"De tragédia humana de proporções inimagináveis" definiu a Organização das Nações Unidas (ONU) a situação de 12,4 milhões de pessoas na Somália, Djibouti, Etiópia, Quênia, Uganda e outros milhões mais de países vizinhos.
Convergiram nesta parte do mundo a crise mundial de alimentos, a maior seca dos últimos 60 anos, e novas e velhas guerras internas, algumas pela sobrevivência em frente à fome e as mais por exercer o poder.
A alça no preço dos alimentos, derivada de ações especulativas mais que pela seca, afetou, sobretudo aos grãos, sustento básico da alimentação da região, em especial no Quênia e Etiópia.
Trigo, milho e soja remontaram preços nunca dantes vistos, com "níveis perigosos" segundo o Banco Mundial. No sul da Somália superaram 240 por cento, 117 por cento no sudeste de Etiópia e 58 por cento no norte de Quênia.
Para o Chifre Africano, 2011 foi o ano mais seco desde 1951. Na Somália até setembro não choveu depois de dois anos, e no Quênia e Etiópia a seca durou em um ano.
Em muitas de suas regiões, sobretudo entre março e junho, as precipitações estiveram por embaixo de 30 por cento das médias de 1995 e 2010, de por si baixos.
A crise humanitária debutou na Somália, onde uns 3.7 milhões de pessoas, cerca da metade de sua população, sofreu a tragédia, acentuada pela inexistência de um Governo efetivo e pelos ataques do grupo extremista islâmico Chabab (A Juventude), que mudou seu nome por Imaarah Islamiya (Autoridade Islâmica).
O 20 de julho Nações Unidas, quando já tinham morrido de fome umas 10 mil pessoas, declarou fome em duas regiões do sul somalí e ao mês se lhe somaram outras quatro. A ONU estimou então a possível morte de um milhão de pessoas, entre eles 800 mil crianças.
Os estragos pela falta de água e as ações violentas de grupos extremistas provocaram na somali o êxodo recorde de um milhão 400 mil pessoas, a metade mulheres e crianças.
Ainda que a essa nação tocasse a maior quota na catástrofe, uns três milhões de habitantes do Quênia e 4,5 milhões na Etiópia também sofreram a falta de alimentos e o impacto da seca.
No distrito de Turkana, nordeste do Quênia, a crise foi mais severa, onde as agências de ajuda reportaram extrema necessidade de alimentos nas três quartas partes da população.
Etiópia, país de clima muito seco por natureza, esteve entre os mais afetados pela desertificação e pela carência de alimentos.
Assim mesmo, a taxa de desnutrição infantil superou 30 por cento em partes do Quênia e Etiópia, e atacou 50 por cento das crianças no sul da Somália, onde por demais só 30 por cento da população tem acesso à água potável e a esperança de vida mal chega aos 50 anos.
As organizações humanitárias reclamaram uns 2,5 bilhões de dólares para socorrer aos danificados, dos quais só conseguiu bilhões.
Tão logo foi anunciada a catástrofe humanitária na Somália, a organização internacional Oxfam culpou os governos europeus de "negligência intencional" pois "os signos de advertência viram-se por meses, e o mundo tem atuado demasiado lento".
Vulneráveis refúgios
A crise e a violência empurraram durante 2011 a mais de 800 mil pessoas do sul somali a buscar refúgio em países vizinhos também afetados.
Os três acampamentos de deslocados de Dadaab, no Quênia, com uma capacidade de 90 mil pessoas, chegaram a albergar a cerca de meio milhão, com chegadas diárias de mil 400 pessoas, a maioria somali.
Quando em julho a ONU lançou o alarme de fome, já recebia uns mil 300 refugiados por dia.
A situação nesses centros chegou a ser tão complexa que alguns meninos passavam de desnutrição moderada a aguda por falta de assistência a tempo, ainda dentro dos campos.
Também muitos somalis, depois de inclusive semanas de caminho por entre desertos, deviam esperar dias para serem atendidos dada a congestão do lugar.
Nesses albergues a mortalidade infantil diária é de 7,4 pela cada 10 mil meninos, mais sete vezes alta que a taxa de emergência de um a cada 10 mil por dia, segundo a porta-voz do Alto Comissionado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Melissa Fleming.
Cresceu também nesses acampamentos a violência sexual contra mulheres e meninas junto ao alto risco de contrair HIV/sida.
Sob o açoite das doenças
Em 2011 a Organização Mundial da Saúde declarou a 8,8 milhões de pessoas em risco de contrair malária e cinco milhões cólera na Etiópia por condições de insalubridade, sobretudo em albergue-los de refúgio.
O sarampo também se expandiu nos campos de Dadaab, junto às poliomielite e outras doenças transmissíveis.
Milhares de toneladas de alimentos, mantas, carpas, medicamentos e outros artigos de primeira necessidade foram entregues aos refugiados por diversos grupos humanitários a partir de campanhas desenvolvidas por organismos internacionais independentes ou pertencentes às Nações Unidas.
Mas a ajuda, insuficiente, em muitos casos tardia e outras arrebatadas por insurgentes, como o grupo islâmico Imaarah Islamiya na Somália, mal pôde mitigar a tragédia que durante 2011 assolou à África subsaariana.
Junto ao déficit alimentar, a insegurança é também uma ameaça para milhões de seres do Corno Africano, sobretudo na Somália.
Ainda quando nessa nação a fome começou a remeter em novembro, quase 250 mil pessoas se mantêm em risco iminente de inanição, advertiu a Unidade de Análise de Nutrição e Segurança Alimentar de Somália.
Pese às presas melhoria, levará longos meses recuperar da crise, e mais em condições de pobreza extrema e acrescentadas dívidas.
*Jornalista da Redação África e Oriente Médio de Prensa Latina.