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Marcos Lopes

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Livros e mais

Pedagogia do oprimido

Marcos Lopes - Publicado: Domingo, 23 Janeiro 2011 01:00

Marcos Lopes

Pedagogia do oprimido é provavelmente a obra mais conhecida de Paulo Freire, um texto que vem inspirando geraçons de educadoras e educadores desde a sua publicaçom em 1970, fruto das suas experiências como educador no Brasil e, posteriormente, Bolívia e Chile, onde se exilou logo do golpe militar no seu país, em 1964.


Umha obra, adverte-te Freire na sua primeira parte, justificativa da mesma, para radicais. Contributo para a luita pola libertaçom dos e das oprimidos, umha pedagogia "forjada com eles e para eles", para vencer o temor à liberdade.

Em palavras de Marx recolhidas por Freire, "Há que fazer a opressom real todavia mais opressiva, acrescentando àquela a consciência da opressom, fazendo a infámia ainda mais infamante, ao pregoá-la".

Nessa primeira parte, Freire achega-se à psicologia da opressom. Afirma que a pessoa oprimida "hospeda" o opressor e "enquanto nom chegam a localizar o opressor concretamente, [...] assumem atitudes fatalistas em face da situaçom concreta de opressom em que estám". "Este fatalismo, às vezes, dá impressom, em análises superficiais, de docilidade, como caráter nacional, o que é um engano. Este fatalismo, alongado em docilidade, é fruto de umha situaçom histórica e sociológica e nom um traço essencial da forma de ser do povo". Quarenta anos depois, e a 7000 quilómetros de distáncia, na Galiza, esta afirmaçom continua plena de atualidade.

A atraçom polo opressor, a alienaçom, em especial as suas manifestaçons na classe média, ou a autodesvalia, som alguns outros dos conceitos ligados à problemática da opressom dos que o autor dá conta. A sua descriçom da autodesvalia, dessa introjeçom da visom que dos oprimidos tenhem os opressores, lembra a gráfica metáfora de Galeano sobre este fenómeno: "O cervo que olha para si com os olhos do lobo".

Esse fatalismo, essa autodesvalia, dous por um, há nom muito que os vivim numha conversa com umha comerciante do meu bairro. Ainda arengava a imprensa regional o discurso de Galicia Bilingüe sobre o Decreto do galego no ensino quando me dixo, falando sobre a emigraçom: "afinal, há que emigrar, que aqui nom há trabalho, por isso nom entendo isso do galego na escola. Se fora nom serve para nada!...". Cem certeza, em perfeito galego do Vale do Duvra. Com certeza, com umha filha emigrada.

De nos libertarmos desse lobo é que fala este livro. Só quando a pessoa oprimida descobre o opressor e se começa a organizar para vencê-lo, é que começa a crer em si mesma, diz Freire. É nesse descobrimento onde joga o seu papel a pedagogia do oprimido.

Dizia Simone de Beauvior que o que pretendem os opressores "é transformar a mentalidade dos oprimidos e nom a situaçom que os oprime", indoutriná-los, de maneira que se acomodem ao mundo da opressom. "Enchê-los", segundo o que Freire denomina "educaçom bancária", na qual o educador -sujeito, narrador- "deposita" no alunado -objetos pacientes, ouvintes- o saber.

Freire aborda a análise desta conceçom educativa, a "bancária", na segunda parte do seu ensaio. Na terceira, "A dialogicidade, essência da educaçom como prática da liberdade", contrapom a este modelo a sua proposta: a pedagogia problematizadora. Trata-se de evidenciar conflitos cognitivos que contraponham a realidade com os mitos do opressor. "Os indivíduos deixam de perceber a sua realidade objetiva como um beco sem saída para ver o que realmente é: um desafio ao qual a humanidade tem de responder". A partir daí, se calhar na parte mais árida do livro, Freire desenvolve os aspetos teóricos da sua proposta pedagógica.

