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rosaColetivo Isegoria PSOL - A construção histórica da esquerda mundial tem sido marcada por um aspecto pouco mencionado e discutido: a relação entre as formas organizativas e a supressão das individualidades.


Os partidos de esquerda, compreendidos também enquanto espaço de socialização, criaram mecanismos políticos que obstruem as potências de cada sujeito inserido nesse ambiente. Dessa forma, acabam por sufocar as liberdades de pensamento e as expressões autênticas e criativas de seus militantes, impedindo, portanto, a possibilidade de florescer, ao máximo, a diversidade que pulsa nessa atmosfera político-cultural. Isso se expressa através das suas maneiras tradicionais de se organizar, destacando suas formas hierarquizadas e construídas sob o princípio do centralismo democrático (projetado e defendido, sobretudo, por Lênin, o principal "dirigente" da Revolução Russa, membro do Comitê Central do Partido Bolchevique e, segundo as palavras de Eric Hobsbawm, "a figura mais influente do século XX"), criticado intensamente por Rosa Luxemburgo.

A maneira escolhida e, talvez, peculiar para adentrarmos as análises de Rosa Luxemburgo acerca da sociedade, dos processos revolucionários, da organização partidária e da democracia permeia, primeiramente, a trajetória dessa personalidade política que nos inflama a reflexões da existência humana sob as amarras do capitalismo e das organizações de esquerda autoritárias. Sendo assim, a resistência ao "apagamento das individualidades" e a livre expressão dos afetos é parte fundamental de sua luta e não pode ser minimizada.

Por isso, alcançar a trajetória da Rosa e, consequentemente, a dimensão da sua individualidade, que é parte estruturante dos seus pensamentos; é o primeiro passo no exercício crítico à esquerda, afinal esta, quase sempre, apaga os sujeitos que existem e que operam com afetos, ao trazer seus símbolos de referência teórica-intelectual.

Rosa Luxemburgo é a expressão de uma mulher que lutou, insistentemente, por espaço político num ambiente historicamente dominado por homens: o Partido; dominação que se manifesta e se projeta desde o momento de fala, como espaço de visibilidade para os homens até a predominância masculina nas estruturas de poder, como os cargos de Direção. [1] Rosa enfrenta essa hierarquia desde o período em que chega a Berlim, em 1898, para construir sua militância no Partido Social-Democrata Alemão, considerado na época a maior organização de esquerda da Europa. A Social Democracia Alemã, nesse período, era também o ambiente da principal referência intelectual da II Internacional, Karl Kautsky (quem Rosa, mais a frente, passa a criticar pelas posições políticas baseadas no oportunismo(1) e aliadas ao reformismo(2) da época, o que leva ela e outr@s campanheir@s a romperem com Kautsky e seu setor do Partido, fundando a Liga Spartakus).

Contudo, esse contexto não inibe Rosa de revelar a autonomia dos seus pensamentos, de mergulhar no universo da vida política, batalhando pela sua liberdade de criação intelectual na constante afirmação da sua independência política.[2]

Traçando o panorama histórico-político de Rosa para percebermos as influências que alcançam as suas reflexões, visualizamos a mulher que é atravessada pela passagem do século XIX até o século XX; respirando o ar turbulento da I Guerra Mundial em território alemão, sendo de família judia, motivo de perseguição por parte do antissemitismo já disseminado na sociedade alemã. Foi presa política por várias vezes ao longo de sua vida, sendo que de 1916 a 1918 encarou seu maior período de encarceramento. Em 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo e seu companheiro de luta, Karl Liebknecht, são assassinados por oficiais e soldados alemães das unidades militares.

Por fim, vale ressaltar que a luta por reconhecimento e expressão da individualidade é a condição básica para uma profunda análise das questões abordadas por Rosa, no sentido de compreender o perfil que gesta suas reflexões intelectuais e mostrar a personalidade política dessa mulher revolucionária, cuja trajetória é também uma gama de enfrentamentos às desigualdades de gênero e, portanto, um campo frutífero (embora pouco explorado) para as feministas. Onde, talvez, há várias possibilidades de identificação por parte das mulheres que se lançam à militância. Rosa, que se vê constantemente no conflito dos frágeis limites que contornam a sua vida coletiva e seus diversos desejos individuais, se expõe, com coragem, ao desafio de lutar pela felicidade que abrace todas essas dimensões da sua existência. Portanto, para Rosa, "é preciso levar sempre uma vida em que toda a personalidade esteja empenhada."[3]

