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greve 1917Brasil - Blog do Coletivo Retomadas - [Givanildo Giva Manoel e Fernando Paganatto] Por que motivos a esquerda perde-se tentando extrair da conjuntura a teoria para explicá-la?


Por que as análises são paridas com tanta dificuldade e os consensos demasiadamente demorados? Quando foi que a esquerda marxista ficou presa ao fetiche da análise da conjuntura, como se somente ela pudesse emancipar o proletariado, suplantando posteriormente o sistema capitalista? A análise de conjuntura tornou-se excessivamente importante para a esquerda organizada, como fosse o oráculo que falta para nos guiar para a ação junto à classe trabalhadora. Prendemo-nos tanto ao medo de nos equivocarmos na análise, que esquecemos daquilo que é necessário para o acerto na teoria.

Perdemos momentos de conjuntura favoráveis para o crescimento da pauta de esquerda, de ascensão de disputas e fortalecimento da classe, por sermos pegos de surpresa pelas mudanças sutis, porém potenciais, na sociedade. A esquerda, por vezes nos últimos anos, omitiu-se por pavor de agir em situações que fugiram a seu controle. Nos sentimos, em diversas ocasiões, impotentes e perplexos por não termos antecipado os movimentos da classe trabalhadora. Nos diminuímos e nos acanhamos quando descobrimos que erramos nas previsões e, de repente, uma situação completamente diferente daquilo que havíamos imaginado, surgiu à nossa frente. Nos acovardamos frente à vontade popular, porque não soubemos antecipá-la. Quebramos as cabeças em “think tanks” socialistas, organizamos palestras e seminários para tentarmos entender a conjuntura. Estudamos a história e a sociedade. E, mesmo assim, perdemos os bondes da oportunidade que passaram, e que vêm passando desde o início do século XX, enquanto debatíamos opiniões diversas para atingir um consenso ilusório.

A reflexão é sempre desejável e necessária, não há dúvidas. Através dela que o trabalho se racionaliza, cortando aquilo que é inútil, o que não dá certo, otimizando o que é eficiente, enfim. É só com uma análise séria e profunda que podemos entender no que e por que erramos para que não aconteça novamente, e onde e como acertamos, para repetir. Mas duas coisas que a teoria não pode, para os marxistas, se tornar: prioridade sobre a prática e motivo para a inércia.

Se nós, que somos socialistas, não dermos o devido valor às coisas, a ideologia capitalista sempre se sobreporá ao nosso discurso. Por motivos óbvios: é a ideologia dominante, arraigada e que possui o poder de divulgação e de persuasão. De outra maneira, esperar que nossa análise acerte contundentemente a realidade de modo que crie perspectivas que se concretizem é esquecer da “Lei de Garrincha”: antes, é preciso combinar com os russos. No caso, “os russos” são tanto a essência da classe trabalhadora, que é pujante, viva, heterogênea e caótica, quanto a da burguesia, que criou um modelo econômico com crises crônicas e mesmo assim mantém sua hegemonia ideológica há séculos. A burguesia, diferentemente da esquerda, se mobiliza rápido, possui armas para se defender e o capitalismo é sua fortaleza cheia de mecanismos de autodefesa. Ela não precisa analisar nada, porque ela está lá, no seu lugar, concentrando o poder sobre o sistema político-econômico-cultural. Assim, esperar que as coisas andem conforme nossas análises e previsões, é como ter esperança em pegar uma mosca pelas asas.

Se continuarmos esperando a antecipação de uma conjuntura favorável, para então pensar junto à classe trabalhadora os rumos à revolução socialista, vamos sempre nos decepcionar, desmotivar e desmobilizar, criando movimentos de ondas, que oscilam entre uma ascensão por conta da realidade material da classe, e um posterior descenso por conta de sua abrangência limitada. Mas o pior de tudo, não é nossa incapacidade de fazermos uma análise de conjuntura correta. Isso é normal, as coisas mudam e mudam rapidamente. Muito provavelmente erraremos nas análises que fizermos. O pior mesmo é achar que a falta de compreensão das mudanças na conjuntura é que afastou a esquerda socialista do operariado. Assim como, analisar equivocadamente que a falta de contato com os trabalhadores faz com que tenhamos análises e previsões erradas e que, por isso, não conseguimos agir corretamente. É acreditar que basta voltar a militar junto à classe para começarmos a fazer diagnósticos corretos e, então, conseguirmos encabeçar uma revolução proletária. Esse raciocínio, apesar de parecer a resposta para os problemas de inércia da esquerda socialista, além de desmoralizar todo o trabalho que é feito hoje por diversas agremiações progressistas, é falacioso. É falacioso porque mantém a mesma lógica. Aquela lógica que sobrepõe a teoria à prática. Todas essas conclusões partem de uma mesma premissa, aquela que nos engessou, de que falta a teoria correta, o entendimento da atualidade, quando, em verdade, essa compreensão conjuntural não existe!

