1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (4 Votos)
Lucas Morais

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora

Crítica radical

Governo Dilma: Perspectivas e colaboração de classes

Lucas Morais - Publicado: Quinta, 27 Janeiro 2011 01:00

Lucas de Mendonça Morais

Em 1985 teve início a chamada “transição democrática” do regime da ditadura militar ao governo democrático liberal de José Sarney, governo que enfrentou 15 mil greves, em uma operação que preservou os interesses estratégicos das oligarquias e monopólios capitalistas brasileiros e do grande capital estrangeiro. O PMDB, partido liberal tolerado pela ditadura militar brasileira para fornecer uma imagem internacional “democrática”, retorna vigoroso ao Executivo, desta vez sob a pele de Michel Temer, ex-presidente do PMDB, vice-presidente da República e agente direto do lobby político de seu partido e dos mais diversos estratos da classe capitalista. Os loteamentos partidários, a despreocupação com a capacidade técnica dos ministros e o descaso com a opinião pública em relação aos nomes do governo se manteve como nos governos anteriores.


Abaixo da presidenta eleita, Dilma Rousseff, e seu vice, são doze (de 25) ministérios comandados pelo PT, entre eles, o Planejamento, Casa Civil, Justiça, Saúde, Fazenda, Educação e Comunicação. Já o PMDB possui seis ministérios, com destaque para Defesa (Nelson Jobim, ex-ministro de Justiça de FHC em 1995-1997, e que poderia muito bem ser chamado de ministro da Defesa dos EUA), Previdência, Minas e Energia (Édison Lobão, aquele que explicou o mega-apagão de 2009 como motivado pelas chuvas e trovoadas) e Agricultura. O PDT continua com Carlos Lupi à frente do ministério do Trabalho, PCdoB com Orlando Silva na pasta de Esporte e o PR à frente de Transportes. Os ministérios do Meio Ambiente, Relações Externas e Cultura foram ocupados por políticos não partidários. Para o professor e historiador Mário Maestri, a designação do general Carvalho Siqueira, ex-comandante da ocupação militar no Haiti, para o Gabinete de Segurança Institucional, sugere ainda uma vontade de aproximação ao governo dos EUA.

Este governo encontra, entre diversos outros problemas, um país endividado, com a economia desnacionalizada e em processo de desindustrialização.

Inflação e austeridade para os trabalhadores, lucros para os capitalistas

No Orçamento Geral da União de 2009 temos gastos de 2,8% com Trabalho, 2,88% com Educação, 4,64% com Saúde, Gestão Ambiental com 0,16%, Urbanismo com 0,15%, Cultura com 0,06%, Desporto e Lazer com 0,01% e, finalmente, Juros e Amortização da Dívida com 35,57%. A Previdência Social tem 25,91% mas aí o grosso deste valor é contribuição previdenciária dos próprios trabalhadores.

A nomeação dos ministérios do Governo Dilma Rousseff, com Palocci (Casa Civil) e Mantega (Fazenda) à frente, indica um início de governo de austeridade e que promoverá políticas que, ao contrário do que afirmou em seu programa sobre a “erradicação da miséria”, favorecerão o capital e atacará o trabalho.

Podemos observar esta tendência, por exemplo, no aumento da taxa básica de juros de 10,75% para 11,25%, o que proporciona mais lucros para os bancos e agências de crédito. Outro indicativo é o aumento do salário mínimo para R$ 545,00, abaixo da inflação de 5,91% em 2010 – a mais alta dos últimos seis anos. Por outro lado, dependendo das negociações com as centrais sindicais, os recursos para um aumento de até R$ 560 viriam de uma reserva R$ 6,6 bilhões, que custaria R$ 5,6 bilhões. Além disso, R$ 1 bilhão podem ser usados para ampliar o Bolsa Família. Entretanto, o salário constitucional, o chamado Salário do DIEESE, é hoje de R$ 2.222,99 (http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminMenu09-05.xml), que equivale a 7,6 cestas básicas. Sendo a valorização do salário mínimo o instrumento mais poderoso e eficaz no combate à miséria (como foi de fato valorizado sob o Governo Lula), o governo propor a “erradicação da miséria” em sua plataforma propondo um teto de R$ 600,00 para o salário mínimo em 2011 é tão ilusório quanto acreditar que programa Fome Zero, do Governo Lula, pudesse também erradicar a fome na população brasileira.

