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José Biern Boyd Perfeito

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A jangada de ideias

As opiniões sobre os tumultos da Inglaterra. O que se diz agora?

José Biern Boyd Perfeito - Publicado: Quinta, 18 Agosto 2011 00:46

José Biern Boyd Perfeito

Atentem-se no ruído que se formou em volta dos riots (usarei a expressão tumultos) de Inglaterra, nas demais opiniões que de todos os lados vão chegando, com todo o tipo de mensagens e de descobertas.


Descoberta, sim, ao que parece, um mundo que ninguém conhecia, veio á superfície, pelas mãos "dos jovens bestas" (Daily Mail) "dos arruaceiros que deviam ser atirados ao mar "( MST Expresso), "gente sem valor humano e moral" (Bishop of Manchester) etc etc.

Nesta semana, ao que se parece, a humanidade descobriu que existe violência, que existem pessoas capazes de a cometer, que muitos deles são jovens, que nenhum é banqueiro ou industrial, ou possuídor de acção de investimento. Pelo contrário, é mesmo coisa das gentes pobres, do gentío dos bairros sociais, desses tais que vivem á conta dos benefícios sociais, tem sido a vulgar "epístola" para os sermões que nos vão chegando.

A direita diz que a sociedade está minada de violência, que roubam e incendeiam as propríedades privadas, que destróiem a vida das pessoas, semeando o mêdo e o ...(estamos quase no limiar do terrorismo, agora que Bin Laden está morto).

Mas, esperem, a direita fala de sociedade? Bem, a mãe dos conservadores Ingleses Lady Thatcher disse que " There's no such thing, society". (não há tal coisa, sociedade) por isso não sabemos bem do que eles falam. Se falam dos muitos particípantes dos tumultos, se dos muitos grupos económicos que foram saqueados e que em reuniões informais com o governo Inglês ( saíndo pela porta traseira de Downing street, como Rupert Murdoch usava fazer) pedem justiça aos criminosos "terroristas" que saquearam os seus estabelecimentos.

-"os maiores prejuízos"- dirão com semblante carregado, os Peter Greens e os Richard Bransons deste mundo, apesar de estarem coberto pelos seguros e poderam reclamar as verbas compensatórias do 1886 Riots Act, pago pelos contribuíntes que realmente pagam impostos, o que não é o caso de muitos destas" víctimas "das maiores atrocidades de todos os tempos", segundo alguns comentadores, já em orgasmos mentais de definir quem eram afinal os meliantes e parecendo branquear toda a história dos homens por este mundo afora.

As versões sobre quem partícipou nos tumultos, também foi mudando, consoânte as opiniões assim foram também mudando.

Eram jovens emigrantes desempregados, depois eram crianças, depois passaram a jovens empregados mas gananciosos, agora já são novamente jovens desempregados que sobrevivem com benefícios sociais, que o governo ameaça agora cortar, não só aos ditos, mas também ás suas famílias o que cria um novo conceito de justiça, a justiça extensível, por consanguínidade.

Os média publicam tudo, no entanto, fazem o seu trabalho de sapa, vão dando mais ou menos enfoque ao que consideram de acordo com as regras de quem puxa os cordelinhos.

A religião faz também o que lhe compete, diz não á violência e ao ataque á propriedade privada, -são as familías disfuncionais, é a falta da figura paterna, são as mães adolescentes, a falta de identidade cristã, a falta de moral - razões que cheguem para justificar haver uma intervenção na sociedade (mais sociedade?) e trazer de novo a paz e a ordem ao povo de deus, não se sabe bem como o planeiam fazer, restando-me a mim, imaginar algum plano divino que, como ateu que sou, não compreendo nem consigo descortinar.

Mas nada disto admira; as contradições, os zig zags, a culpa dos mesmos de sempre, o julgamento na praça pública, ou ser culpado antes de ter sido julgado. Nada disto é novo na história do Homem, neste mundo.

O capitalismo vive disto mesmo, de gerir as contradições e de as tornar aceitáveis, pois sendo a parte menos numerosa, por entre os homens e detendo o poder apenas do capital, o que pode fazer para se defender é pagar, envolver parte dos oprimidos na sua própria defesa, fazendo-lhes crer que também estão a ser atacados.

