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karl marxLe Monde Diplomatique - [Laura Raim] A estreiteza ideológica dos dirigentes europeus tem suas raízes em uma discreta batalha pela hegemonia intelectual, que não acontece apenas na mídia. Apesar das contradições teóricas e do fracasso das políticas que inspira, a doutrina neoclássica domina mais do que nunca a universidade.


Partidários da livre concorrência, os economistas dominantes a experimentam pouco quando os convidamos a aplicá-la em sua profissão. Retomando uma promessa de seu predecessor, Benoît Hamon, a ministra francesa da Educação Nacional, Najat Vallaud-Belkacem, se engajou em dezembro de 2014 na criação a título experimental de uma segunda seção de economia no seio do Conselho Nacional das Universidades (CNU), o órgão que administra a carreira dos professores-pesquisadores. Intitulada “Instituições, economia, território e sociedade”, esta poderia ter se tornado um refúgio para os economistas heterodoxos, mal-amados pelos representantes das correntes dominantes. A escola dita neoclássica, que repousa sobre a hipótese da perfeição dos mercados e da racionalidade dos indivíduos (ver esquema abaixo), reina há vinte anos sobre a atual seção das ciências econômicas no CNU, a “05”. Trezentos pesquisadores heterodoxos se preparavam para juntar-se a essa nova seção de economia política pluralista, crítica e aberta às outras ciências sociais.

No entanto, eles não contavam com o veto dos ortodoxos, totalmente decididos a matar o embrião de qualquer possibilidade de pensamento econômico distinto. Mal sentiu o vento do projeto ministerial, o presidente da “05”, Alain Ayong Le Kama, já estava enviando uma mensagem ao governo, bradando a ameaça de uma “demissão coletiva” da seção. Mas a ofensiva mais decisiva foi a de Jean Tirole, vencedor em 2014 do prêmio do Banco da Suécia em ciências econômicas, em memória de Alfred Nobel (abusivamente qualificado de “Prêmio Nobel de Economia”). Ele dirigiu uma carta a Vallaud-Belkacem para impedir uma “catástrofe”. Missão cumprida: o projeto foi rapidamente enterrado.

Essa batalha aparentemente corporativista é na realidade altamente estratégica. As representações e preconizações das economias exercem uma forte influência sobre as políticas públicas. Há cerca de vinte anos, os pesquisadores heterodoxos, quer dizer, aqueles que não se inscrevem na escola neoclássica – cerca de um terço dos economistas franceses –, estão excluídos das posições-chave da profissão. Ainda que eles consigam ser convidados como conferencistas, a corrente majoritária tranca seu acesso ao nível superior dos professores universitários.1 Enquanto, entre 2000 e 2004, a heterodoxia representava 18% dos novos recrutamentos de professores na universidade, essa porcentagem caiu para 5% entre 2005 e 2011; ou seja, seis heterodoxos para 120 cargos.2

Como chegamos a isso? A escola neoclássica cresceu na chegada ao poder da economia moderna, no final do século XIX, depois recuou nos anos 1930. A abordagem de John Maynard Keynes, que tirou lições da Grande Depressão, conferindo ao Estado um papel central, se impôs como a nova ortodoxia econômica das políticas públicas. Quando o keynesianismo atingiu seus limites diante do contexto de estagflação (crescimento fraco e inflação forte), no final dos anos 1960, a teoria neoclássica retornou com força com os monetaristas e a corrente das antecipações racionais.

Os heterodoxos atuais emergem no mesmo momento, em oposição a essa ressurreição do paradigma neoclássico. Marxistas, pós-keynesianos, regulacionistas e convencionalistas têm em comum o fato de inscreverem sua disciplina no campo das ciências sociais e de darem uma atenção particular aos aspectos históricos, jurídicos e políticos do funcionamento da economia. Procurando descrever a sociedade tal como ela realmente existe, eles se opõem a uma representação mecânica e individualista da economia, na qual agentes sob racionalidade instrumental interagem em inúmeros mercados.