Esquerda autoritária: práticas do exercício do poder e condicionamento das liberdades

É fundamental a reflexão sobre os motivos e a maneira como os partidos de esquerda, historicamente, procedem na permanência de práticas políticas autoritárias. Trata-se de compreender essa característica nos marcos de um mecanismo de controle social. Essas formas de controle que se manifestam através de posições de poder, não se diferenciam tanto, em seu formato, dos mesmos mecanismos que operam nas instituições presentes na sociedade humana há séculos (como igrejas ou os próprios instrumentos e constituições dos Estados e, portanto, polícias e aparelhos da burocracia) que, ainda que, possam não ter sido criadas, sem dúvidas, foram apropriadas e reforçadas pelo capitalismo no seu exercício de dominação.

Mas então, o que existe de comum em todas essas intuições, incluindo os partidos tracionais da esquerda? A existência de indivíduos inseridos num tecido social, que exercem posições de poder e autoridade, para justificar as formas de controle sobre outros indivíduos situados em posições "inferiores" da hierarquia. Na Esquerda isso se expressa na constituição organizativa através dos seguintes "órgãos" dos partidos: Direção, Comitê Central ou Coordenação.

Dessa forma, a presença de organismos de Direção na esquerda, formada pelos "melhores Quadros (3)" do partido, se configura como uma forma conservadora de organização, um espaço de privilégios. Isso alimenta, substancialmente, a cultura da submissão, um aspecto social a ser desconstruído na busca pela democratização e ressignificação do espaço partidário, enquanto instrumento que visa a potencializar as mais profundas transformações sociais. Por isso, é necessário que essa esquerda ortodoxa (compreendida como os partidos de origem e tradição marxista-leninista, os partidos trotskistas e a versão mais degenerada e autoritária da esquerda, os partidos stalinistas, que desempenham certos papéis sociais com determinadas atuações políticas, todos mergulhados, ainda que à sua própria maneira, no centralismo democrático) problematize as suas concepções e práticas políticas que se relacionam diretamente com seu modelo organizativo.

O resultado da socialização nesse ambiente autoritário, o partido, é a crescente e intensa tentativa de "homogeneização" dos indivíduos; que reduzem seu papel de atores sociais criativos a meros reprodutores de uma ordem, prontamente aptos a cumprirem todas as tarefas estabelecidas pela Direção e afirmarem, instantaneamente, as ideologias que lhes forem impostas. E qual é o prêmio? A possibilidade de ascensão na escala de poder, ou seja, a expectativa de se tornar uma (um) dirigente do partido.

Uma ótima demonstração dessa crítica organizativa ao modelo projetado por Lênin se traduz nas reflexões de Rosa Luxemburgo em sua obra Questões de Organização da Social Democracia Russa (1904)

O livro em questão do camarada Lênin (um passo a frente, dois atrás), um dos mais destacados dirigentes e militantes da Iskra, na sua campanha preparatória antes do congresso russo, é a exposição sistemática do ponto de vista da tendência ultracentralista do partido russo [...] Consiste na rigorosa disciplina e interferência direta, decisiva e determinante das autoridades centrais em todas as manifestações vitais das organizações locais do partido [...] Assim, os membros ativos da organização transformavam-se naturalmente em simples órgãos executivos de uma vontade predeterminada, fora de seu próprio campo de ação, e instrumentos de um comitê central.[4]

Vale ressaltar, ainda, a construção do discurso autoritário da Esquerda alicerçado na conjuntura política atual. É comum o questionamento e a tentativa de enfrentamento ao individualismo enquanto valor social próprio do Capital, enquanto ideologia que alimenta a competição seja no mercado ou outras esferas da vida social; que, além disso, se impõe enquanto barreira na formação de uma sociedade nutrida pela coletividade humana e capaz de se organizar enquanto classe oprimida.

Entretanto, marcados, predominantemente, por uma visão binária, segundo a qual o indivíduo precisa ser sufocado para o nascimento de qualquer coletividade, os partidos de esquerda se apóiam na política de combate ao individualismo (de tal maneira que toda individualidade é sinônimo desse individualismo) como mais uma forma de supressão das liberdades. Seja através da aplicação de rígidas e severas disciplinas; de modelos militarizados e punitivos do cumprimento de tarefas; da tentativa de apagamento das diferenças políticas ou até mesmo do controle sobre a vida diária, sobre os corpos, o tempo e as decisões de cada indivíduo.

