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080216 kmarxEsquerda Diário - [Gilson Dantas] O capital de Karl Marx foi escrito há quase um século e meio atrás. É completamente previsível imaginar que como estamos no século XXI muito pouca coisa não iremos aproveitar de um livro do século XIX. Mas o realmente surpreendente é que ele está cheio de ideias e indicações e, na verdade, contém chaves cruciais para se entender o mundo em que vivemos e suas crises, em pleno 2016.


Parte I

A primeira ideia-chave de O capital é a própria concepção de capitalismo. Ao entender que vivemos hoje em uma sociedade comandada pelo capital - que hoje tomou o formato de grande capital oligopolista e financeiro – Marx [e seu camarada Engels] nos brindam com a mais preciosa chave para a compreensão do mundo moderno: uma sociedade capitalista, regida pela acumulação do capital e divida em classes sociais irreconciliáveis, a patronal burguesa e o proletariado. Sua obra mais conhecida – justamente O capital - explica como é que o capital nasce do chão de fábrica, como é que toda riqueza é criada apenas pelo operário, e como os burgueses distribuem entre si, entre o empresário de fábrica, o banqueiro, o comerciante, o fazendeiro as mercadorias produzidas pelos trabalhadores.

Seu livro é um verdadeiro RX sobre tudo isso e sobre como o capital se acumula e vai, ao mesmo tempo, contraditoriamente, minando as próprias bases do sistema, achatando salários, desempregando e concentrando riqueza.

Por mais que hoje se fale que o sistema se modernizou, se superou, e que se fale em sociedade “informacional”, em sociedade “pós-industrial”, em “sociedade pós-moderna”, em “sociedade civilizada”, em “inteligência artificial” e no que mais se quiser falar, o grande fato histórico é que vivemos em uma sociedade capitalista. É o capital que manda na economia. E vem transformando tudo em mercadoria, ao ponto de a própria política dominante ter se transformado em um balcão de negócios. Desde suas origens é assim que é. Só que com seu envelhecimento e senilidade, o capitalismo fica pior a cada dia.

E entender os movimentos e a crise do grande capital é entender o mundo no real, como ele é e como ele se conforma. Portanto, com todas as mudanças – e foram muitas e profundas – Marx de O capital continua sendo, digamos assim, nosso contemporâneo. Obviamente tais mudanças nos obrigam a quebrar a cabeça para alcançarmos um entendimento adequado, já que o mundo de hoje não é mais o do Manifesto Comunista, nem o de Marx e de O capital.

Mas o fato de continuar sendo um mundo capitalista, fundado na exploração dos trabalhadores pela classe que é dona das fábricas e demais meios de produção, e de continuar sendo uma sociedade que historicamente é contraditória e transitória, eis aqui a primeira chave explicativa do mundo como ele é.

E mais: uma vez que Marx escreveu O capital como parte da preocupação em compreender a sociedade para transformá-la através da revolução proletária, é possível deduzir, com mais razão, que Marx é totalmente atual. Por que? Porque estamos em uma época na qual o capitalismo não dá sinais de equilíbrio estável, para dizer o mínimo, vive uma longa crise econômica, ao mesmo tempo em que o século que passou e o que entra, são palco de grandes lutas históricas do movimento operário procurando romper com o jugo do capital.

E, mais concretamente, Marx definiu várias tendências e contradições fundamentais da sociedade capitalista em movimento e formulou ideias e concebeu perspectivas e cenários históricos sobre elas que seguem de pé, vigentes. Vigentes no sentido de que ou entendemos a lógica de tais ideias ou vamos olhar para o mundo sem entende-lo e não romperemos com a jaula de ferro da exploração capitalista. A jaula fica meio invisível, naturalizada.

Vejamos algumas daquelas tendências analisadas por Marx [que é o mesmo que ver o quanto O capital - pelo seu método materialista e dialético de pensar a realidade, se antecipou ao seu tempo].

