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José Biern Boyd Perfeito

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A jangada de ideias

Transportes públicos, crónica de uma morte lenta... planeada

José Biern Boyd Perfeito - Publicado: Quarta, 31 Agosto 2011 01:38

José Biern Boyd Perfeito

É verdade que a génese do transporte publico (Tpub), como o conhecemos hoje (Rev. Industrial), nasceu privada.


Aconteceu com a chegada da era índustrial, com a necessidade que largas faixas da população tinham de se movimentar, fosse pela mobilidade geográfica local devido á concentração industrial do trabalho num local específico, fosse pela deslocação de bens e pessoas para as colónias e outros pontos do planeta. O exôdo das zonas rurais para as urbes foi também umas das razões de alguns privados, primeiro com tração animal e depois com tração mecanica, inicíarem a exploração de serviços regulares para transporte de passageiros e carga.

Inicialmente, ao Estado coube o reconhecimento dos operadores, licenciá-los para que pudesse controlá-los em termos de impostos, utilizando a forma normal do comércio, ou seja, por ser um serviço de venda directa ao consumidor, seria licenciado como comércio e assim passou a ser considerado uma actividade do sector terciário. Uma actividade que depressa passou a ser considerada essencial para a sociedade, impossível de ficar colocada ao sabor dos interesses privados dos mercados ou simplesmente de jogadas financeiras, com as tarifas baseadas apenas na concorrência entre operadores que, como é fácil de imaginar, estabeleciam acordos de exploração para definir as tarifas.

Pela primeira vez o Estado interviu nos Tpub, controlando sociedades privadas, criando regulamentações de segurança e de operação, moderando a concorrência entre operadores atribuíndo concessões e horários. A intervenção também íncluiu ocupar posições em empresas que estavam a entrar em default, devido ás exigências de operação fora das horas de maior afluxo, o que não era do agrado dos sectores privados. Mas a vida citadina e a laboração contínua das industrias exigía que os transportes fossem garantidos aos trabalhadores em horas de baixo fluxo para que os turnos não fossem interrompidos nem que a vida social estagnasse.

Depressa se chegou á conclusão que os Tpub estavam intrínsecamente ligados ás classes sociais que eram essenciais para a produção e para a manutenção da economia de um País, princípalmente para as classes trabalhadoras, aquelas que tinham a necessidade de se deslocar.

As empresas de carácter local ou regional, os consórcios que apesar de privados, tinham garantias do Estado e recebiam compensações para manterem o serviço operativo, o crescimento da ferrovia e da rodovia pago pelo Estado, ou seja pelos bolsos dos contribuíntes e dos seus impostos, desenvolveram a Europa e o mundo, duma forma nunca vista e tornaram possível a segunda globalização.

Apesar de a operação ter sido, como já disse, inicíalmente privada, a verdade é que toda a estrutura para essa operação se movimentar era e é publica.

Com o evento do Séc XX, na primeira metade, antes da II Guerra Mundial 1939-45 (2WW) houve dois momentos totalmente contraditórios.

Na primeira década do século, o movimento dos trabalhadores por todo o mundo, levou a que os Estados Europeus fossem obrigados a fazer concessões de carácter social, com a legalização dos sindicatos, a legislação de proteção social e notoriamente, as pedras bases para a construção do Estado social. Nos Tpub foi através da compensação das tarifas para evitar preços incomportáveis para os trabalhadores, com a ligação dos aumentos das tarifas aos aumentos salaríais (Herbert Asquith, Parliament Act 1911-UK-People's Budget Act) em Inglaterra seguido pelas outras grandes potências, desejosas de evitar tumultos e instabilidade social, transformando-se este no primeiro momento.

