007, prévio à materialização da atual crise, por volta duma 209000 pessoas abandonaram o País para trabalhar noutros territórios sob administração espanhola; o que supõe uma média anual de 35000, superior às 28000 pessoas de média no período atual, no que se fazem evidentes as conseqüências da recessão econômica.

A mala de cartão e Vueling

Se a emigração de trabalhadores e trabalhadoras galegas sempre esteve nuns níveis tão altos, é justo perguntar-se porque não existe uma consciência geral da magnitude do problema. Devemos agradecer esta inconsciência, mais uma vez, à mídia convencional; sempre fascinada por dados equívocos e, em todo caso, agradáveis ao governo de turno.

Quando não se esgrimiram os dados de mudanças no padrão municipal como indicadores a restar no cálculo do saldo migratório (coisa enganosa e absurda), a imprensa local cegou-se por determinados fenômenos conjunturais de escassa incidência no nosso País. Por exemplo, o crescimento da imigração durante os anos 90.

Com efeito, a década dos 90 presenciou uma importante entrada de trabalhadores e trabalhadoras ao conjunto do estado espanhol oriundos do norte da África, do sul da América ou da Europa do Leste. Galiza não foi alheia a este fenômeno, ainda que a sua incidência reduziu-se a uma proporção marginal em comparação com as áreas geográficas que concentram a maioria dos serviços e o investimento de capital. Contudo, a entrada de força de trabalho forânea chegou a superar temporalmente a saída. Isto levou a muita gente, especialmente aos expertos em tudo, a dizer besteiras do tipo: «Galiza passou de ser um País de emigração a um de imigração». Este lugar comum foi muito injusto com as aproximadamente 260000 pessoas que abandonaram o País durante a gloriosa era Fraga. Dado que com certeza se pode somar aos logros políticos deste período.

Para além da importância decrescente da imigração a Galiza na última década, a inconsciência da importância da emigração galega tem a ver também com a sua composição e com a percepção social a ela associada. Explico-me: em 2005, pouco antes dos comícios autonômicos, um grupo de galegos ideologicamente diversos fomos convidados a um programa matinal da televisão pública catalã para debater sobre a situação política e social do País, cousa improvável na mídia galega. Como o setor "radical" da mesa denunciávamos a persistência do exílio laboral, com especial incidência na mocidade galega, o professor Basilio Losada respondeu com uma diferenciação temporal entre migrações. Concretamente entre a sua e a nossa. A sua foi tomar o tortuoso comboio Xangai para Barcelona com uma «mala de cartão» nos difíceis anos da guerra ou a pós-guerra (tanto tem). Em contraposição com esta estampa digna das fotografias de Manuel Ferrol nalgum porto de trans-atlânticos, estava a emigração atual dos moços e a moças galegas que para o catedrático de filologia românica «vivem fascinados pelos aspetos mais negativos da sociedade de consumo», razão para apanharem um vôo low-cost para zonas mais cosmopolitas.

Tanto tem que para ele a sua emigração fosse uma dramática epopéia e para a mocidade um capricho de esnobes. Ao fim e ao cabo, o País não é o umbigo do senhor Losada. A emigração de gente nova constitui um verdadeiro problema para a Galiza em vários sentidos.

Jovens e melhor formados

Se darmos uma olhada nos dados desde o ano 2002, a franja de idade majoritária no conjunto da população que emigra é a constituída por pessoas menores de 29 anos, situando-se em cifras relativas próximas ao 50%. Se acrescentarmos a franja constituída por pessoas entre 30 e 44 anos para aproximar-nos à população em idade fértil, a cifra ultrapassa o 80%; dado relevante num país com sérios problemas demográficos.

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Para além disso, e apesar de que os trabalhadores e trabalhadoras com baixa qualificação seguem sendo maioria no montante das pessoas que emigram (principalmente nos setores da hotelaria e a construção, e com destino a Canárias, Ilhas Baleares ou País Valenciano), observa-se uma forte caída relativa em favor de pessoas com algum tipo de qualificação acadêmica ou laboral. Assim, medra a porcentagem de pessoas com FP e com licenciaturas universitárias. Também naqueles que concluíram o ensino secundário e que são susceptíveis de continuar a sua formação noutras latitudes.