A concentração de renda. Marx deduzia das suas investigações teóricas sobre o sistema, que o capitalismo tenderia, historicamente à concentração de renda e à miséria crescente. É um sistema que necessita concentrar pobreza numa ponta e riqueza na outra e não pode ser diferente. É da sua natureza. Pode distribuir renda, pode expandir classe média, e certamente o mundo de hoje é muito mais rico que o do tempo de Marx. Mas ao mesmo tempo, é também e principalmente um mundo muito mais excludente, muito mais polarizado entre ricos do tipo bilionários, trilionários e, do outro lado, uma enorme massa de pobres.

Um estudioso do capitalismo que inclusive não é contra o sistema, Thomas Piketty, recentemente chegou a escrever um best-seller sobre o tema, O capital no século XXI, onde fica claro esse ponto. De que os ricos são mais ricos que nunca e a massa de miséria crescente é sem paralelo. E que isso só vai piorar.

Ou seja, não é um sistema que evolua no sentido da inclusão social, de se humanizar, de ir ficando “mais razoável” com o tempo. Vai azedando, excluindo, descartando pessoas e massas inteiras, como faz com os imigrantes na Europa, no México.

O Esquerda Diário já publicou artigo recente a respeito daquela polarização ricos e pobres. E as grandes massas das periferias urbanas são a evidência a céu aberto a esse respeito. Por isso mais pessoas dependem de um sistema de transporte ruim, mais caro, mais cheio e mais demorado.

Quando se fala em países de grande população como Bangladesh Desh, Índia e a China, a imagem de grande pobreza que nos vem a cabeça é totalmente real: grande parte do planeta vive na miséria absoluta. Marx tinha razão, portanto: é uma tara irrecuperável do sistema capitalista isso de desenvolver, junto com riqueza e a afluência, muitíssimo mais miséria e exclusão na base da pirâmide. Marx estava correto.

Outra ideia de Marx é a de que o capitalismo não pode se livrar da concorrência e que esta conduz aos oligopólios. A concorrência conduz a um punhado de grupos econômicos fortíssimos que passam a dominar cada setor da economia. Poucas cervejarias dominam o mercado, poucas fábricas de automóveis, de geladeiras dominam o mundo dos automóveis e das geladeiras, e assim por diante. O mercado da “livre” concorrência que um dia existiu, gerou seu oposto: a concorrência pesada e surda entre poucos grandes grupos, os oligopólios. No mundo atual, poucos e grandes grupos capitalistas mandam no mercado.

Essa tendência veio só aumentando, desde Marx.

É claro que não se trata de uma linha reta, o capitalismo desenvolve contradições e contratendências, existe aqui e ali alguma pequena cervejaria, por exemplo; mas no geral a concentração industrial e financeira e do agronegócio vem sendo maior que nunca, e de patamar em patamar, tornou-se dominante: vivemos no mundo dos monopólios e oligopólios imperialistas [que concorrem entre si, dividem o mundo entre si e tratam de fazer guerras de grande porte para redividi-lo a partir do momento em que o jogo político e diplomático já não basta].

Parte II

Na primeira parte deste artigo, analisamos algumas ideias-força de O capital que são hoje de total vigência. Continuemos.

Há outra ideia de O capital, de Marx, que hoje é ainda mais real ou mais chocante que no seu tempo. A ideia de que a tecnologia e a ciência não promovem a emancipação social se são dirigidas pelo capital; no capitalismo são condicionadas, desviadas, elitizadas, estão a serviço da dinheirama e não da genuína demanda social. A tecnologia alcançou patamares de ficção científica.

E com certeza muita gente continua acreditando que quanto mais progresso científico e técnico, mais a sociedade estará no conforto, no bem-estar, na felicidade e no desfrute geral daquele progresso. Só que evidentemente não é assim: os trabalhadores sabem que não.