O segundo momento, foi depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e com a revolução Russa como pano de fundo, a entrega dos sectores publicos dos Tpub ao sector privado, ou promovendo a gerência privada no sector, através de medidas de subsídiação, uma forma de dividir o sector e recolocá-lo em mãos privadas que poderiam controlar melhor a classe trabalhadora, criando um conceito de serviço publico de carácter privado, muito por pressão dos grandes grupos económicos que tinham saído da guerra reforçados e com vontade de retomar essa mina de ouro, agora reconstruída pelo Estado social.

Depois da 2WW, fosse pela elevada destruíção em que tinham ficado os meios operativos, quer pela própria necessidade de, novamente, abrir a sociedade ocidental a uma "onda" social democrata, para evitar que eclodissem levantamentos e golpes, alimentados pela performance da União Soviética na guerra e nos valores que defendia e pelo crescimento da consciência da classe trabalhadora, os governos decidiram nacionalizar os Tpub, torna-los numa actividade ao serviço da população, recolhendo ou reconstruíndo dos escombros as estruturas e a maquinaria, usando os dinheiros públicos mais uma vez para reestabelecer novamente o serviço público, gerido pela gestão publica.

Duma forma geral, este era o panorama dos Tpub em quase todo o mundo e tem sido cíclico a forma como o capital privado e o sector publico vão gerindo esta dualidade.

As décadas de 50 e 60 foram décadas de ganhos suplementares e de aperfeiçoamento do Estado social, em que o capital privado estava fora destes sectores que com a melhoria dos salários e das condições de vida, tinham maiores resultados financeiros.

Tornava-se apetecível, novamente para o capital privado, agora que todo o sistema tinha sido reparado e estava a funcionar em pleno reentrar no sector novamente. Já não havia necessidade de investimento, pois todo este já tinha sido efectuado com os dinheiros publicos. (excepto Portugal e Espanha, que após a 2WW estiveram em contra-ciclo político com a Europa)

Durante os anos 70, aproveitando os governos sociais democratas, com vontade de cativar o capital privado, o plano foi traçado e além de ser apenas uma questão de tempo era também uma questão de ir colocando os homens certos nos lugares certos, controlar novamente as administrações com as nomeações, depois, ir deixando cair a qualidade do serviço, não reinvestir e cortar a manutenção, alterá-la de preventiva para curativa, não renovar as frotas, criar uma politíca de subserviência entre os quadros e fazer dos quadros técnicos apenas um ponto de estágio, destruíndo o know-how que fazia parte da história das empresas, tal como apostar nos conflitos laborais, desestabilizar a parte productiva e devido a tudo isto, fazer cair a pique a eficácia da empresa junto ao público e numa palavra, forçar a privatização.

Esta descrição, em cima, parece fotocópia de muitas empresas publicas que nós conhecemos e que hoje estão nas mão de privados.

A verdade é que estamos neste momento num final de ciclo.

O sector público de transportes rodoviário Europeu está na sua maíoria, privatizado, por entre grupos das mais variadas origens, mas sem dúvida, com alguns grandes frentes de capital pronto para canibalizar todo o sistema e criar apenas holdings por sector.

São eles os grupos Franceses, Veolia, Transdev, os Americanos/Canadianos Connex-Veolia-First, no sector rodoviário, alguns destes atrás e a DB Alemã já no Eurostar, no sector ferroviário, (onde se aguarda com especial e salivar emoção, a queda da SNCF, da RENFE, da CP, da OSE, etc)

No sector da aviação, claro, a TAP Portuguesa continua a ser umas das presas mais apetecíveis no mercado da aviação comercial e tudo indica, depois da preparação que o enviado do sistema operou na empresa e com um governo sonhando com privatizações a torto e a direito, está pronta para cair.

Agora é o momento certo para o capital avançar, não existe momento mais perfeito para entrar no sector. Este é novamente o final de ciclo da propriedade pública no sector dos transportes. Mas há razões para ser assim e não porque é algum evento da natureza.