Portanto, esse discurso de autoridade desenvolvido pela esquerda revela uma noção distorcida, que concebe como algo quase patológica e não como um fato social tudo o que vem a ser a manifestação desse individualismo. Dessa forma, tal crítica social da esquerda não pode ser utilizada como instrumento coercitivo para condicionamento das liberdades, afinal, o desenvolvimento dessa coletividade não pode operar negando a livre expressão das individualidades.

Política agrária e transformação das experiências histórico-sociais

I

Para compreender a origem e continuidade de certas concepções que estruturam a esquerda autoritária não apenas no seu interior organizativo, mas também no seu alcance à sociedade numa dimensão mais ampla que o partido, ou seja, na relação direta com o povo e os movimentos sociais, utiliza-se como base argumentativa a crítica realizada por Rosa Luxemburgo à política agrária desenvolvida pelos Bolcheviques. Percebemos, através disso, a atualidade do pensamento da Rosa. Ela evidencia de que maneira a dinâmica das relações sociais se transformam e, sobretudo, como se modifica a própria luta de classes ao exibir, inclusive, novos antagonismos.

Dessa forma, Rosa aponta uma questão ainda bastante atual discutida em seu texto a Revolução Russa; tratam-se dos conflitos e desigualdades entre o espaço urbano e o espaço agrário. Portanto, ao analisar a política agrária no que tange a tentativa de socialização da agricultura, a chamada coletivização do campo que o Partido Bolchevique buscou desenvolver na Rússia, cria-se, então,

uma questão de luta entre o proletariado da cidade e a massa camponesa. A que ponto chegou hoje esse antagonismo, mostra o boicote das cidades por parte dos camponeses, que conservam em seu poder os gêneros alimentícios, a fim de obter lucros exorbitantes exatamente como fazem os abutres prussianos.[5, p.205]

Para chegar a essa conclusão, Rosa sugere que a tomada e distribuição das terras da nobreza russa pela revolução,"conduzia a passagem súbita e caótica da grande propriedade latifundiária, não a propriedade social, mas a uma nova propriedade privada"[5, p.204].

Dessa forma, Rosa nos incita a perceber a necessidade de rompimento com a ideia mecânica e tradicional de burgueses x proletários, na medida em que essa dicotomia é vista apenas nos marcos de quem detém os meios de produção e quem não detém os meios de produção; sob a ótica da existência de uma "massa" trabalhadora (enquanto sujeito revolucionário) homogênea, sem agência social, ligada, unicamente, à produção fabril. O que não significa, por outro lado, que não há aqui o reconhecimento de relações de poder diametralmente opostas.

As contradições sociais pulsam na vida cotidiana e nos indivíduos concretos como parte integrante e ativa da sociedade, tal como se verifica através da relação de poder entre camponeses e proletários naquela época. Dessa forma, é fundamental problematizar o conceito de classe social apresentado ainda hoje pela esquerda tradicional, na medida em que nega a própria complexidade existente no interior da sociedade, gerada também pela diversificação do mundo do trabalho e o processo de ampliação do setor de serviços. Além disso, notamos tal aspecto na configuração das relações sociais; por isso, os sujeitos oprimidos de hoje, que por essa condição podem manifestar seu potencial revolucionário, não se encontram apenas dentro das fábricas, ou na categoria homem, na categoria heterossexual ou na categoria branco.

II

É importante ressaltar que a reforma agrária realizada por Lênin e criticada consistentemente por Rosa se abre com uma relevância singular para análise, já que o contexto em que se encontrava a Rússia em 1917 era o de um país predominantemente agrário, diferente da maioria dos outros países europeus. Portanto, não havia na Rússia um grande contingente de proletári@s situad@s na cidade e incorporados no setor da produção fabril. Isso se destaca porque a realidade se revelou em contraposição ao que era esperado pelo movimento socialista internacional, pelos Partidos Social-Democratas e por aquilo que foi teorizado por Marx e Engels. Segundo estes, a revolução teria mais possibilidades de acontecer onde o proletariado estivesse mais "preparado" e amadurecido para a "tomada do poder" sob o contexto que geraria as condições para essa luta: o capitalismo em pleno avanço de produtividade e intensificação da exploração do trabalho; o que potencializaria a capacidade de organização desse proletariado em classe enquanto sujeito revolucionário da história. Embora essas características consideradas como as melhores condições para a "inevitável revolução" estivessem presentes na Alemanha, a maior potência capitalista-industrial da Europa até então, a revolução ocorreu na Rússia, um país de capitalismo periférico.