Todo esta súmula está coerente com o que seria de esperar, destes meios conservadores e pouco interessados na vida das pessoas que não sejam da classe deles. Nada de novo por este lado.

Vamos agora analisar o que se vai dizendo á esquerda.

Ouve-se de tudo, não existindo um consenso mais do que necessário para que haja uma exigência forte e estruturada em apurar as causas e procurar soluções colectivas e não indivíduais da eventual punição e show off para futuros exemplos, que nunca vai resolver nada.

Mas o pior está na moralização consecutiva que se lê e ouve, acerca dos actos que se realizáram durante os tumultos, que muitos se apressam a críticar para se sair bem na fotografia e não acabar como Darcus Hower, "um terrivel motineiro", na visão da descabrada jornalista da BBC, Fiona Armstrong.

Não, alguns esquerdistas (?) não querem ser acusados de serem a favor dos saques e das pilhagens, ou da violência, "não é assim", dizem, "que se muda a sociedade, com violência e pilhagens, com incendios e tumultos nas ruas", como se alguém pudesse ser acusado do que não fez mas só pelo simpes facto de compreender a razão porque os outros o fizeram.

"Este não foi um real movimento de massas " dizem outros, salientando" são jovens consumistas, que querem roubar e então aproveitam todas as ocasiões", " vandalos". Mas então, qual era a ocasião do tumulto? E afinal, de que nasceu a ocasião? Não houve uma causa? Ou várias?

Outros dizem que " o verdadeiro objectivo dos motineiros era atacar as lojas e roubar bens e materiais de consumo que não podem adquirir" Mas, então, consideram estes arautos do socialismo que tudo foi apenas uma encenacão, um pretexto para se roubarem uns quantos blackberries e outros artigos e nada mais lógico que fazê-lo através da organização de um motim?

A direita conseguiu uma coisa memorável, sem duvida, que foi desviar a nossa atenção dos verdadeiros problemas e focá-los nos prejuízos que alguns comerciantes possam ter, nos vários jovens que foram detidos e já julgados, sentencíados á "pena mais dura" (Cameron), não pela suposta acção que cometeram, mas para exemplo, que a sociedade (outra vez a sociedade), tem de receber, para o futuro. Deixou de existir uma noção colectiva do movimento e passou a haver uma noção individual e alguns embarcaram neste barco, dourado.

Era a questão dos tenis de marca, era os telemóveis, depois foi a propaganda ao estilo nazi-Riefenstahl do dia das vassouras, "para mostrar a comunidade forte que existe em Londres" como afirmou Boris Johnson, o Mayor de Londres.

Não tenhamos dúvidas, saquear e não é roubar, saquear é um acto político, de revolta, de ódio social que uma classe demasiádamente explorada comete, contra o alvo que é considerado inatingível. Normalmente os bens de consumo, são os alvos, porque não é uma humilhação momentânea que só acontece uma vez e que as pessoas possam entender e aceitar, mas é uma humilhação constante e pesada, ser confrontado por um mundo carregado de todos os tipos de luxos e outros, que o capitalismo mete pelos olhos a dentro dos cidadãos e depois não poder adquirí-los apenas porque, não se tem dinheiro, porque a sociedade não permite mobilidade social, nem dá condições de igualdade.

Não é o mesmo estudar em Etton ou numa qualquer comprehensive school. (escola Publica)

Em 1871, aquando do levantamento da primeira revolta da Comuna Francesa, com a parcial ocupação territorial, aos bravos homens e mulheres foram chamados todos os nomes e os de sempre, o poder capitalista e imperialista, a Igreja, a petit bourgoisie, todos pediram as cabeças daqueles que tinham cometido o lesa-propriedade privada. (mais tarde acabaram por te-las)

Também estes homens e mulheres, saquearam e apropriaram-se de muitos bens que não lhes eram acessiveis e distribuíram-nos pela população. A carne, por exemplo.