Primeiro, que cada passo adiante na ciência e no seu uso público vem acompanhado de retrocessos, seja na poluição dos ares e águas, seja na devastação ambiental e da qualidade de vida [veja-se a qualidade de vida nas grandes metrópoles]. Múltiplos avanços na técnica permitem qualidade de vida, mas há que levar em conta os efeitos indesejáveis dessa mesma técnica [pense no sistema de transporte urbano, nas chaminés de fábricas etc], e também há a ampla exclusão. Há medicina de rico e de pobre: as grandes massas não desfrutam de cada avanço, estão sempre detrás, vários passos atrás daquilo que a técnica permite. As melhores técnicas de ensino não estão ao alcance das grandes massas pobres, por exemplo, basta ir numa escola de periferia e checar.

Em resumo, além de que a classe trabalhadora não desfruta dos melhores níveis de tecnologia muito menos é informada ou pode decidir sobre como impedir seus efeitos ambientalmente indesejáveis e muito menos podem escolher que tecnologia desejam [por exemplo, aparelhos de diagnóstico pelo calor são mais saudáveis do que aqueles que usam radiações ionizantes, mas dão menos lucro, daí não são desenvolvidos e disponibilizados].

Marx estava certo então: tecnologia e ciência nas mãos do capital não levam o mundo para um bom futuro.

Outra ideia muito forte e que é a perspectiva apontada pelo O capital é a de que os expropriadores devem ser expropriados. Os donos de fábricas, grandes empresas e bancos devem ser confiscados e essas firmas devem ser controladas pelos seus trabalhadores. Caso contrário o capitalismo, que nasceu espirrando sangue por todo lado, continuará massacrando e excluindo, fundado na exploração e na consequente exclusão social maciça.

As forças produtivas argumentava Marx, devem ser controladas pelos trabalhadores: se as fábricas continuarem nas mãos da patronal burguesa, esta nunca vai deixar de oferecer um emprego escravo, vai continuar pegando a parte do leão da riqueza produzida pelo empregado, e sujando e pondo em risco o planeta. Era a verdade para Marx e é a evidência do mundo de hoje. Se os expropriadores [os capitalistas] não forem expropriados, iremos para mais destruição de forças produtivas e mais devastação. Nisso estamos.

O desemprego era outra teoria essencial desenvolvida por Marx. E neste item ele chegou à conclusão de que o capitalismo não tem a menor chance de resolver o desemprego, não importa o governo ou as intenções de qualquer governo nos marcos do sistema.

É o que vemos: com crise ou sem crise, o exército industrial de desempregados é enorme e se na bonança ele é ligeiramente atenuado, na crise – é o que se vê agora no Brasil – ele volta com força total. Na Europa, na Inglaterra, o desemprego é de milhões, afora o sub-emprego e a exclusão social. Se os trabalhadores não tomarem a economia em suas mãos o desemprego não desaparece. E Trotski acrescenta: defendamos, nas nossas lutas, que trabalhem todos para que todos trabalhem menos horas; escala móvel de horas de trabalho. Mas aqui já estamos no campo das medidas proletárias para salvar a economia das mãos sujas do capitalismo.

Outra ideia de Marx é a de que o capitalismo tende à degeneração, à decomposição [sendo que somente pode ser derrubado se a classe trabalhadora levantar a força política que realize essa tarefa, através da revolução socialista, proletária].

Justamente, o que se vê de Marx para cá são as forças destrutivas do próprio sistema em franco desenvolvimento, cada vez mais em marcha acelerada. Dezenas e dezenas de milhões tiveram suas vidas ceifadas só nas guerras do século XX. A narco-economia, e agora os narco-Estados, a precarização do mundo do trabalho, a brutal poluição e queda da qualidade de vida nas cidades, as epidemias [do câncer às epidemias virais e tropicais etc], a epidemia de depressão, de obesidade, de corrupção, de violência urbana e rural, a tragédia dos migrantes na Europa, México, de acidentes do trabalho, de degradação das democracias e assim por diante e, finalmente, o risco de destruição da vida humana no planeta, são indicações de que o capitalismo vive em regime de decadência. E não - como diziam os contemporâneos de Marx e mesmo alguns intelectuais depois dele -, na condição de um sistema que evolui para o equilíbrio, para algum sossego ou progresso social e paz em patamares cada vez superiores. Em vez deste futuro, o que vem ocorrendo e segue em desenvolvimento é o que Marx imaginava: mais guerras, mais exclusão e um sistema, historicamente, em colapso econômico.