Isso demonstra que não há teoria capaz de enquadrar a realidade e determiná-la. As sociedades estão em mudança constante, sob processos dinâmicos, históricos e variadas experiências de socialização. Infelizmente, parte da esquerda ainda hoje insiste em se basear em formas mecânicas de perceber as experiências sociais dos movimentos de resistência e as revoluções que ocorreram ao longo do tempo. Tanto que os partidos tradicionais da esquerda, na maioria das vezes, concebem as teorias não como instrumentos que auxiliam nos processos de luta e reflexão, mas como manuais a serem seguidos rigidamente; não concebem @s autor@s marxistas e libertári@s, como referências, mas como líderes capazes de guiar tod@s para o caminho da revolução socialista.

Podemos verificar isso através das próprias palavras do Lênin em sua obra o Estado e a Revolução (1917), em que afirma a existência e os modos operantes da vanguarda da revolução, a tradução máxima da justificativa para a concentração de poder e práticas autoritárias no interior do Partido Bolchevique: "Educando o partido operário, o marxismo forma a vanguarda do proletariado, capaz de tomar o poder e de conduzir todo o povo ao socialismo, capaz de dirigir e de organizar um novo regime, de ser o instrutor, o chefe e o guia de todos os trabalhadores, de todos os explorados, para a criação de uma sociedade sem burguesia, e isto contra a burguesia."[6]

Democracia radical e processo revolucionário: a construção viva e permanente de um Socialismo Libertário

I

A cultura autoritária experimentada pelas organizações de esquerda, nos marcos da trajetória do Partido Bolchevique até os dias de hoje, nos incita a compreender os mecanismos concretos e as políticas desenvolvidas tanto no interior do Partido quanto na atmosfera das relações sociais, através, sobretudo, do contexto da Revolução Russa, talvez o mais influente acontecimento histórico da esquerda mundial. A partir disso, poderemos refletir como esse caminho mesmo que, às vezes, de formas diferentes, permaneceu sendo afirmado pelos partidos de esquerda no contexto político atual.

Visualizamos essa crítica a partir da abolição da Assembléia Constituinte pelos bolcheviques em novembro de 1917, que extirpou um dos principais instrumentos de participação política do povo e que mesmo mantendo os sovietes (única forma de representação política que restou nesse período por parte da sociedade civil), cada vez mais passou a concentrar todo o poder de decisão no Partido. A justificativa apresentada por Lênin e Trotsky para tal postura baseia-se na necessidade, segundo eles, de não dar nenhuma oportunidade de avanço para a contra-revolução. Entretanto,

tal concepção se acha em completa contradição com toda experiência da história. Esta nos mostra que o fluido vivo da opinião popular banha constantemente os corpos representativos, penetra-os, dirige-os [...]. Deveria esta ação viva e permanente das massas sobre os corpos eleitos, parar exatamente em período de revolução, diante de esquemas rígidos, programas partidários e listas de candidatos? Bem ao contrário! A revolução cria, justamente pela flama que a anima, essa atmosfera política vibrante, impressionável, onde as vagas da opinião pública, pulso da vida popular, agem instantaneamente e do modo mais admirável sobre os corpos representativos.[5]

A consequência histórica dessa ausência de democracia na vida social da Rússia no início do século XX criou ou pelo menos orientou a existência das bases fundamentais para o estabelecimento da ditadura stalinista: a expressão máxima da política autoritária, dos processos de perseguição e até assassinatos de tod@s daquel@s que não colaboraram com os interesses absolutistas da principal figura desse regime, Josef Vissarionovitch Stalin. Afinal, como Rosa já alertava em 1918 aos bolcheviques:

sem eleições gerais, sem liberdade ilimitada de imprensa e de reunião, sem luta livre entre as opiniões, a vida morre em todas as instituições públicas, torna-se uma vida aparente, onde a burocracia resta como único elemento ativo [...] os que governam de fato são uma dezena de cabeças eminentes, enquanto uma elite da classe operária é convocada de tempos em tempos para reuniões com o fim de aplaudir os discursos dos chefese de votar unanimemente as resoluções que lhe são apresentadas. É, pois, no fundo, um governo de grupo, uma ditadura, é verdade, não apenas do proletariado, mas de um punhado de figurões, isto é, uma ditadura no sentido burguês, no sentido da dominação jacobina.[5]

