1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (0 Votos)

130815 fredericoEsquerda Diário - [Gilson Dantas] Continuando a argumentação da nota anterior, aqui se faz necessário reiterar o conceito de “unidade diferenciada”, que Trotski – citado por Rees, 1998 - utiliza constantemente para distinguir o enfoque materialista dialético do reducionista e determinista.


 Trotski utiliza aquela ideia (da “unidade diferenciada”) na sua análise das ciências. Ele argumenta que a psicologia repousa na fisiologia que por sua vez repousa na química e assim por diante. Mas ´a química não é substituto para a fisiologia´. Na verdade, ´a química tem suas próprias chaves´ que devem ser estudadas separadamente utilizando ´uma abordagem especial, uma técnica de pesquisa especial, hipóteses especiais e métodos também´. E “cada ciência repousa sobre as leis de outras ciências apenas na assim chamada ´última instância”. Esta compreensão previne Trotski de aplicar simplesmente leis naturais à sociedade.
Trotski adverte que seria um ´erro fundamental´ qualquer tentativa de transplantar para a sociedade humana ´os métodos e avanços da química ou da fisiologia, violando as fronteiras entre as ciências´. É verdade, argumenta ele, que ´a sociedade humana está cercada por todos os lados por processos químicos´. No entanto, ´a vida pública nem é um processo químico e nem fisiológico, mas um processo social formatado por suas próprias leis (REES, 1998 grifo do autor).

Na sua obra A dialética da natureza Engels jamais ultrapassa esse método de análise ou essa perspectiva teórica. Ele toma a natureza como uma totalidade, dotada de leis e contradições internas e a matéria (entendida como inseparável da energia) em processo de auto-desenvolvimento interior, seja no processo que deu origem ao próprio surgimento dos humanos, como antes, de toda forma animal. O mundo humano e o da natureza estruturam-se, entrelaçados, sob a dinâmica relação de uma unidade dos opostos, para usar o termo dialético. Nesta relação, natureza e humanidade são unidos mas não idênticos. E será a relação entre estes que irá formatar o desenvolvimento de cada um (REES, 1994).

Deste processo emergem as comunidades humanas as quais, mesmo originadas da natureza e do mundo animal, mas daí em diante, a partir da crescente diferenciação sua em relação à natureza através do trabalho, estruturam-se segundo outras formas dialéticas de funcionamento, onde, como foi citado, tem papel próprio e decisivo, a vontade, a consciência ou a subjetividade (refratada, politicamente, pela luta de classes, pela consciência).

O argumento de Rees (1998) dá conta desse ponto de vista: “Se a natureza forma uma totalidade, e é assim, exceto se não somos completamente materialistas e acreditemos no sobrenatural, e se esta totalidade se desenvolve, como a teoria da evolução indica, então somos ou não obrigados a imaginar este auto-desenvolvimento como movido por contradição interna? Este vem a ser exatamente o ponto em que se situa o núcleo teórico do argumento em Dialética da natureza. E é exatamente ao ter que confrontar, precisamente, esse tipo de problema, que alguns cientistas se sentem encorajados a desenvolver uma concepção de mudança, materialista, influenciada pelo marxismo. Outros, no sentido oposto, tentando defender uma visão mais tradicional do método cientifico, frequentemente podem ser surpreendidos cortejando explicações semi-místicas sobre a causa original”.
Não se trata de uma negação da dialética – segue argumentando Rees - o fato de que encontremos diferentes formas de dialética em diferentes aspectos da realidade mas na verdade é a confirmação da utilidade dessa abordagem e a prova contra as acusações de que o marxismo é uma forma de reducionismo”.

Engels deu bastante atenção às ciências naturais, tratando de destacar a presença da dialética na natureza. O que não é de menor importância. “O enorme desenvolvimento das ciências naturais que Engels presenciou e interpretou como confirmação da dialética faz com que seu entusiasmo por estendê-la a estes campos não seja injustificado” (DÍAZ, 2002). Esta preocupação de Engels nada tem a ver, portanto, com as acusações que os desavisados atiram contra Engels: de que ele abandonaria o terreno da revolução com sua dialética da natureza ou de que adotava algum tipo de pensamento objetivista ou proto-stalinista (no sentido de mecanicista); ao contrário, argumenta Negt (1985): “A dialética da natureza de Engels é um elemento da sua teoria da revolução; quer contribuir para que os proletários se libertem de sua dependência inconsciente de ideias naturalistas e metafísicas, para que eles comecem a pensar dialeticamente; procura superar a acidentalidade e a fragmentariedade da consciência. No stalinismo, ao contrário, esse elemento emancipador se perverte num objetivismo que demonstra exatamente a impotência dos sujeitos. De fato, não é possível abordar o conjunto da problemática da dialética da natureza de Engels independentemente de uma teoria do desenvolvimento revolucionário; não é possível abordá-la sem uma avaliação global que exclui a neutralidade. Só exigências escolásticas podem se satisfazer com a controvérsia que já vem durando quase um século em torno da questão de se existe ou não uma dialética da natureza”.