As crises econômicas como imanentes ao capitalismo, eis outra ideia forte de Marx: as crises não são acidentais, não são apenas “dores do parto” ou surtos febris que retornam aqui e ali, mas tendem a se agravar, e as contradições que as alimentam tendem a se acentuar e, com isso, se chega ao desenvolvimento, de crises catastróficas, de destruição de forças produtivas. E guerras.

Justamente a cada geração depois de O capital, sobretudo na I Guerra, com a conformação do imperialismo, grandes guerras tomaram forma e grandes crises de recessão econômica e depressão profunda também; nelas a economia mergulha na inflação, na estagnação, com travamento, convulsões, até que a burguesia consiga relação de forças políticas, para desfechar ataques sérios contra as conquistas sociais e trabalhistas [como faz o governo no Brasil neste momento] para garantir os privilégios dos ricos e, em seguida, com os ricos agora mais ricos, seguir funcionando.

Capitalismo é crise recorrente. Isso é Marx. Na era do capitalismo maduro, que veio depois de Marx, o sistema abriu suas entranhas com graves crises [de graves impactos sociais] e guerras de poder de destruição sem precedentes [como a I e a II Guerra e outras] e essa era também se mostrou – acompanhando as ideias de Marx – grávida de revoluções e tivemos o triunfo da primeira revolução proletária, na Rússia.

O capitalismo agrava seu perfil e sua tara como sistema da barbárie institucionalizada. Basta pensar em como vivem as massas pobres na Ásia, Oriente Médio, na devastadora crise dos migrantes na Europa, no México, nas doenças da pobreza no Brasil [como a cruel epidemia de microcefalia, de dengue, e assim por diante]. Pense em um mundo que adoece cada vez mais e possui hospital, prevenção e assistência médica cada vez menos.

Portanto pense nisso tudo e você estará pensando nas ideias-força de O capital.
As explicações de Marx sobre como funciona a sociedade capitalista seguem de pé

O capitalismo avançou para sua fase madura, imperialista, decadente, o que cobra de nós a leitura de um marxismo mais atual, como o de Lenin [que escreveu o O imperialismo fase superior do capitalismo] ou de Trotski, [líder da revolução ao lado de Lenin e que explicou porque a Revolução Russa foi traída; e foi o grande autor do século XX que deixou o legado da estratégia para a vanguarda operária por de pé novas revoluções sob a bandeira do internacionalismo], ou Rosa Luxemburgo, nossa contemporânea na crítica aos aparatos burocráticos auto-proclamados socialistas e ao reformismo.

Mas por trás do caos do capitalismo, da desigualdade e das crises, temos como base uma teoria que continua rondando tudo isso e oferece a base explicativa da crise do mundo moderno. E também aponta perspectiva de sua superação. Afinal de contas o marxismo, em uma versão curta, é a teoria da revolução proletária.

Ele passa longe da especulação ou da denúncia pela denúncia. O capital não foi escrito para economistas, foi feito para armar a vanguarda da classe trabalhadora para entender que o capitalismo só pode funcionar como uma máquina de escravidão mais ou menos disfarçada, e que se trata - se queremos um outro mundo -, com a nossa cara, de que temos que organizar politicamente o proletariado, como força independente, para por o velho mundo abaixo.

Em seus fundamentos, O capital segue atual. E os textos de Rosa Luxemburgo, de Lenin e de Trotski são a fonte inesgotável de inspiração para que possamos desenvolver as ideias-força de O capital em forma de revolução onde o proletariado moderno se levante para vencer.


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