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Alexandre Haubrich

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Espelhismos

Redescobrindo a esperança como emancipação

Alexandre Haubrich - Publicado: Sexta, 04 Março 2011 01:00

Alexandre Haubrich

Dinamizar a própria vida é uma necessidade básica do ser humano. A estática é antissocial e, na medida em que entendemos o homem como um ser social, a estática é antinatural. O homem necessita instintiva e racionalmente de algo para buscar, qualquer objetivo que seja, ou sucumbe à petrificação. A necessidade de movimento, de busca, é onde se baseia o conceito de vivência humana, em contraposição à sumária sobrevivência, realizada pelos demais animais.


A educação, referida no último texto desta coluna, é, em sua esfera institucional, mecanismo de controle do Estado sobre os cidadãos, mas é também o reconhecimento, por estes e por aquele, da incompletude crônica do ser humano. De uma forma ou de outra, na escola o indivíduo se submete a certas regras para receber novos conhecimentos, para “evoluir”, para aprimorar-se. A educação familiar, a mídia e outras instituições também participam objetivamente dessa dinâmica, mas, na verdade, todos os indivíduos participam indiretamente, em níveis variados, do aprimoramento dos outros indivíduos e, em seu conjunto, da sociedade. Tudo pela necessidade – inescapável socialmente – da busca por mais. Mas mais o quê?

A educação, formal ou informal, só é necessária a partir do momento em que entendemos todos os homens e mulheres como seres incompletos. A consciência da própria incompletude, por sua vez, faz da busca por mais, por ser mais, uma necessidade. Por ser mais, não por ter mais. A consciência dessa necessidade tende à esperança, pois não pode haver busca sem esperança. A propaganda capitalista, porém, distorceu essa busca e, por consequência, essa esperança. A busca por ser mais foi desviada pela publicidade para a busca por ter mais, como se ter mais fosse, por extensão, ser mais. A esperança de se tornar cada vez mais sujeito fez do homem cada vez mais objeto, ao ser travestida de esperança de ganhar mais dinheiro.

A luta pela própria ascensão social está fantasiada de luta pela própria independência, mas, na verdade, o que faz é tornar o homem ainda mais dependente. Dependente do capital. A busca por autonomia, por liberdade, por ser mais, natural no homem, foi subvertida em busca por capital. A propaganda capitalista tornou o capital responsável pela autonomia, pela descoisificação. Na verdade, o que essa nova busca faz é apenas tornar o homem ainda mais escravo de outros homens e do próprio capital. Não possibilita autonomia. Torna o homem objeto do capital e faz com que este homem lute por tornar-se sujeito de outros homens, coisificando-os. Buscando o capital como forma de autonomia, o homem coisifica-se frente ao que deveria ser seu objeto e torna objeto quem deveria ser outro sujeito.

A esperança e a atitude de busca, porém, são também necessidades revolucionárias. “Sonha e serás livre de espírito, luta e serás livre na vida”, disse Ernesto Guevara. O sonho e a esperança são itens primários na tarefa da luta, sem eles não pode haver ação revolucionária. Mas a esperança de ser mais, direcionada pela propaganda capitalista para o consumo, deve ser redirecionada, pela conscientização, para a politização emancipatória e para a luta por liberdade e autonomia, a luta por tornar-se sujeito.

Não há mudança sem esperança. Sem a crença e a percepção racional da possibilidade de mudar tendemos a mantermo-nos estáticos. Na atual situação mundial, a estática ou a mobilidade mínima é a manutenção da opressão, da desigualdade, da injustiça. A manutenção do sistema capitalista é a continuação da miséria, da ignorância, do silêncio, da dominação econômica e cultural de muitos por poucos. É a sequência da escravidão, da exclusão, do individualismo e de todos os males específicos causados direta ou indiretamente por esses males maiores típicos da natureza capitalista. Por isso é preciso mudar. E para mudar é preciso crer na possibilidade de mudança. É claro que é também necessário o entendimento racional dessa possibilidade, mas a busca pelo entendimento só pode partir da esperança.

Um caminho necessário à esquerda revolucionária é, portanto, a criação de mecanismos que possibilitem aos indivíduos desembocar sua natural esperança na busca por sua sujeitização, partindo, obviamente, do entendimento de que essa busca só pode ser feita em conjunto, como resultado de luta coletiva por uma nova sociedade, refundada sobre marcos de liberdade real, de democracia como poder popular.

A direita neoliberal e centro trabalham juntos, ainda que de formas diferentes e com variáveis importantes, para a manutenção do sistema de privilégios, que alimenta nos indivíduos a busca incessante por capital para consumir. Cabe à esquerda, portanto, disputar a hegemonia política em conjunto com o povo, na defesa da humanização das relações, estabelecidas hoje sobre um paradigma puramente mercadológico, no qual o próprio homem, como dito anteriormente, torna-se objeto ao submeter-se a outros homens e às próprias mercadorias.

Enquanto a estabilidade das relações e das formas de esperança mercadológicas for mantida, o ser estará sempre submetido ao ter, o que leva necessariamente à cultura da competição geradora do ódio, da desunião, da destruição, da violência, da opressão. Ao contrário da prática alienante fundamental ao capitalismo, porém, a construção revolucionária parte essencialmente do pensamento crítico, ou seja, é racional, não publicitária; deve ser consciente, não manipulada.

Se a esperança e a ação proveniente desse sentimento estão presentes na natureza humana como ser social, e se a esperança é um elemento sine qua non em qualquer processo revolucionário verdadeiramente popular, a tarefa que se impõe é redirecionar essa ânsia para a busca pelo ser mais como contraposição ao ter mais – não como item contido neste.

Para que se alcance essa reconscientização, é preciso que as organizações de esquerda e os agentes comprometidos com o ideal revolucionário popular se encontrem dialogicamente com o povo. É nesse diálogo que, em conjunto, se constrói a consciência da necessidade de buscar tornar-se sujeito, tornar-se um ator social protagonista e ajudar a construir essa possibilidade para os outros. O entendimento de cada homem como sujeito social e como sujeito de si próprio é a base para a recriação da esperança como elemento propulsor da busca por ser mais. E, ao mesmo tempo em que esse entendimento é construído, ele deve ser praticado. Ou seja, o agente revolucionário, ao trabalhar com a base, deve praticar juntamente com os indivíduos envolvidos a autonomia e a sujeitização. O trabalho de base revolucionário deve ser emancipatório, jamais publicitário e alienante.

Ao mesmo tempo em que constrói a consciência da necessidade do ser mais, esse trabalho de base deve desde já exercitar a autonomia, construí-la também de forma empírica, e aí está a primeira razão para que o diálogo, e não o simples depósito de conhecimento, seja a prática desse trabalho. A segunda razão, não menos importante, é a incompletude também do agente político inicial, estimulador da politização popular.

No diálogo, ambos os indivíduos agem como sujeitos e ambos são preenchidos com novas experiências, novos conhecimentos. Praticam a autonomia enquanto a constroem. Constroem o ser mais enquanto o praticam, e admitem e estimulam que o outro faça o mesmo. Dessa forma, o ter mais perde importância, e a esperança torna-se busca por uma sociedade democrática, na qual todos tenham vozes iguais e respeitadas como tal.


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