Integrando aos poucos as críticas heterodoxas, a teoria neoclássica se lapidou, admitindo que a informação pode ser assimétrica, e a concorrência, imperfeita... Porém, resta o fato de que “os neoclássicos não se impuseram pela força nem pela justeza de suas ideias, mas por estratégias de colonização institucional”, insiste Sophie Jallais, da Universidade Paris 1. Na maioria das disciplinas, para serem recrutados como conferencistas ou professores, os candidatos devem ser “qualificados” pelo CNU, antes de serem selecionados pelas “comissões de especialistas” de cada universidade. Mas, até 2014, a seção de economia deixava de lado esse princípio para o recrutamento de professores.

Uma colonização institucional

Esse vestígio do século XIX subsiste apenas em seis das 77 seções. Ele se caracteriza pelo conservadorismo, ensimesmamento e ausência de autonomia em relação ao poder político. E com razão: o governo nomeia o presidente, que, por sua vez, indica os sete membros do júri. “Cada mandarim coopta em seguida seu aprendiz, a quem ele sugere mais ou menos sutilmente se candidatar”, conta Liêm Hoang-Ngoc, da Paris 1. Há cerca de quarenta anos, “são os presidentes de banca mais frequentemente ortodoxos que escolhem bancas ortodoxas, que selecionam quase exclusivamente candidatos ortodoxos”, resume Jallais. Essa homogeneização foi reforçada, a partir dos anos 2000, pelo efeito de um novo método de avaliação dos candidatos: sua produção científica passou a ser apreciada não em função de sua qualidade intrínseca, mas das revistas nas quais foi publicada. Um bom pesquisador seria aquele que publica em uma revista bem colocada na classificação do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), ele próprio estabelecido segundo o grau de conformidade com as abordagens dominantes.

Diante disso, os heterodoxos se defendem mal. Absorvidos por seus trabalhos, eles não se preocupam suficientemente em se “reproduzir” institucionalmente, dirigir teses e laboratórios ou recrutar potenciais sucessores. Assim, o fundador da escola da regulação, Robert Boyer, não tem um herdeiro. Heterodoxos ainda presentes nas instâncias de recrutamento se deixam por vezes impressionar pelo aparelho matemático neoclássico. Alguns, como Michel De Vroey e Marie-Claire Villeval, chegam até a mudar de campo e abrem amplamente as portas da universidade aos jovens candidatos ortodoxos.

Resultado: os professores heterodoxos estão literalmente em via de extinção na universidade. “Eles estão se aposentando, perto de partir, o que significa que daqui a dois anos não haverá mais nenhum”, adverte David Flacher, da Paris 13. São os professores que dirigem os mestrados, as escolas de doutorado, os laboratórios, que presidem as bancas de teses e compõem os comitês de seleção de seus pares. Sem eles, é impossível fazer viver uma escola de pensamento. De fato, quase todos os grandes laboratórios heterodoxos desmoronaram nos últimos anos, com apenas algumas exceções, como o Centro de Pesquisa em Economia da Paris Norte (CEPN), dirigido por Flacher, e o Centro de Estudos e de Pesquisas Sociológicas e Econômicas de Lille (Clersé), da faculdade Lille 1, onde trabalha, por exemplo, Laurent Cordonnier.

A lógica de fusão entre estabelecimentos encorajada há mais de dez anos pela União Europeia e intensificada pela lei relativa às liberdades e responsabilidades das universidades (LRU), de 2007, reforçou o fenômeno, fazendo os pequenos centros heterodoxos serem absorvidos pelos grandes. “Esse processo de concentração culmina hoje com um oligopólio estabilizado de três estruturas: a Paris School of Economics (PSE), a Toulouse School of Economics (TSE) e o Grupo de Pesquisa em Economia Quantitativa de Aix-en-Provence e Marselha [Groupement de Recherche en économie quantitative d’Aix-Marseille (Gregam)], que trocam entre si financiamentos, bolsas de doutorado, promoções, mas também prêmios internacionais e cadeiras de prestígio”, explica Bruno Tinel, da Paris 1. O “Prêmio Nobel” da economia foi assim atribuído ao presidente da TSE, Jean Tirole, e a cadeira de economia no Collège de France, ao professor da PSE, Philippe Aghion.

