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JOKA0097Venezuela - Brasil de Fato - [Wallace Oliveira] Para analisar o cenário político, econômico e social que o país vive hoje e como isso pode impactar no processo da Revolução Bolivariana, o Brasil de Fato entrevistou o jornalista Carlos Alberto de Almeida.


Pela primeira vez após o chavismo, o governo da Venezuela terá que administrar o país com uma Assembleia Nacional com maioria de parlamentar de oposição (Saiba mais aqui). Para analisar o cenário político, econômico e social que o país vive hoje e como isso pode impactar no processo da Revolução Bolivariana, o Brasil de Fato entrevistou o jornalista Carlos Alberto de Almeida. Ele colaborou com o presidente venezuelano Hugo Chávez na criação do canal internacional de televisão TeleSur, da Venezuela; e é presidente da TV Comunitária de Brasília. 

Para Almeida, “o que aconteceu nas eleições foi uma vitória transitória do imperialismo com suas sabotagens”. Ele avalia que as “próximas vitórias dependem muito da unidade popular latino-americana”. Confira a seguir.

Na América do Sul, a Venezuela pode ser considerada o país onde a esquerda mais avançou na conquista de direitos, na organização popular e no enfrentamento ao poderio dos chamados “grandes” meios de comunicação. Contudo, o cenário de 2015 mostra um recrudescimento da direita no país, a exemplo do que vem acontecendo no Brasil e na Argentina, por exemplo. O que explica essa tendência?

Embora a Revolução Bolivariana tenha avançado bastante, não foi ao ponto de desmontar o poder total da burguesia, que segue no controle da economia e articulada com o imperialismo. O Estado venezuelano é revolucionário, mas não operário. Isso depende de vários fatores, não é mera questão de vontade. 

Hugo Chávez sempre soube que o movimento operário e sindical venezuelanos eram atrasados e o são até hoje. Basta ver que os sindicatos apoiaram a direita no último pleito. Por isso, a Revolução Bolivariana se deu por meio de uma aliança entre células do Exército, que Chávez convenceu acerca do projeto revolucionário, e as massas. 

Também é preciso levar em conta as sabotagens políticas, econômicas, cambiais, movidas contra o país pelo imperialismo. Há uma guerra tremendamente forte de desabastecimento. Por exemplo, a arepa, que é uma massa de pão feita com farinha de milho, é o prato principal, base da alimentação venezuelana. A burguesia sonegou, escondeu arepa, bem como o frango, o xampu e outros bens de consumo, numa clara tentativa de provocar a insatisfação da população. 

O país depende de grandes empresários internos para fazer importação e acaba ficando vulnerável a esse tipo de ataque. O governo deu recursos para vários setores e eles, por sua vez, aplicaram no setor financeiro ou compraram mercadorias e esconderam em grandes depósitos. 

Além disso, desde 2014, o preço do petróleo foi intencionalmente rebaixado no mercado internacional, a fim de prejudicar a Venezuela, cuja economia é por demais dependente da receita petroleira. Quando essa receita cai, por conta de manobras artificiais de guerra econômica, aumentam as dificuldades para enfrentar os ataques do imperialismo. 

Outro ponto a se destacar é o problema do câmbio. Algumas pessoas têm se precipitado, afirmando que o governo não atacou devidamente a questão cambial. Ora, o problema cambial não é erro do governo, foi uma imposição dos Estados Unidos, que emitem dólares sem lastro e promovem sabotagens cambiais. É claro que existem propostas para transformar parte do petróleo em moeda forte, criar moeda lastreada no petróleo e comprar o essencial: alimento e remédio. É possível criar um câmbio especial com esse fim. China e Rússia já têm uma forma de comercialização em moeda própria, sem presença do dólar. Entre Brasil e Argentina, também existem transações semelhantes, o que pode, inclusive, reduzir despesas.

O crescimento da direita indicaria um esgotamento do ciclo de governos progressistas na América do Sul?

A vitória da direita na eleição da Venezuela é apenas parlamentar. A oposição vai tentar usar a Assembleia Nacional para revogar o mandato de Maduro e mudar a Constituição, que tem um caráter popular. Entretanto, o chavismo mantém o controle da alavanca do Estado: o Banco Central, o sistema de educação, o Exército. Este, aliás, é altamente politizado e está consciente do projeto bolivariano. Se a direita tivesse o Exército ao seu lado, já teria dado um golpe. 