Para sermos honestos, ela até existe, mas só pode ser construída longe de cátedras universitárias, reuniões de partidos ou salas fechadas onde especialistas debatem, mesmo que tragam a experimentação do contato com a classe. E ela não é bem aquilo que buscamos durante tanto tempo. O grande erro da esquerda socialista foi ter se esquecido do básico: a teoria e a prática andam juntas. Não é que são dependentes uma da outra, que através de uma chega-se à outra. Elas são, isso sim, duas faces de uma mesma moeda. Não se pode esperar por uma preparação em relação à conjuntura para poder fazer a disputa ideológica com o modelo burguês. Assim como, não basta estar lá, no chão da fábrica, nas ruas junto aos movimentos sociais, para acertar a análise. Porque, se a realidade é caótica, a teoria analítica só pode ser inconstante e os rumos democráticos incertos. Obviamente, como já dissemos, uma análise conjuntural correta, com contribuição da intelectualidade, nos dá elementos para uma ação mais eficiente. Porém, ela só pode existir se caminhar junto à experiência concreta, se for construída e reconstruída no dia a dia, na tentativa de transformação e superação das lógicas capitalistas.

A perplexidade da esquerda socialista frente aos movimentos autônomos, sem organizações que os liderem (como foi o movimento grevista nas grandes obras públicas de engenharia, a ascensão da juventude aos protestos de rua, a greve dos garis, etc.) só aconteceu porque, justamente, a espontaneidade foi a ignição que acendeu o rastilho. Foram momentos como os que os socialistas sempre sonharam, de empoderamento da classe trabalhadora após um processo contínuo de indignação e de reconhecimento de sua realidade concreta. Porém, surpresa maior foi ver que não estávamos preparados para isso. E nunca estaremos se for mantida a primazia da teoria sobre a prática, pois no momento em que a massa se mobiliza, ela precisa ter um plano B, uma alternativa para almejar, ou haverá a cooptação do movimento pela ideologia dominante e pela condição material sob controle da burguesia, que intervém pontualmente para que tudo volte ao normal.

Mas então, se não é quebrando a cabeça em nossas análises para que expressem o mais próximo possível da realidade, nem apenas levando nossa militância para junto da classe trabalhadora para melhor conhecê-la, como podemos nos colocar no campo de disputa pela hegemonia ideológica? Essa resposta não se pode dar com certeza, pois seria leviandade nossa criticarmos a relação atual entre teoria e prática e depois passarmos uma receita fechada como se fosse o caminho para o Éden. No entanto, se a teoria nos deve vir do empirismo, deveríamos ser menos os quadros socialistas que somos, e mais o proletariado socialista que gostaríamos que existisse.

A história nos mostra que antes de qualquer sistema político-econômico ser suplantado, a prática do sistema que posteriormente viria a ser o dominante foi crescendo geometricamente, construindo a cultura responsável pela derrocada do regime em voga. Tomemos como exemplo a própria revolução burguesa. Os burgueses já existiam muito antes das suas revoluções, e seus ideais já eram propagados e abraçados bem antes do Iluminismo. Esses grandes acontecimentos só foram possíveis porque a burguesia teve paciência histórica de construir seu poder cotidiana e constantemente, galgando-o através da economia e de sua crescente influência, até que se tornou impossível a convivência de duas classes dividindo o Poder e a hegemonia ideológica. Neste momento, eclodiram as revoluções burguesas na Europa, o Protestantismo, o Iluminismo, etc., que foram tirando o Poder das mãos das nobrezas e desfazendo sua sociedade.

O problema é que em nossa sociedade atual não temos exemplos significantemente numerosos e abrangentes de experiências socialistas. As que existem são poucas, atingem grupos geograficamente muito limitados ou são de má qualidade. São de má qualidade não porque não cumprem seus papéis de buscar alternativas aos problemas pontuais do capitalismo, mas porque carregam a bagagem ideológica burguesa e não superam sua lógica individualista para além do interior daquele projeto específico. Precisamos de práticas realmente socialistas, que englobem um novo ideal de comunidade e sociedade, um novo ideal de ser humano.

É difícil saber o que é uma prática socialista quando os conceitos sobre como seria uma sociedade socialista são diversos e imprecisos. No entanto, sabemos duas coisas sobre ela: é solidária e é anticapitalista. Além disso, sabemos que o socialismo é um regime que vem como consequência histórica ao capitalismo, logo, será baseado nos conceitos deste. O que é muito óbvio, pois como seria possível para os trabalhadores criados e viventes na sociedade burguesa formatarem seu ideário, desfazerem-se de todo seu patrimônio cultural para, a partir do zero, reinventarem sua ideologia? Sendo assim, as respostas para a superação do capitalismo partirão das próprias fraquezas do capitalismo: a realidade concreta da classe trabalhadora e suas injustiças socioeconômicas.


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