Essencialmente dialógica, a sua pedagogia tem por imperativo elaborar o seu programa em diálogo com o povo. Este imperativo também o traslada à liderança revolucionária: "A verdadeira revoluçom, cedo ou tarde, tem de inaugurar um diálogo corajoso com as massas". E em contraposiçom ao poder burguês "A liderança revolucionária [...] nom pode absolutizar a ignoráncia das massas. Nom pode crer nesse mito. Nom tem sequer o direito de duvidar, por um momento, de que isto é mito". Essa necessidade de diálogo é umha constante no ensaio, e contrapom-se à "necessidade de conquista" do opressor.

É na última parte do livro, a mais interessante a meu ver, onde Freire aborda a análise da açom antidialógica. Nessa necessidade de conquista, o opressor adota diferentes métodos: dos mais duros aos mais subtis, dos mais repressivos aos mais adocicados, como o paternalismo. Convém nom esquecê-lo: "Os conteúdos e os métodos de conquista variam historicamente, o que nom varia, enquanto houver elite dominadora, é esta ánsia necrófila de oprimir".

Entre as ferramentas das que se serve o opressor para manter o status quo, Freire destaca os mitos elaborados pola sua ideologia. Alguns deles surpreendem pola sua vigéncia:

"O mito de que a ordem opressora é umha ordem de liberdade"

"O mito de que todos som livres de trabalhar onde queiram. Se nom lhes agrada o patrom, podem deixá-lo e procurar outro emprego"

"O mito de que todos, bastando nom ser preguiçosos, podem chegar a ser empresários"

"O mito da propriedade privada, como fundamento do desenvolvimento da pessoa"

"O mito da inferioridade ontológica dos oprimidos e da superioridade dos opressores"

e por suposto "O mito da igualdade de classe"

Além destes mitos transversais, três frentes, segundo Freire, som as que distingue a teoria antidialógica para perpetuar a opressom: a divisom, a manipulaçom e a invasom cultural. Divisom, porque a unidade das classes oprimidas ameaça a hegemonia da opressora. Manipulaçom, porque quando é impossível travar a indignaçom das e dos oprimidos, fai-se necessário reconduzir esse ódio face atividades mas ou menos inócuas ou mesmo contrárias ao interesse das classes oprimidas. Ocorrem-me, no atual contexto de crise sistémica, muitos exemplos destes dous fenómenos. Nom há muito, os meios espanhóis apoiárom unanimemente a militarizaçom dum conflito laboral (o dos e das controladoras aéreos) por parte dum governo que se diz socialista. Ocultárom para isso dados importantes como o de que os serviços mínimos exigidos para a realizaçom dumha greve faziam impossível a visualizaçom desta. O mal-estar pola crise ganhou um objetivo: os controladores, privilegiados, que se negavam a cobrar menos para evitar a ruína da tesouraria pública. Até o ponto dos afetados e afetadas polo protesto aplaudirem a chegada do exército, em muitos aeroportos do estado. Nos meios, nem palavra das ajudas multimilionárias que poucos messes antes o governo dera aos bancos, para os salvar da quebra, a custo cero. E o melhor, o caminho achaiado para a privatizaçom de Aena.

E da invasom cultural que dizer, se somos especialistas. Só umha cita: "Umha condiçom básica ao êxito da invasom cultural é o conhecimento por parte dos invadidos da sua inferioridade intrínseca". E um antídoto: "a organizaçom criticamente consciente. A 'problematizaçom' da realidade nacional e da própria manipulaçom".

Neste sentido, já leva tempo ouvindo-se falar da necessidade da criaçom de escolas em galego por iniciativa de maes e pais. Algumhas propostas tenhem aparecido nos meios, nom ainda mui desenvolvidas. Se calhar, cumpre-lhes umha reflexom sobre, se além da questom da língua, se deve incorporar às mesmas parámetros pedagógicos que difiram da educaçom convencional. Questons de género, sociais, nacionais, que preparem o alunado para compreender o mundo fora da escola, nom para adaptá-lo a ele. Armas para fugir da alienaçom.

Diz a crítica de cinema dalguns filmes que "levam mui bem o passo do tempo". Acho que essa foi a sensaçom que tivem enquanto lia o livro. Longe de ficar obsoletas, muitas das propostas de Freire continuam vigentes, quatro décadas depois. Muitas das luitas permanecem, e nelas estamos, quigermos ou nom.


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