O controle da máquina do Estado pode dar ao chavismo o tempo necessário para dialogar com os setores que fizeram uma abstenção ou “voto castigo” e recuperá-los. Para tanto, é preciso que Nicolás Maduro [atual presidente do país] tome medidas imediatas pela esquerda, a fim de solucionar o problema do abastecimento e do câmbio. Haverá uma queda de braço infernal no país. É possível ao governo se comunicar com o povo e mostrar que as conquistas sociais dos últimos anos estão sendo ameaçadas pela nova Assembleia Nacional.

Veja que, na Argentina, a situação é diferente. Macri já nomeou ministros da direita, ligados às empresas internacionais. Por outro lado, ele não tem maioria parlamentar para revogar leis importantes, como a Ley de Medios

O ciclo progressista não está morto. É possível vencer os novos desafios, desde que percebamos que cada avanço exigirá novos avanços. Há uma frase muito bonita do Simón Bolívar que dizia que podemos perder várias batalhas, exceto a última delas.

Que desafios estão colocados para a continuidade da Revolução Bolivariana?

O governo bolivariano vai se tornar mais audaz em política econômica. Chegou o momento de dar um passo a frente. É claro que a luta de classes vai elevar o tom. Isto, porém, não é automático, vai depender da mobilização popular, de convocar as massas para a luta. 

Penso que a aliança cívico-militar será a chave da continuidade do processo venezuelano. Chávez dizia que a revolução é pacífica, mas armada, em última instância. Por que o país deveria aceitar qualquer tipo de sabotagem do imperialismo, que, por sua vez, não aceita o jogo democrático dentro do país? Então, podem-se criar mecanismos paralelos à Assembleia Nacional, a fim de que as massas exerçam o poder, para que possam se defender.

Há um desafio econômico muito forte. Ninguém transforma uma economia petroleira e agrária em 17 anos. A Venezuela importava quase tudo o que consumia e tinha o petróleo como principal fonte de renda, mas o petróleo estava a serviço do enriquecimento dos poderosos do país e dos Estados Unidos. O Chávez é odiado precisamente porque pegou o petróleo e o colocou a serviço do povo venezuelano. 

A Venezuela ainda é um país de terras férteis, mas não tem uma experiência anterior na agricultura, não tem algo como a Embrapa, por exemplo, com toda a importância que a Embrapa tem para o desenvolvimento produtivo do Brasil. Além de distribuir terras, é necessária a capacitação para a produção. O país aumentou muito sua produção de arroz, leite, mas isto ainda não é suficiente. O Estado precisa ampliar sua presença no comércio exterior. Este é o desafio econômico: desenvolver a produção agrícola e aumentar presença do estado no comércio exterior.

Evidentemente, para continuar avançando na consolidação da Revolução Bolivariana, é fundamental ampliar a cooperação e integração no continente, sobretudo com o Brasil. A Venezuela colabora muito com a China, Rússia, Irã. O Brasil poderia ter uma presença maior, sobretudo na questão de abastecimento de comida, dada sua importância na produção de alimentos no mundo. 

Qual o papel da Unasul nesse contexto?

A Unasul ajuda, em primeiro lugar, por retirar poder político da Organização dos Estados Americanos (OEA), que é uma organização controlada pelos Estados Unidos. A Unasul promove unidade para resolver demandas sem a interferência estadunidense. Ao mesmo tempo, cria uma nova legalidade. Em conflitos entre dois países no continente, a OEA intervinha a favor dos EUA, ao passo que a postura da Unasul sempre foi achar saídas de cooperação entre países, soluções democráticas. Por esses motivos, a Unasul deve ser fortalecida, bem como o Banco do Sul. 

Como os movimentos populares do continente podem contribuir no enfrentamento à ofensiva da direita?

Há várias formas de integração que devem ser assumidas pelos movimentos sociais e sindicatos. Para tanto, é preciso superar o burocratismo dos movimentos que vão para a máquina do Estado e deixam a militância, como acontece no Brasil e também na Venezuela e outros países. 

O sindicalismo na Venezuela é muito atrasado. É fundamental que os sindicatos e movimentos de esquerda participem, defendendo a Revolução Bolivariana, apoiando-a em seus países. 

O que aconteceu nas eleições foi uma vitória transitória do imperialismo com suas sabotagens. As nossas próximas vitórias dependem muito da unidade popular latino-americana para defender as conquistas que todos sabemos que o processo venezuelano trouxe para as lutas sociais: elevação do nível dos salários, formalização de trabalho, plano de moradia, erradicação do analfabetismo, redução de doenças de massas, programas de medicina popular, cooperação entre Cuba, Irã, Rússia e China, o papel que a Telesur cumpre nas disputas no continente. É importante para toda a esquerda que tudo isso seja preservado. 


Foto: Joka Madruga

 


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