Quem eram aqueles galegos e porque eram o alvo da fúria do povo brasileiro? Sem excluir que alguns deles fossem “autênticos” galegos da Galiza, os investigadores da questão têm concluído que eles eram na maior parte imigrantes portugueses chegados das regiões mais pauperizadas do país luso. A carioca Gladys Sabina Ribeiro, no seu livro “Mata galegos: os portugueses e os conflitos de trabalho na República Velha” assinalava como característico dos operários portugueses a sua vontade de trabalhar muito duro para enriquecer dum jeito que na altura era impossível no seu proprio país. O facto de aceitarem salários baixos e de terem predisposição para o trabalho convertera-os em muito impopulares entre os operários nacionais, com os quais entravam em concorrência no mundo laboral. Para além disso, os conflitos entre brasileiros e imigrantes envolviam também um elemento “racial”: os trabalhadores vindos da Europa eram brancos, e eram considerados como superiores aos trabalhadores nacionais, os antigos escravos pretos, que então ficaram deslocados dalguns sectores do mundo do trabalho.
A desinteligência entre portugueses e brasileiros também não era nova. Na sequência da independência do Brasil a respeito da metrópole, o sentimento antilusitano enraizou-se no povo brasileiro. Naquela altura já houvera conflitos da importância da chamada “Noite das garrafadas”, em 13 de Março de 1831, quando populares brasileiros atacaram com pedras e garrafas o imperador Pedro I e os portugueses que o defendiam. No século XIX, os imigrantes lusos que tinham feito dinheiro e exploravam então os brasileiros, e os novos imigrantes que chegavam ao Brasil para venderem a força de trabalho, converteram-se em inimigos dos nacionais. E aquele ódio deu passagem à violência dos episódios de “mata galegos”, aos quais foi acrescentada em ocasiões a palavra de ordem “quem mata galegos não tem crime”.
O facto de os brasileiros usarem a palavra “galego” para nomear os imigrantes portugueses era um modo de os insultarem, pois eram os próprios portugueses que em Portugal utilizavam aquela palavra para designar os operários que faziam o trabalho mais pesado e percebiam por ele os salários mais baixos: os “galegos” da Galiza. Ainda hoje os dicionários de língua portuguesa recolhem várias acepções depreciativas da palavra “galego”, incluindo a brasileira que designa o “português de baixa instrução”*.
Mais uma vez, os conflitos entre imigrantes e nacionais revelam as tensões geradas pelo incipiente capitalismo: a substituição dos valores tradicionais da vida camponesa pelo supremo valor do dinheiro deu origem à luta de todos contra todos. Foi o nascimento das ideias e a prática do socialismo o que de algum jeito serviu para atenuar aquele conflito. Muitos brasileiros, portugueses, galegos e imigrantes doutros países deixaram de brigar entre eles e começaram a lutar juntos no movimento operário para enfrentarem os problemas que eram comuns a quase todos eles.
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* Tem algum interesse a resposta dos responsáveis de um dicionário on-line da língua portuguesa à pergunta de um utente galego sobre as acepções depreciativas da palavra “galego” (http://www.flip.pt/tabid/325/Default.aspx?DID=4388). Acredito que a resposta é bem pouco satisfatória, pois nada esclarece sobre a persistência do uso actual daquelas acepções e também não avalia a conveniência de manter esse tipo de expressões xenófobas no dicionário.