Essa concepção antidemocrática, que não permite a possibilidade de florescer a manifestação das diferenças político-ideológicas, de criar e exercitar os mecanismos de participação popular, por meios diretos e não hierarquizadas e que inviabiliza a expressão das liberdades, encontra-se, ainda hoje, enraizada na esquerda tradicional. Sendo assim, a existência do centralismo democrático, como forma de organização ainda hegemônica dos partidos de esquerda, revela a impossibilidade lógica do exercício político profundamente democrático, afinal, centralismo e democracia são mecanismos inconciliáveis.

II

O processo revolucionário, aqui concebido numa perspectiva que não se resume a tomada ou destruição do poder pelo povo, mas se constitui como processo social, nas vias da auto-emancipação popular e auto-organização espontânea, livre e democrática, não se realiza, com toda sua potência de transformação concreta, através da direção de uma vanguarda iluminada ou de um partido. Portanto, como afirma Isabel Loureiro (principal estudiosa dos pensamentos de Rosa na América Latina), "Rosa não acredita que a conquista do poder de Estado, baste para transformar a sociedade, e por isso defende a ideia de que tomar o poder e mudar o mundo – que no texto em pauta se traduz pela defesa da democracia já- são dois momentos inseparáveis de um só processo."[7]

Muito diferente é o pensamento simplista que Lênin aborda em sua obra O Estado e a Revolução, na qual concebe a revolução como sinônimo da conquista do Estado pelo proletariado, pois a condição básica dessa revolução é o

poder proletário exercido sem partilha e apoiado diretamente na força das massas em armas. O derrubamento da burguesia só é realizável pela transformação do proletariado em classe dominante." De tal maneira que este proletariado no exercício do poder irá extirpar seu próprio poder fazendo com que o Estado simplesmente desapareça, como se não fosse também uma instituição social que se manifesta na vida concreta e, com isso, desaparecerá também a democracia, pois para o Lênin [6] "a democracia é também Estado e, por conseguinte, desaparecerá quando o Estado desaparecer. Só a Revolução pode "abolir" o Estado burguês. O Estado em geral, isto é, a plena democracia, só pode "definhar.[6]

Sendo assim, fazem-se necessários a reflexão e o questionamento da própria conquista do poder político do Estado. Afinal, essa vem sendo a estratégia fracassada da esquerda desde o final do século XIX, através da eminência dos partidos social-democratas e dos partidos comunistas. E se pensarmos em no Brasil contemporâneo, eis a ilustração do PT: "Hoje, ao que tudo indica, para a esquerda governamental, esses dilemas desapareceram [...]. A "esquerda" no governo optou pela real política sem revolução: limita-se a aplicar automaticamente o programa do capital da maneira mais pragmática possível, alegando que não há outro caminho, que não há brechas políticas no edifício monolítico do capital."[7]

Por isso, a refundação da esquerda se coloca sob dois aspectos: 1- o enfrentamento histórico, 2- um desafio político atual. Portanto, é fundamental que a esquerda, hoje, respire profundamente as novas formas de resistência e organização dos movimentos sociais, visualizando sob um processo pedagógico em constante atividade política, desde os movimentos antiglobalização; movimentos não verticalizados pela conquista de direitos, que se fundam sobre pautas específicas como: transporte, sustentabilidade, direitos das mulheres... no que se incluem os movimentos pós-junho de 2013, como algumas assembléias populares com proposta de horizontalidade. O que significa perceber o caráter de espaço público popular desses movimentos, ou seja,"uma forma nova de articular o indivíduo e a coletividade, muito diferente do funcionamento regular das instituições nas democracias burguesas em que os indivíduos nada mais são do que um aglomerado de mônadas isoladas se relacionando umas com as outras exclusivamente por meio do mercado." [7]

Outro aspecto importante é que esse processo emancipatório discutido, alcança a necessidade de ruptura violenta (num sentido que ultrapassa a sua projeção física, atingindo, sobretudo, a sua dimensão simbólica, ou seja, o aspecto violento da revolução se exibe através da sua capacidade em ruir as estruturas econômicas, sociais, políticas e ideológicas ao longo da emergência das transformações no cotidiano) com as instituições do Capital.