Essa hegemonia talvez fosse mais aceitável se não andasse junto com uma abissal fraqueza teórica. Em 2007, a coisa começou a aparecer, mesmo aos olhos dos não especialistas. Não apenas os ortodoxos foram incapazes de prever ou até mesmo compreender a crise dos subprime, mas suas hipóteses sobre a eficiência dos mercados tinham permitido legitimar cientificamente a desregulamentação financeira que foi em grande parte responsável pela crise. Daí o apetite do público por outras análises, o que ilustra o sucesso nas livrarias francesas do manifesto dos “economistas aterrados”. Esse coletivo, lançado em 2010 e composto majoritariamente por conferencistas heterodoxos, desmonta o dogma que rege as políticas públicas europeias.

“Antessala do obscurantismo”

No entanto, o retorno à moda de Keynes e Marx que observamos na imprensa e nas editoras não atinge o mundo da pesquisa, impermeável a qualquer questionamento. Em sua missiva, Tirole se orgulhava dos “centros de excelência em economia que surgiram na França nas últimas três décadas” e que “formam hoje economistas que os reguladores, os órgãos internacionais e as empresas lutam para ter”. O fato de que esses “centros de excelência” não tenham formado economistas críticos, capazes de alertar sobre os perigos da financeirização, manifestamente não vem à tona. Inflexível, ele continua desprezando de modo soberano as correntes minoritárias, falando delas como um “conjunto heteróclito em dificuldade com as normas de avaliação internacionalmente reconhecidas” e os chama a entrar na linha: “Procurar se subtrair desse julgamento [dos pares] promove o relativismo dos conhecimentos, antessala do obscurantismo”.

Os estudantes, por sua vez, não se enganam e militam contra o monolitismo de seus cursos. “O pluralismo que exigimos é teórico, mas também metodológico”, explica Louison Cahen-Fourot, porta-voz do coletivo Pour un enseignement pluraliste dans le supérieur en économie [Por um ensino pluralista no curso superior de economia (PEPS Économie)]. “O curso deve abrir espaço, além da matemática, da estatística e da econometria, para cursos de história do pensamento econômico.” Sua associação analisou os títulos das 54 licenças de economia na França: os módulos de história do pensamento representam apenas 1,7% dos cursos propostos e quinze universidades não julgam útil ensiná-la.

Um obstáculo finalmente foi levantado em setembro de 2014, com a quase suspensão do concurso de agregação do superior. O procedimento para se tornar professor é agora o mesmo que nas outras disciplinas: ser qualificado pelo CNU, depois se candidatar a um cargo. Tratava-se de uma das reivindicações da Associação Francesa de Economia Política (Afep), criada em 2009 para restaurar a diversidade na pesquisa. Infelizmente, essa vitória chegou tarde demais: agora majoritários nas instâncias de recrutamento, os ortodoxos não precisam mais da agregação para instalar seu poder. Liberados dos concursos, os candidatos heterodoxos não encontram meios, confrontados à barragem da seção 05 do CNU, estreitamente controlada pelos ortodoxos. Daí a necessidade de uma segunda seção. Depois de vivos debates internos quanto aos riscos de tal “divórcio” no seio da disciplina, os membros da Afep finalmente se resignaram em 2010 à ideia de que não havia “mais nenhum futuro possível para as abordagens pluralistas dentro da seção 05”. A nova seção surgia como a “única solução viável”.

Recusando até o momento essa opinião, o governo garante que vai vigiar a seção 05. Esta então tomou a frente, “qualificando” alguns heterodoxos durante a sessão de fevereiro de 2015. “Uma manobra tática e cosmética, destinada a acalmar o jogo e a esconder uma lógica estrutural que permanece imutável”, analisa o presidente da Afep, André Orléan, que acaba de dirigir a redação de um “Manifesto por uma economia pluralista”.3

