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Carlos Taibo

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Queda do império

Assédio sobre o movimento 15-M

Carlos Taibo - Publicado: Domingo, 19 Junho 2011 02:00

Carlos Taibo

No transcurso do último mês o movimento 15-M foi objeto de duas grandes operações de assédio gizadas nos circuitos de poder político, económico e mediático.


A primeira, já concluída, teve como objeto transmitir uma imagem do movimento que tornava este numa engraçada festa de jovens zangados que pouco mais pediam que umas quantas palavras de compreensão do lado dos nossos magnánimos dirigentes. A dimensão de contestação frontal de um sistema infumável, que estava claramente presente nos alicerces do movimento, parecia não existir aos olhos dos porta-vozes da ordem estabelecida. Se alguns deles chegaram a dizer-nos que esses jovens irados não faziam senão voltar a pôr sobre a mesa o programa que Rodríguez Zapatero promovera, para depois o esquecer, em 2004 --quanta estultícia concentrada num só argumento--, nos últimos dias correu por aí uma hilariante publicidade da Fundação Alternativas --um dos seus patronos é esse vigarista da política chamado Felipe González-- que nos lembra que dessa instituição já se propuseram alternativas objetivas à indignação… Entre elas, cabe supor, a de reclamar que de aqui por diante seja proibido que um ex-presidente do Governo possa cobrar quantidades ingentes de dinheiro de imorais empresas privadas do setor energético.

A segunda ofensiva foi despregada com singular força nos últimos dias. Tenho diante um exemplar do diário El País da quinta-feira 16 de maio, o dia seguinte ao dos factos acontecidos nas redondezas do parlamento catalão. O mais normal que há numas páginas inçadas de intoxicação e enganos é a pastoral sugestão de que não pode confundir-se o todo de um movimento pacífico com a parte de uns supostos manifestantes entregados à violência. Interpreto essas páginas como uma declaração de guerra contra umas pessoas que, após demonstrar sobradamente que vão a sério e que têm para longo, começaram a resultar inevitavelmente molestas.

Acho que nestas horas, e à vista do que recolhem várias gravações espalhadas por aí, não há motivo para a hesitação no que se refere à presença de provocadores policiais em muitas concentrações e acampamentos. Mas, para além disto, é-me impossível deixar de lado o que já sabíamos graças ao acontecido ao calor de muitas das manifestações que, nos últimos anos, contestaram a miséria da globalização capitalista. Esses lamentáveis meios de incomunicação que padecemos concentravam a sua atenção no apedrejamento da montra de uns grandes armazéns para, consciente e pundonorosamente, esquecer todo o demais. E entre todo o demais que esqueciam estava, claro, a violência constante que caracteriza os sistemas que padecemos: a de muitos empresários sobre os seus trabalhadores, a de tantos varões sobre as suas mulheres, a dos nossos polícias sobre as pessoas sem visto, a que todos desenvolvemos contra a natureza e, por deixá-lo aí, a que assume a forma de genuínas guerras de rapina encaminhadas a privar de recursos básicos os povos mais pobres. Hoje como ontem este culpável e chamativo esquecimento merece o nosso rechaço mais enérgico, que não podemos fazer outra coisa que trasladar a tantos profissionais do jornalismo que, com toda certeza, poderiam fazer muito mais do que fazem.

Tenho de prestar atenção, aliás, a um episódio singular: o que aconteceu com Cayo Lara, uma pessoa respeitável, na manhã da quarta-feira 15, com ocasião de uma concentração que, em Madri, permitiu travar um despejo. O El País, o inefável El País, intitulou assim a nova correspondente: ‘Um despejo menos, uma agressão mais’. Um indicador sólido do nervosismo que assedia os circuitos oficiais achega-o, por falarmos nisso, o facto de que o El País acuda em suposta defesa do coordenador geral de Esquerda Unida. Quem te viu e quem te vê. Mau é que haja quem prefira ignorar o que aconteceu: ninguém recriminou a Lara que estivesse presente na concentração que me ocupa. Só isso faltava! As recriminações --e o que o sistema entende que é um reprovável ato de violência: deitaram água ao afetado-- surgiram quando Lara não apreciou problema algum em responder às perguntas que lhe realizavam os jornalistas. Os nossos dirigentes políticos, incluídos os mais sensatos, não parecem perceber que as coisas estão mudando rapidamente e de que ao militante de base --não há outro-- do movimento 15-M lhe repugna que alguém se atribua a faculdade de o representar. Há quem diga, claro, com argumento nada desprezível, que boa parte da culpa do acontecido corresponde, uma vez mais, aos jornalistas, que pelos vistos sobre-entendem que nada de interesse podem dizer os cidadãos comuns e que, assim sendo, se impõe dar a palavra a um responsável político ou a um santão intelectual. A orgulhosa veia libertária do ’não nos representam’ pulou como uma mola afortunada. E fê-lo de tal maneira que não tenho dúvida de que Cayo Lara aprendeu a lição.

Só resta enunciar uma firme convicção: a de que também neste terreno embrenhamos num mundo diferente do que conhecemos durante demasiados anos. Se antes a violência exercida contra os movimentos contestatários pouco mais provocava que medo e retirada, agora suscita uma franca vontade de encerrar filas em torno à contestação. E torna-se num interessante estímulo para esta.


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