Dentre os fatores que levaram a este aumento inflacionário está a forte demanda chinesa por alimentação, o que encareceu muitas mercadorias alimentícias de exportação. A soja, as carnes (30%), o café, o feijão carioca (63,62%), o açúcar (25,29%) e o algodão tiveram aumentos. Para se ter ideia, no final de 2009, um quilo de carne custava em média R$ 15,00 e, no final do ano passado, o preço saltou para R$ 19,50, um aumento considerável para o bolso dos trabalhadores que vivem com um salário mínimo. O peso dos alimentos no índice inflacionário foi de 40%, ou seja, dos 5,91% da inflação, 2,34 pontos percentuais são devido ao aumento dos gêneros alimentícios. Os aumentos nos valores dos aluguéis (7,4%), condomínio (7,1%) e artigos domésticos (3,53%) também foram significativos no ano passado. Além disso, transportes (2,41%) e comunicação (0,88%) também contribuíram para o aumento da inflação.

Pelo texto final do Orçamento Geral da União para 2011 as despesas representam R$ 2,07 trilhões. Desse total, R$ 678,5 bilhões referem-se à rolagem da dívida pública, o que representa um terço do orçamento. O Orçamento efetivo de investimento e custeio (manutenção da máquina pública) é de R$ 1,39 trilhão, incluídas as despesas da seguridade social e os investimentos das estatais (R$ 107,5 bilhões). O orçamento destina ainda R$ 63,5 bilhões para investimentos do governo federal. O texto aprovado no congresso no fim de 2009 reserva R$ 12,1 bilhões para emendas parlamentares.  Para despesas com pessoal do governo, estão reservados R$ 199,7 bilhões (mais de duas vezes o valor destinado à saúde e quase pouco menos de quatro de educação). O orçamento prevê ainda R$ 360 milhões para as 12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 – R$ 30 milhões para cada uma delas.

Já a saúde contará com apenas míseros R$ 70,9 bilhões no próximo ano, enquanto a educação terá vergonhosos R$ 54 bilhões. Some a isto o fato de que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb – contará em 2011 com R$ 1,4 bilhões menos do que o previsto na Constituição. A Constituição exige que o governo complemente o Fundeb com pelo menos 10% da contribuição total de Estados e municípios. Para 2011, isso seria equivalente a R$ 9,1 bilhões. Entretanto, o governo destinou apenas R$ 8,9 bilhões e uma parte disso (R$ 1,2 bilhão) já será destinada à complementação do ano de 2010, uma vez que a lei permite que 15% de repasse seja feito até 31 de janeiro do exercício seguinte. A dotação real para este ano vai se reduzir, portanto, a R$ 7,7 bilhões, valor 15,4% inferior ao mínimo constitucional. Esta política de desvalorização sistêmica tem levado ao rebaixamento progressivo do nível de educação, que vem criando gerações e gerações de semialfabetizados. 75% da população não possui o domínio pleno da leitura, da escrita e das operações matemáticas, ou seja, apenas 1 de cada 4 brasileiros (25% da população) são plenamente alfabetizados.

Como se vê, a austeridade chega inclusive à educação, área que o governo promete investir 7% do orçamento até o final do mandato. Será necessário uma verdadeira revolução orçamentária para mais que duplicar o orçamento previsto para a educação que, hoje, não passa de 3% do orçamento da União. Tal austeridade deve se prolongar à previdência, que tem Garibaldi Alves Filho (PMDB) à frente, pronto para ser o homem da reforma previdenciária, e à saúde, com Alexandre Padilha (PT) à frente, com um orçamento catastrófico, que martiriza milhões de trabalhadores, enquanto a plataforma do governo possui dezenas de promessas.