Essa dinâmica do processo revolucionário pode ser "traduzida" e analisada historicamente, através do olhar perspicaz de Rosa:

A Revolução Russa não fez com isso senão confirmar o ensinamento fundamental de toda grande revolução, cuja lei é a seguinte: ou ir para a frente rápida e resolutamente, abater com mão de ferro todos os obstáculos e levar seus objetivos o mais longe  possível ou ser atirada para trás de seu ponto de partida e ser esmagado pela contra revolução. Parar , marcar passo, contentar-se com os primeiros resultados é impossível numa revolução. E quem quiser transportar para a luta revolucionária as pequenas habilidades da luta parlamentar mostra, unicamente, que ignora não só a psicologia, a lei profunda da revolução, mas também todos os ensinamentos da história. [5]

Sendo assim, é de suma importância na construção do socialismo libertário a abolição das instituições de poder e suas manifestações profundas e concretas na realidade social da vida humana, seja através do controle político sobre corpos (no que tange às dimensões da opressão de classe, raça, gênero e manifestação da sexualidade), seja pela dominação ambiental, territorial e cultural.

Tais instituições sociais exercem, portanto, um papel de manutenção da ordem e se configuram como pilares do poder, que se fundam em conjunto e se materializam sob estruturas a serem desconstruídas, como o patriarcado, o Estado e os partidos.

Portanto, diante desse quadro de crise organizativa da esquerda, faz-se necessário o exercício criativo de revermos todos os pressupostos políticos que vigoram, numa perspectiva de construção viva e constante do socialismo libertário. Onde, essa expressão atinja a prática cotidiana de uma democracia, cada vez mais radical porque, diferentemente do que apontava Lênin e Trotsky, ao suprimir os instrumentos democráticos após a Revolução de Outubro, não há processo revolucionário de fato, quando existe "liberdade somente para os partidários do governo, para os membros de um partido, por numerosos que sejam, não é liberdade. Liberdade é sempre a liberdade daquele que pensa de modo diferente." [5]

GLOSSÁRIO

(1) Oportunismo: "Política de conciliação de classes, de cooperação do proletariado com a burguesia. Por sua natureza social o Oportunismo é uma manifestação da ideologia e da política pequeno-burguesas. O Oportunismo de direita é um conjunto de opiniões teóricas e orientações táticas que se baseiam na submissão ao movimento operário espontâneo, na ideia "reformista" da transição gradual do capitalismo em socialismo e na renúncia à revolução socialista e à conquista do poder pela classe operária." Retirado do Dicionário Político: https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/o/oportunismo.htm< acessado em 09 de fevereiro de 2015>

(2) Reformismo: "Corrente política no seio do movimento operário, que nega a necessidade da luta de classes, a revolução socialista e a ditadura do proletariado, é favorável à colaboração entre as classes e aspira converter o capitalismo numa sociedade de "prosperidade geral" com a ajuda das reformas aplicadas no marco da legalidade burguesa. Surgiu no último quarto do século XIX e se difundiu entre os partidos social-democratas." Retirado de: https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/r/reformismo.htm<acessado em 13 de fevereiro de 2015>

(3) Quadro – (conceito da esquerda tradicional): Individuo que se torna um dirigente político com formação teórica e ação política consciente para atuar na organização das massas e do Partido.

 

REFERÊNCIAS

[1] http://www.revistaforum.com.br/blog/2012/02/rosa-luxemburg-judia-polonesa-socialista-revolucionaria-tambem-feminista-2/<acessado em 9 de fevereiro de 2015>

[2] http://www.rls.org.br/sobre-rosa-luxemburg<<acessado em 9 de fevereiro de 2015>

[3] VARES, Luiz Pilla. Rosa, A vermelha- textos escolhidos- pg: 13; São Paulo: Busca Vida, 1988.

[4] LUXEMBURGO, Rosa. Questões de organização da social-democracia russa- [1904]; In: LOUREIRO, Isabel (Org.) Rosa Luxemburgo: textos escolhidos: vol. II; São Paulo: Editora Unesp, 2011.

[5] LUXEMBURGO, Rosa. Revolução Russa [1918]; In: VARES Luiz Pilla. Rosa, A vermelha- textos escolhidos- pg:204, 205, 212, 218, 220-221; São Paulo: Busca Vida, 1988.

[6] https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/08/estadoerevolucao/index.htm<acessado em 09 de fevereiro de 2015>

[7] http://www.rls.org.br/texto/atualidade-de-rosa-luxemburg< acessado em 10 de fevereiro de 2015>


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