A muito comentada passagem de ano milionária, no Rio de Janeiro, de Miguel Relvas, José Luís Arnaut e Dias Loureiro, juntado em alegre convívio um dos ministros mais poderosos do governo, um alto dirigente do PSD e um ex-ministro cavaquista "exilado" em Cabo Verde para escapar à justiça devido ao seu envolvimento nas vigarices do BPN, é um episódio que confirma este estado de coisas. E também promiscuidade orgânica existente entre o mundo dos negócios e o poder político, e como nesta esfera são ténues as fronteiras entre o legal e o ilegal e a moral mera retórica para papalvos.
Não é de agora este limbo mafioso em que vive a burguesia lusa, nem um fruto perverso do capitalismo em versão neoliberal como nos tentaram fazer acreditar muitos dos moralmente indignados comentadores com o desplante de gente tão "responsável", que não se sabe dar ao respeito nem mostra um mínimo de sensibilidade perante a catástrofe social que o país vive.
Em 2007, durante o debate na AR sobre o Orçamento de Estado, um ministro afirmou que, ao contrário da convicção generalizada, a evasão e a fraude fiscal em grande escala é praticada, não pelas pequenas empresas, mas pelas grandes. O que foi prontamente confirmado pelo Presidente da Confederação da Indústria da altura, Francisco Vanzeller, que até especificou ser a construção civil o sector que mais a praticava. Em protesto, a associação patronal dos construtores civis abandonou a CIP.
O mais espantoso foi o manto de silêncio que caiu sobre o assunto. Tal como já havia acontecido há 20 anos – quando o então presidente da CIP, Ferraz da Costa, denunciou que era impossível a qualquer empresa ganhar um concurso para uma grande obra estatal sem contribuir generosamente para o grande saco azul que financia à socapa os partidos e as autarquias – da esquerda à direita, todos assobiaram para o lado recusando-se a tomar conhecimento do que foi dito. Nenhum comentador, deputado, partido, governante foi além de breves e inócuas declarações de circunstância manifestando a sua confiança no funcionamento da justiça, nem nenhuma polícia de investigação, Ministério Público, Provedor de Justiça, autoridade tributária ou qualquer outro organismo de fiscalização do Estado se mexeu. Por isso não admira que a Procuradora Cândida Almeida tenha tido o desplante, há alguns meses, de garantir que "o nosso país não é um país de corruptos", que "os políticos e dirigentes não são corruptos", e "a corrupção é residual", insurgindo-se contra a ideia fomentada pela comunicação social, de haver corrupção em Portugal. Toda esta gente e instituições, tão implacáveis e prepotentes para com o cidadão comum e os pequenos negócios, que não hesitam em perseguir feirantes, confiscar salários por dívidas de 10 ou menos euros, em despejar moradores pobres e os que devido à crise e ao desemprego já não conseguem pagar as rendas ou satisfazer os compromissos bancários e em encher as prisões com pilha-galinhas. Mas que deixa impunes o grande crime e os que roubam aos milhões.