Os sistemas de transportes urbanos se transformaram em um verdadeiro caos, e possuem menos de 1% de gasto previsto no orçamento geral da União. Enquanto isto, há um déficit de mais de 10 milhões de moradias populares esperando por solução. O Brasil tem atualmente uma população carcerária de 494.237 presos e cerca de 60 mil agentes penitenciários, tendo subido 143,91% o número de presos entre 1995 e 2005. Estão aí mais alguns desafios gigantescos para o governo.

Além disso, problemas ambientais são agravados, a qualidade da vida das pessoas é gravemente afetada, ao ponto de 90% das pessoas da capital São Paulo se sentirem agredidas com problemas respiratórios em função da poluição, stress pela poluição sonora, para não dizer sobre o irracionalismo da política de trânsito que favorece as montadoras e agências de crédito, lotando as ruas com carros até a chegada do dia em que o trânsito em dias de semana será engarrafamentos permanentes. Em termos nacionais, a política de favorecimento das indústrias e transnacionais rodoviárias, lesa o desenvolvimento e a integração nacional pela exclusão de projetos de ferrovias (esmagadas cada dia mais as que restam).

Infraero: a privatização do espaço aéreo

Mantega: "É importante mudar a estrutura da Infraero. Primeiramente, precisamos mudar a sua governança e modernizá-la, para preparar sua entrada na bolsa" (Financial Times, 10/1/2011). "Nós devemos tomar medidas drásticas para aumentar a capacidade da aviação e toda a infraestrutura" (idem), declarou.

Somente nos últimos dois anos o setor aéreo cresceu 35% no Brasil. O faturamento em 2009 foi de R$ 2,61 bilhões. No caso da Infraero, antes de oferecer as ações da empresa para o mercado financeiro, o governo pretende investir R$ 6,5 bilhões, sendo que destes R$ 5,5 bilhões, 80% do total, vai para as 12 cidades-sede que irão realizar os jogos da copa.

O Brasil tem 67 aeroportos e a Infraero controla atualmente 97% de todo o tráfego aéreo. Destes, 20 são considerados os principais aeroportos do País. Entre estes 20, sete possuem terminais e pátios cheios devido ao aumento do número de passageiros nos últimos anos. Para a Copa do Mundo, apenas quatro aeroportos de 12 que sediarão as atividades esportivas estariam com condições de infra-estrutura para suportar o volume de passageiros esperado.

A ordem aqui é investir para preparar o terreno para a privatização, com a desculpa do preparo para a Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2018.

Desnacionalização da economia

A desnacionalização da economia brasileira continua em um processo cada vez mais intenso, como a exploração das transnacionais na Amazônia, o fortalecimento e ampliação da presença do agronegócio (Bayer, a Basf, Syngenta, Monsanto, Du Pont, Shell química etc), a privatização da CSN, Vale, Embraer, empresas de energia e bancos públicos, rodovias, portos, ferrovias, a anunciada privatização de aeroportos, a privatização do petróleo nos leilões, o espectro da privatização dos Correios e o pesadelo da privatização das telecomunicações, que cobram o mais alto valor no mundo para a prestação destes serviços, em um país que possui mais 200 milhões de celulares, mais que a própria população. Para se ter ideia, as transnacionais transferiram para as suas matrizes entre 1995 e 2008 remessas de lucro que somam R$ 292,2 bilhões. Até 1990, havia no Brasil mais de 300 bancos comerciais e múltiplos, e, depois do governo de Fernando Henrique Cardoso restaram apenas 10, sendo 7 estrangeiros: Santander, HSBC, Citibank, UBS Pactual, ABN Amro, Deutsche Bank e Safra. Itaú, Bradesco e Banco do Brasil completam a lista de grandes bancos nacionais com capital estrangeiro. Estamos falando de um país semicolonial, sem soberania perante os interesses das potências estatais do capitalismo global, como o imperialismo global dos EUA. Todo este aparato outrora controlado e gerenciado pelas instituições do Estado, passíveis de reivindicações e demandas da sociedade em geral pela distribuição de riquezas, passou finalmente às mãos do mercado global. Após a festa de fusões e aquisições em 2008-9, o Banco do Brasil, o Itaú e o Santander se juntaram ao Bradesco e a Caixa Econômica Federal para formarem o grupo dos cinco maiores bancos do Brasil. Juntos, eles detém 64,9% dos ativos, 65,9% do lucro líquido, 81,9% dos funcionários e 86,3% das agências bancárias.