Bertolt Brecth escreveu uma vez, (aqui numa tradução livre), que " a corrente forte de um rio é chamada de violenta com o que leva na frente, mas ninguém vê a violencia com que se trata o leito do rio."

Voltam então a cometer os mesmos erros, a corrente do rio agora parece violenta, ninguém a quer aceitar, já ninguém olha para o leito do rio, nem para as margens. Mas o facto, é que essa violência existe e está lá, não vale a pena assobiar para o lado, só porque uns quantos deles assaltaram lojas e infelizmente, mataram pessoas.

Devem ser julgados por isso, claro que sim, aqui ninguém se opõe, mas devem ser apresentadas as causas, o porquê de uma geração de jovens arriscar toda uma vida por uma acção dessas.

È estas causas que temos de entender, porquê jovens saíram á rua e fizeram o que fizeram? Será porque vivem cómodamente, será que vivem uma vida pacífica, sem violência, sem serem afectados pelos custos que são cobrados só por se viver, na sociedade que Lady Thatcher dizia não existir?

Mas toda esta revolta não será mais profunda que isso? Do que pensar em ter um telemóvel ou um laptop ultímo modelo e organizar um saque em multiplas cidades.

A direita descobriu que ao pisar pessoas, elas fazem barulho e partem coisas. Não é novo, mas parece que estava já esquecido, nesta Europa de remansos flutuantes, onde esta barca navega ao balanço das águas. – afinal há pessoas aqui por debaixo!!- dizem agora alguns parladores de ocasião.

E como é irónico, depois dos tumultos na Tunisia, no Egipto, na Libia e na Siria, seja um crime de lesa-humanidade tão chocante, acontecer um em Londres, em Birmingham ou em Manchester. È irónico que parte da História deste País tenha sido feita á base de tumultos e de desobediência civil, que a sua democracia tenha sido forjada por esses homens e mulheres que deram a vida nos mais diversos pontos do País, fosse em Llanelli, em 1911, nos grandes levantamentos dos ferroviários, fosse no Bloody Sunday em Belfast, fosse nas manisfestações contra Heath durante os anos 70, fosse nas greves dos mineiros, com 9 mêses de greve em 84-85, fosse em 81 em Brixton, fosse em tantas ou tantos mais movimentos de massas que duma forma ou de outra, confrontaram o capital, que se opuseram aos reaccionários e ás suas politícas.

Não foi o levantamento dos camponeses Franceses, em 1789, no período do grande mêdo, que deu marcha a revolução Francesa, não foram atacadas e saqueadas as casas senhoríais, dando origem ao fim do período que chamamos de feudalismo?

Certos esquerdistas gostam de ler, fazer reuniões e relembrar estes acontecimentos, mas parece que não os compreendem quando eles acontecem ao vivo, numa esquina aqui perto.

Claro que dizem, "não se comparam", "não é a mesma coisa". Não sabemos se o são ou não, neste momento, mas são movimentos sociais que de uma forma ou de outra afectam a sociedade, afectam as suas politicas.

Este acontecimento está a criar fissuras na coligação de Cameron e Clegg, sabendo-se que vão começar os cortes orçamentais previstos, não vai ser fácil para o governo viver alegremente como se nada tivesse acontecido.

Alguns dizem, "sim mas este acontecimento justifica ao governo, uma maior repressão". Sim é verdade, mas maior repressão trás mais descontentamento, porque vai apanhar todos por tabela, porque não é justo e porque as pessoas irão compreender que não foi nos tumultos que começaram os problemas.

Pode-se dizer que este acontecimento criou uma camisa de muitas mangas, para Cameron e que vai continuar a criar, porque muitos membros do governo aparecem todos os dias a lançar baforadas racistas e de duvidável inteligência que as próprias pessoas começam a aperceber-se , afinal, quem são os que as governam.

Por fim dizer que este foi um acontecimento político, foi um movimento de massas, que apesar de não ter estrutura organizada, como todos os movimentos de massas, afectou e vai afectar a sociedade...

Que para a Lady Thatcher, já o referi, não existe.

José Biern Boyd Perfeito

15082011


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