O mesmo autor, Negt, argumenta que é necessário criticar como demasiado limitante, por exemplo, a tese do jovem Lukács – que se estende ao chamado marxismo ocidental - que só validava a dialética para o campo das categorias históricas e que termina acusando Engels de circunscrever a dialética ao campo da natureza ou de separar natureza de história. Negt é categórico (1985): “Em nenhum caso é lícito atribuir ao último Engels a responsabilidade por uma corrupção ontológica da dialética, tal como pretende todo o ´marxismo ocidental´, na esteira de Lukács”.

Ao mesmo tempo, quando Engels tem clareza que “a natureza adquire consciência sobre si mesma” no processo de desenvolvimento do homem, também tem noção de que se constroem, por essa via, uma perspectiva determinada: “Com o homem, entramos na história. Também os animais têm uma história: a de sua descendência e desenvolvimento gradual até seu estado atual. Mas essa história é feita para eles e, na medida em que ele eles mesmos dela participam, se realiza sem que o saibam ou queiram. Os homens, pelo contrário, quanto mais se afastam do animal, entendido limitadamente, tanto mais fazem eles próprios sua história” (Engels, 1979, 26).

Este mesmo autor chamará a atenção em seguida no sentido de que o resultado histórico só corresponderá aos objetivos dos homens se estes assumirem, como produtores associados, o controle da produção da riqueza e a planificarem coletivamente. Na sociedade de classe “as forças não controladas são muito mais poderosas do que as postas em movimento de acordo com o plano estabelecido”; ou seja, na sociedade existe a possibilidade de se superar aquela ordem inconsciente ou não controlada que é característica da natureza. Claramente trata-se de outra dialética, como foi argumentado antes.

Engels prossegue (1979): “E não pode ser de outra maneira, enquanto a principal atividade histórica do homem, aquela que o elevou da animalidade à humanidade, a que constitui o fundamento material de todas as suas outras atividades – a produção para as necessidades de sua vida, isto é, hoje em dia a produção social – enquanto aquela atividade estiver submetida ao jogo flutuante de influências indesejáveis; de forças não controladas”. Hoje se chega a produzir infinitamente mais que em qualquer época, diz ele, mas pergunta: “Qual a consequência daí decorrente? Crescente excesso de trabalho e crescente miséria das massas”; e crises econômicas recorrentes”. Aparece claramente a revolução social como única via para que os humanos levantem, sua história finalmente consciente.
Nos marcos desta diferença qualitativa e dialética entre a sociedade, com a possibilidade do sujeito revolucionário (materialismo histórico), e a natureza, esfera da dialética objetiva, é que opera o pensamento de Engels.

E na verdade, o marxismo, e por sua vez a crítica marxista das ciências, constituem um chamado a libertar a ciência e a sociedade das ilusões ideológicas que permeiam a sociedade baseada no poder dos poucos que não trabalham, donos dos meios de produção e seus aliados, organizados como poder de Estado contra a classe trabalhadora.

Nesta perspectiva e nestes marcos é que Marx e Engels levaram um combate sem quartel contra o determinismo e o mecanicismo. E defenderam a existência da história natural com suas leis dialéticas espaço onde se cruzam acaso e necessidade todo o tempo, e também da história humana com suas leis tendenciais próprias, onde também acaso e necessidade se cruzam, mas onde a subjetividade e a vontade das grandes massas – inconsciente na maior parte das vezes e se efetivando através da luta de classes – tem papel central.

Bibliografia -
DÍAZ, Ariane, 2002. Las ´contingencias´ del ´determinismo´ marxista – Acerca de los Cuadernos Filosóficos de Trotsky. In Lucha de Clases n.1, noviembre 2002.
ENGELS, Frederich, 1979. A dialética da natureza, 6ª. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
NEGT, Oskar, 1985. O marxismo e a teoria da revolução no último Engels. In HOBSBAWM, Eric, História do marxismo: o marxismo na época da II Internacional, vol.2, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 2ª. ed, 1985, p. 125-200.
REES, John, 1994. Engel´s marxism. In International Socialism n.2, winter 1994.
REES, John, 1998. The algebra of revolution – The dialectic and the classical marxist tradition. London: Routledge.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.