A política de mercado externo deixa a própria economia nacional fragilizada uma vez que não há restrições à importação, enquanto que as exportações são comandadas segundo os interesses das transnacionais ou ao jogo do mercado internacional comandado pelos EUA e pelo Mercado Comum Europeu, todos eles agindo como sanguessugas das economias em desenvolvimento. Esta dependência do mercado exportador/importador e de livre envio de remessas de lucros fez com que, no ano de 2010, o saldo da balança financeira fosse negativo, alcançando os R$ 51 bilhões.

Já a dívida pública salta para além de R$ 2 trilhões, enquanto o Estado mantém um superávit primário que permite ao país pagar os credores uma média de R$ 240 bilhões anuais.

Comunicação

Em entrevista à TV Brasil, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo (PT), concordou que os meios de comunicação de massas (TV e Rádios) no Brasil precisam ser desmonopolizados, "Mas não vamos fazer isso por lei", advertiu. "Não dá para fazer uma lei que diga que vai desconcentrar, até porque não haveria mecanismos para isso." Ora, então o ministro quer confrontar a realidade? A Argentina aprovou a Ley de Medios que prevê uma maior democratização do espectro televisivo e de rádio que anuncia o fim da hegemonia dos oligopólios. Será que as palavras do ministro refletem conhecimento técnico ou simplesmente negligenciam a necessidade de um novo marco regulatório para os meios de comunicação de massa?

Só no setor de televisão, a Globo passou a controlar neste ano 342 empresas; o SBT, 195; a Bandeirantes, 166; e a Record, 142. Além disso, 61 congressistas eleitos em 2010 possuem concessões de rádio e TV. O cenário é de um monopólio/oligopólio absurdo e a resposta que o Governo Federal promete dar nos próximos quatro anos é a massificação da banda larga – que é necessária em um país onde as transnacionais das telecomunicações atuam somente em cidades de médio e grande porte, privilegiando o serviço a bairros comerciais, de classes médias e elites.

Entretanto, a massificação da internet não significa uma democratização efetiva dos meios de comunicação de massas – não nos esqueçamos que a rede mundial de computadores não possui espectros para transmissão para apenas algumas empresas, como na TV e no rádio, portanto não se trata de um “meio de comunicação de massas”, apesar de ser instrumento de comunicação das massas. Os meios de comunicação que atingem mais diretamente as massas são a TV e o rádio, portanto o problema deve ser combatido neste terreno, apesar de que a luta se reforce também com a massificação do acesso à internet e a diversidade de informações que o usuário pode se imbuir.

O governo, e principalmente o PT, por questão de sobrevivência política, deverá rever este posicionamento em relação às concessões das empresas de TV e rádio. Prova disto é a utilização perversa do histórico de resistência à ditadura militar da então candidata Dilma Rousseff, tentando taxá-la como terrorista. Que dizer então da Bolinha de Papel Gate promovida por Ali Kamel em pleno auge das eleições no Jornal Nacional da Rede Globo?