Falta entender o porquê da energia gasta para sabotar a segunda seção. Se os heterodoxos são tão ruins, por que não deixá-los ir? “Não se trata para nós de rejeitar as abordagens neoclássicas nem de substituir uma hegemonia por outra, mas de permitir a coabitação de todas as correntes”, lembra Orléan. O discurso oficial invoca uma luta contra a “balcanização” e uma preocupação com a unidade. Um argumento fraco, se considerarmos que a física, a biologia, o direito e a história ocupam diversas seções. O motivo é sem dúvida menos nobre: “Eles temem principalmente ver os estudantes desertarem dos cursos de microeconomia, que são de matar de tédio, e se inscreverem nas licenças ‘Instituições, economia, território e sociedade’”, estima Florence Jany-Catrice, da faculdade Lille 1. De fato, os efetivos estão em queda livre: o número de inscritos no primeiro ano diminuiu 64% entre 2002 e 2012.4 A ponto de as faculdades de economia serem obrigadas a se fundir com as de administração, julgadas mais profissionalizantes, para tentar segurar os alunos.

Empurrados para outras disciplinas

Para o sociólogo Luc Boltanski, a violenta oposição dos ortodoxos se explica de outra maneira: eles lutam “para preservar o monopólio sobre o conceito de economia”.5 Eles não suportam que pesquisadores que não praticam a modelização matemática e questionam a eficiência dos mercados possam migrar para uma seção que conservaria o selo “economia”. Quando Giovanni Dosi, economista heterodoxo italiano, submeteu uma contribuição ao Journal of Mathematical Economics, ele recebeu uma resposta clara: “Seus agentes não maximizam, seu artigo não é de economia, submeta-o a um jornal de sociologia”. A recusa deve ser entendida ao pé da letra: os neoclássicos querem que os pesquisadores das correntes minoritárias partam para outras disciplinas e desapareçam como economistas.
De certa forma, eles têm razão em esperar por isso, pois já está acontecendo. Bernard Friot, por exemplo, foi para a sociologia: “Eu era conferencista em Nancy, com uma tese de Estado em economia do trabalho. Mas não tinha coragem de aceitar doutorandos para fazer uma tese sob minha orientação, pois isso os conduziria a grandes dificuldades para serem contratados pela universidade. Então prestei uma habilitação para orientar pesquisas em sociologia, para me tornar professor de sociologia do trabalho em Nanterre”, conta o teórico do salário vitalício.6 “A vitalidade da socioeconomia na França se deve, inclusive, em parte, à passagem dos economistas para a sociologia.” De fato, os sociólogos François Vatin e Philippe Steiner também são antigos economistas. Frédéric Lordon, especialista das crises, principalmente financeiras, por sua vez migrou para a seção de filosofia do CNRS. “Aqueles que se cansam de serem bloqueados também vão conquistando território nas ciências da educação, nas políticas e nas da comunicação”, acrescenta Flacher. Importante saber: se quisermos ouvir economistas que têm algo a dizer sobre a sociedade, logo não será mais nas faculdades de ciências econômicas que deveremos procurar.
 

Laura Raim 

Jornalista

 

1              Estes títulos designam os professores-pesquisadores titulares no ensino superior. Em novembro de 2014, a seção de ciências econômicas contava com 1.270 conferencistas (e semelhantes) e 536 professores (e semelhantes).

2    “Evolution des recrutements des professeurs de sciences économiques depuis 2000. La fin du pluralisme” [Evolução dos recrutamentos dos professores de ciências econômicas desde 2000. O fim do pluralismo], Afep, set. 2013.

3    André Orléan para a Afep (org.), À quoi servent les économistes s’ils disent tous la même chose? Manifeste pour une économie pluraliste [Para que servem os economistas se todos dizem a mesma coisa? Manifesto por uma economia pluralista], Les Liens qui Libèrent, Paris, 2015.

4    Pierre-Cyrille Hautcoeur, “L’avenir des sciences économiques à l’Université en France” [O futuro das ciências econômicas na universidade francesa], relatório para a ministra do Ensino Superior e da Pesquisa, Paris, 5 jun. 2014.

5    Luc Boltanski, intervenção na Assembleia Extraordinária da Afep, Paris, 13 jan. 2015.

6          Ler Bernard Friot, “Retraites, un trésor impensé” [Aposentadorias, um tesouro impensado], Le Monde diplomatique, set. 2010.


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