Depois de o ciclo público ter criado os habituais anticorpos que foram repetidos vezes sem conta aos cidadãos, "o mau gestor que é o Estado", "os prejuízos que as empresas acumulam" (chega a ser dramático ouvir as notícias nos flash news sobre as dívidas das empresas de transportes) o facto é que estas empresas foram-se modernizando, renovando as frotas, as estruturas, tudo por conta do Estado, que é o mesmo que dizer, por conta do contribuínte. No mesmo esquema, foram cortando serviços públicos que são de interesse público, essenciais para a sociedade e para o tecido social (e que, como vimos sobre as conclusões tiradas há um século, não são compatíveis com a exploração privada e lucrativa dos Tpub), tendo em vista colocar a população numa atitude de confronto e de desistência do Transporte Público, como também de justificar a sua privatização.

Ou seja, o investimento foi feito totalmente pelo erário público para agora entregar ao bem privado.

Precisamente como na duas primeiras décadas do sec. XX.

É sem dúvida um dejá vu, ou seja, até o sector precisar de ser reinvestido, o capital privado vai explorar as existências, vai aproveitar esta crise para reduzir os custos de exploração, mas sempre á custa dos trabalhadores, seja com redução do número de trabalhadores, seja na redução da massa salarlal, com o congelamento de salarios ou a redução dos mesmos, com o apoio dos governos, na exploração de tarifas cada vez mais altas e mais onerosas, deixando de lado a vital função original do transporte Público , como transporte das classes trabalhadoras a preços indexados aos salários.

Não existe uma prespectiva de futuro. O capital sabe que este é apenas mais um ciclo e que, quando chegar ao fim, volta a entregar o sector ao Estado, para este injectar novos pacotes de investimentos com o dinheiro povo, que pagará como sempre e mais um ciclo se cumprirá.

Não existe qualquer tipo de consciência de serviço público por parte dos privados, que se possa sequer negociar ou acordar, tudo está planeado para se retirar o que se possa, em todos os momentos, é uma corrrida contra o tempo, motivada pelo calculismo financeiro e pela ganancia desregulamentada e sem qualquer pudor em se apoderar dos meios que o património publico pagou vezes sem conta.

Mas, qual é a responsabilidade política de quem nos tem governado?

Não é de agora, a responsabilidade politíca, mas já vem desde o início do século XX. A verdade é que apesar de os erros serem sucessivos, esta geração de políticos, que devia ter maior cuidado na gestão da res pública, acaba por errar duas vezes e repetindo erros que já foram cometidos no passado, em circunstâncias que no passado, não havia. Hoje existe uma União Europeia, um Parlamento Europeu, existe uma organização que se supõe defender os povos da Europa.

Mas nós sabemos o quanto essa suposição é infantil e imaginária.

A subserviência ao lobby do petróleo, com a clara opção da rodovia em detrimento da ferrovia, a pressão comercial que foi colocada pelos fabricantes de automóveis e a completa anulação de todas e quaisqueres formas alternativas de locomoção, foi determinante para se chegar ao ponto a que se chegou.

Milhares de transportes de mercadorias por rodovia fazem a distribuição pelos Estados membros da Europa, consumindo mais combustivel, demorando mais tempo, criando maior possibilidade de acidentes, pondo em risco a vida de mais pessoas, aumentando também a exploração humana tanto do ponto de vista laboral, como de saúde publica.

Do ponto de vista dos povos, a ausência de alternativas leva as pessoas a optar pelo transporte particular, aumentando o consumo de petróleo e dando capacidade produtiva á industria automóvel, que, por estranho que pareça ja se reduziu a uma séries de poucos países. Na Europa, são dois ou trés, Alemanha e França, pois o Reino Unido, está reduzido é representacão da Ford, dos Alemães e de duas marcas independentes, não aconselháveis a classes trabalhadoras.

Ou seja, se esperado fosse que a industria automóvel devolvesse esse aumento productivo á sociedade duma forma mais ampla com mais redistribuíção das unidades se produção, ela não aconteceu, porque o sistema burilou bem as pontas e espremeu ao máximo a responsabilidade social das empresas.