Podemos visualizar a dimensão do problema com a campanha dos oligopólios capitalistas da mídia, primeiro escalão do entreguismo neoliberal capitalista e do imperialismo global, em favor da extradição do “terrorista” Cesare Battisti. Interessa à mídia esta extradição porque uma vitória de um processo jurídico-político tão absurdo como este, baseado em delação premiada, sem provas e julgado à revelia, significará uma vitória do consenso autoritário da direita italiana e, no Brasil, um exemplo do que acontece com aqueles que resistem à ordem, mesmo que seja aquela ordem dos “anos de chumbo” italianos ou brasileiros.

Para a Rede Globo especificamente, ver Berlusconi desfilar com a cabeça de Battisti no parlamento da direita italiana, seria o mesmo que desfilar com a cabeça de Lula no Jornal Nacional e Jornal da Globo, dado que a extradição só é possível com base em um golpe constitucional que pode ser promovido pelo Supremo Tribunal Federal, contrariando as ordens do ex-presidente num precedente perigoso. Para empresas golpistas como a Globo, a extradição significa um cala a boca no Governo Dilma e na autoridade do ex-presidente Lula. Esta campanha adquire uma força brutal, apesar da mobilização pela extradição ser de apenas setores da direita, da mídia e até de uma certa centro-esquerda; nas ruas, somente na Itália houve demonstrações da extrema direita, fascistas e setores de uma esquerda ressentida. O que vale, para eles, é mostrar que o Brasil não é uma nação soberana.

Uma ampla coalizão da direita brasileira, como o PSDB e DEM, os oligopólios desafetos ao PT como a Rede Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Veja (entre outros, conhecidos na blogosfera da esquerda como Partido da imprensa Golpista, por serem politicamente uma espécie de primeira coluna do antipetismo e antissocialismo, de ideologias antitrabalhadores e criminalizantes dos movimentos sociais), começou cedo os ataques. A Folha, por exemplo, conseguiu bater de largada um recorde de golpismo, com 35 manchetes negativas relativas ao Governo Dilma em 7 dias, forçando a barra e tratando o leitor como idiota.

Ditadura militar, abertura de arquivos e Comissão da Verdade

Pauta sensível para o Governo de Dilma, a questão dos direitos humanos deverá ocupar centralidade em algum momento de seu mandato. Mal começou o novo governo e Nelson Jobim vem a público trombetear que a Comissão da Verdade deveria investigar também a atuação dos que resistiram ao regime militar. Do mesmo lado, o general José Elito Siqueira, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, defendeu a estapafúrdia tese de que o país não deva envergonhar-se quando agentes do Estado sequestram, torturam e executam opositores políticos, dando depois sumiço nos restos mortais para ocultarem as provas de seus crimes. A presidenta precisou intervir com bronca, e o general pediu desculpas e alegou que a imprensa o interpretara mal.

O primeiro país que a presidenta Dilma Rousseff irá visitar é a Argentina, no dia 31 de janeiro. Há notícias de que ela vá se encontrar com representantes das Madres de la Plaza de Mayo, o que, se de fato correr assim, indica que a presidenta irá realmente tocar a questão dos direitos humanos e da Comissão da Verdade, dado que o Brasil foi recentemente condenado pela Corte Interamericana de Direitos, que apreciou o desaparecimento dos guerrilheiros que estavam no Araguaia e entendeu a lei de autoanistia de 1979 como ilegítima.

Este julgamento da Corte é um suporte internacional favorável para que Dilma avance na questão da abertura dos arquivos da ditadura militar, da punição dos torturadores e do respeito aos direitos humanos. Entretanto, nesta caixa de marimbondo, como visto, haverá bastante veneno, como demonstrou Nelson Jobim e poderá mostrar seu partido, criando grandes problemas para Dilma, dado que a abertura dos arquivos compromete ainda a direita, os oligopólios e os militares, uma tríade nada fácil de combater politicamente.