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Esta tendência pode responder a fundamentalmente dois fatores: um, a crise especialmente severa no setor da construção; dois, a contradição entre a qualificação técnica crescente e a orientação do modelo econômico. A respeito deste último ponto cumpre destacar uma série de dados: em primeiro lugar, desde começos da década dos 90, com a criação das universidades de Vigo e da Corunha, assim como com a multiplicação da titulações e a abertura do acesso às licenciaturas, a percentagem de pessoas entre 25 e 34 anos com estudos superiores cresceu do 19,4 a mais do 50% na atualidade, proporções superiores no caso das mulheres. Esta generalização dos estudos universitários contrasta com a evolução da economia galega, mais especificamente urbana. Desde a deserção dum campo castigado pela PAC e o ocaso industrial das reconversões de mediados dos 80 e inícios dos 90, a aposta política centrou-se na orientação da economia para o setor terciário; mais especificamente, para setores como a distribuição (com a criação de grandes áreas comerciais nos contornos urbanos), a proliferação de pequenos estabelecimentos de hotelaria e alguma indústria manufatureira de baixa qualificação. Como teria que ser previsível para qualquer, este panorama econômico não favorecia a absorção laboral de titulados e tituladas; o qual, como sabemos, gerou certo clima de hostilidade das gerações novas. Hostilidade que se manifestou na política, na produção cultural e, também, na emigração. Acho que é pertinente fazer um comentário nesta época de mimetismo colonial: nós há 20 anos que temos "indignados", o que acontece é que os nossos "indignados" emigravam face a indiferença do resto do estado. Parece que as cousas não são um problema até que afetam Madrid.

Dito isto, volvemos ao comentário do senhor Losada e à sua correspondência com a atitude da mídia galega a respeito da sangria migratória indígena: apenas lembro uma só ocasião na que a imprensa local atendeu o problema. Foi durante o bipartido, quando uma jovem cidadã "anônima" tomou a palavra no parlamento galego com motivo, se não lembro mal, do 25 aniversário da autonomia. O tratamento jornalístico estava impregnado dum paternalismo nojento. Lágrimas de crocodilo. O tratamento mais habitual é o convite ao orgulho localista quando um moço ou moça galega trunfa no estrangeiro; fato que em realidade deveria envergonhar-nos na medida em que explicita as dificuldades para desenvolver uma carreira bem sucedida no âmbito científico-técnico.

O professor de economia Federico M. Palmeiro, a respeito da nova emigração, tem comparado esta situação com uma hipotética verba orçamentária fixa da Junta da Galiza destinada ao aeroporto do Prat (Barcelona). Isto, que resultaria escandaloso para o jornalismo indígena, contrasta com a indiferença diante do fato de que Galiza investe em formação de maneira improdutiva: regala licenciados e licenciadas a outras comunidades trasladando a elas os lucros associados à aplicação dos conhecimentos científico-técnicos à produção. E isto é importante. Mais que se a pessoa emigrada vai com mala de cartão, com Sansonite ou com o Coronel Tapioca.

A crise muda a tendência

Volvendo à notícia, do escrito nela deduze-se que existe uma correlação entre a situação econômica e o crescimento do fenômeno migratório. De fato afirma-se literalmente que se confirma «o crescimento da emigração galega em plena crise capitalista». Atendendo aos dados absolutos, cumpre introduzir uma importante matização neste ponto: não é verdade. Sendo ainda superior o número de pessoas que saem do País à quantidade de pessoas que entra; em realidade a emigração reduziu-se desde o começo da crise.

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Significa isto que Galiza melhorou nalgum aspecto? Pode-se atribuir algum mérito ao governo de Feijoo na redução da dimensão da emigração galega? Naturalmente que não! Esta tendência não é nova, tendo-se dado nalguma outra ocasião: quando há crise, a emigração galega contrai-se porque a aventura migratória é mais incerta, a aposta é mais insegura.

Claro que isto não oferece consolo nenhum. A crise, para além de comportar autênticos dramas humanos, apenas atenua a tendência migratória. Uma eventual recuperação econômica quase com total segurança porá em marcha outra vez o processo; já que não é difícil ter a certeza de que o governo galego fará o mesmo de sempre fez para impedir a marcha de moços e moças: nada.


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