(recordo-me na importância que Kemal Ataturk, da Turquia, deu ao facto de construír um automóvel nacional, apesar de ser mais fácil importar)

Mas do ponto de vista técnico, não é só o abandono das areas geográficas, tão ao gosto dos operadores privados, nomeadamente, as regiões que não atingem valores de manutenção própria, mas a falta de um plano Europeu de Transportes Publicos, que modele a intercomunicação entre os Estado- membros e as diferentes companhias Estatais.

O primeiro plano transnacional para a Europa, no transporte ferroviário, foi elaborado por um privado, em, (agora veja-se), 1896, pela Compagnie Internationale des Wagons-lits. ( George Nagelmackers)

O ultimo plano ferroviário de transportes para a Europa baseado no mesmo plano transnacional, mas com os objectivos diferentes, foi elaborado por...Adolf Hitler em 1942, para o seu super comboio de 3 metros de bitola.

Sempre que se tentou planear, havia os impedimentos do costume, as diferenças entre as companhias, fronteiras, etc etc etc. Os homens que o capital colocava nos lugares chave, faziam o seu trabalho, emperravam o sistema e nunca se chegava a lado nenhum a não ser a alguns acordos locais e á manutenção do velho sistema Wagons-Lits, ainda hoje em funcionamento, como é o exemplo do Sud Express, ligando Lisboa-Paris. (aliás, nem este percurso acabou por ser completado, porque estava projectado para Lisboa- São Peterburgo).

Mas tenho a certeza que a partir de agora e com a ferrovia toda privatizada, vai-se chegar a rápidos consensos, nada de mais fácil, afinal, os consensos estiveram sempre lá, foram sempre possíveis, apenas não desejáveis para quem verdadeiramente detém o poder.

Parece que já estou a ver numa das mesas da DB (Deutsche Bahn) o novo plano ferroviário da Europa, não sei se com 3 metros de bitola desta vez.

Caminhamos assim, a passos largos para perdermos o transporte publico. Para ele ser competamente adulterado da sua original função, promover a mobilidade das pessoas, da classe trabalhadora, das mercadorias.

De início o poder político foi forçado a aceitar que essa função nao era convergente com a exploração privada do transporte publico e que teria de ser sempre comparticipado pelos cidadãos, tornando-se exclusivamente publico, para servir a sociedade, fosse lucrativo ou não.

O ideal é que as partes lucrativas sejam solidárias com as partes não lucrativas e com uma gestão equilibrada, essa centralidade da balança seja obtida.

Não creio que seja assim tão difícil obter esse equilibrio, alías creio até que não há melhor sector da sociedade em que a partilha seja mais presente do que no transporte público.

Até agora, ao povo tem cabido a parte de leão a pagar, para que depois o capital venha colher os frutos e parece que assim vai continuar, a não ser que tomemos uma posição firme.

Todo este processo do chamado TGV entre Lisboa e Madrid, não é apenas mais do que o mesmo, como precisamente aconteceu aquando da expansão da ferrovia na segunda metade do Sec IXX, entre as falências oportunas e os encargos a cair para a coroa, ou seja, para o povo, que pagou os caminhos de ferro e como irá pagar o TGV, para mais tarde...privatizar.

Cabe-nos a nós, defender o Transporte Público, porque, ele é nosso, porque todos nós contribuímos para ele, para o inovar, melhorar, cabe-nos a nós, alterar este ciclo e manter o que é publico, publico, sem mêdos, sem receios.

Somos todos responsáveis por ele, por exigir, não aos trabalhadores, mas aos responsáveis políticos que procedam em conformidade com a ideia de serviço público.

Devemos intervir, participar, nas acções, nas associações de defesa do transporte público, seja ele rodoviário, ferroviário ou Aéreo e devemos ter uma intervenção pro-activa nessas empresas, porque elas são nossas, de todos nós, e é preciso dizer novamente isso ás pessoas.

O tempo de o dizer, é agora.


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