Dilma e as perspectivas políticas

A ideia de que a economia está próspera e não sofre nenhuma influência da crise econômica do capitalismo mundial não consegue ser mais sustentada pelo governo. A crise internacional prevalece e já afundou os EUA, que tem hoje cerca de 15 milhões de desempregados. Além dos EUA, a Europa e o Japão também sofrem uma desaceleração que levará os governos a estourarem suas dívidas, como acontece com Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Itália. A França também se encontra muito endividada, e o gendarme da União Europeia e locomotiva econômica, a Alemanha, implementa com toda a força os pacotes de austeridade, ou seja, o ataque às políticas sociais conquistadas pela classe trabalhadora. O Estado, tanto o brasileiro quanto os demais, tornam-se cada vez mais reféns do capital especulativo.

Para os trabalhadores o quadro não é nada confortável. Ainda segundo o historiador Mário Maestri, o balanço central é a derrota econômica, social, política e ideológica dos trabalhadores, que emergem do período desorganizados e fragilizados na confiança em suas forças, programas, organizações e partidos. Derrota de grande dimensão, enquadrada por mais de vinte anos de refluxo do movimento social no mundo e no Brasil, após a vitória da maré liberal de fins dos anos 1980.

O movimento pela reforma agrária, com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra à frente, terá de enfrentar no Ministério da Agricultura o advogado e empresário Wagner Rossi, do PMDB, totalmente ligado às patronais. Mais um indicativo das dificuldades que os movimentos sociais enfrentarão, com o governo privilegiando o agronegócio, e não a agricultura familiar e as cooperativas.

A presidenta Dilma Rousseff se negou a sentar-se com os dirigentes das principais centrais sindicais (CUT e Força) para negociar o aumento do salário mínimo e, para tal, convocou o Secretário Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, que foi um dos principais conselheiros de Lula durante o governo passado e, pelo visto, continuará sendo um dos conselheiros mais próximos de Dilma.

Na política externa, agora com Antonio Patriota (sem partido) à frente, o Governo de Dilma deverá seguir firme a orientação anterior, que é uma certa prioridade com países da África e China, mas agora provavelmente haverá uma intensificação de relações com os Estados Unidos e a Europa, dado que o Brasil tem sido um paraíso para a farra de capitais estrangeiros especulativos e de investimentos de curto e médio prazo.

A Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2018 serão eventos que proverão a garantia de que “tudo irá funcionar bem” para o capitalismo nos próximos anos. Prova disto é a política anticonstitucional que chegou a levar o Exército para forçar a saída de traficantes de morros e favelas estratégicas para assegurar o controle estatal do tráfego de turismo internacional em determinadas avenidas cariocas. De outra parte, a aspiração do Brasil a ingressar no Conselho de Segurança da ONU, da qual as alianças com mais de 50 países na África e a China são estratégicas, também cria um ambiente em que a diplomacia internacional irá pressionar o Brasil e o governo na questão dos direitos humanos, e aí deverá haver um avanço, ainda que tímido, nas questões da ditadura militar e da autoanistia de 1979. A questão é que o capitalismo, por sua dinâmica global, faz com que o Brasil dependa, e muito, dos EUA e da Europa, que ainda são os gendarmes políticos e locomotivas econômicas de fundamental importância para o modelo neocolonial de exportação de commodities (mercadorias) brasileiro. Portanto, para o governo, a aproximação (e consequente subordinação na hierarquia global) com os EUA e a Europa não se trata de uma opção, mas, do ponto de vista capitalista, uma necessidade.

Resta saber se a presidenta Dilma Rousseff e seu governo irão avançar em pautas tão urgentes como a efetiva democratização da comunicação, abertura dos arquivos, julgamento dos torturadores através de uma Comissão da Verdade e a realização da sempre adiada reforma agrária, ou se ajoelharão perante as exigências daqueles que investiram mais de R$150 milhões para financiar a campanha eleitoral.

27 de janeiro de 2010

 

Lucas Morais (@luckaz) é jornalista, tradutor e editor brasileiro do Diário Liberdade.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.