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russiaRússia - Teorizando - [Jones Manoel] Uma pesquisa sobre as expectativas do povo russo para 2015 mostrou que 60% das pessoas desejam a volta da União Soviética. Esse dado assustou alguns e gerou certa confusão em outros. Pretendo, em poucas linhas, traçar um quadro explicativo mostrando os porquês dessa popularidade da URSS na Rússia atual.


Muitos dos que se surpreenderam com esse dado estão embebidos da propaganda anti-comunista reacionária da Guerra Fria. A propaganda que afirmava que todo mundo, menos a burocracia do Partido, odiava o sistema soviético e que os aparelhos repressivos e ideológicos do Estado controlavam cada cidadão, cada ato, cada manifestação, cada pensamento, para evitar o mínimo de oposição. Essa visão não passa de uma caricatura. Não cabe aqui analisar as causas do fim da União Soviética, cumpre dizer que parte significativa da população russa não queria o fim do sistema soviético, que o Partido Comunista da União Soviética foi posto na ilegalidade (em 1993), que muitos comunistas morreram e foram presos em protestos contra o desmanche da URSS, que o parlamento russo foi bombardeado e fechado pelo presidente russo pró-ocidental Boris Yeltsin e que o mesmo instalou uma ditadura semi-aberta para garantir a transição para um sistema pós-soviético.

Mesmo assim, a popularidade do Partido Comunista da Federal Russa (PCFR), criado em 1993 e sucessor direto do PCUS, sempre foi alta. Nas eleições para o Parlamento Russo, a Duma, o PCFR teve em total de votos [1]:

1993: 11, 2% (3°)

1995: 22, 3% (1°)

1999: 24, 3% (1°)

2003:12, 6% (2°)

2007: 11, 6% (2°)

2011: 19,1% (2°).

Nas eleições para presidente da república, novamente é mostrado o poder que desfruta o Partido Comunista da Federal Rússia:

1996 (primeiro turno): Gennadi Zyuganov, 32, 03% (2°)

1996 (segundo turno): Gennadi Zyuganov, 40, 31% (2°)

2000: Gennadi Zyuganov, 29,21% (2°)

2008: Gennadi Zyuganov, 17, 72% (2°)

2012: Gennadi Zyuganov, 17, 18% (2°).

Como se pode ver, Gennadi Zyuganov, o candidato do PCFR, há mais de uma década é um dos nomes mais votados para presidente da república. A eleição de 1996 foi emblemática. Considerada quase um plebiscito para saber se o povo russo queria a continuidade das reformas neoliberais ou a volta do sistema soviético, foi à eleição mais cara da história mundial (até aquela época), quando os países capitalistas ocidentais, com destaque para os Estados Unidos, financiaram em massa a campanha de Boris Yeltsin. Como se pode ver a antiga URSS e a ideologia comunista associada a ela, nunca deixaram de ter popularidade na Rússia.

Com o resultado das reformas neoliberais que restauram por completo o capitalismo na Rússia, ao contrário das promessas do FMI e dos seus ideólogos na Academia burguesa, a vida do povo russo piorou muito. A expectativa de vida foi reduzida em dez anos, a miséria e o desemprego aumentaram; a fome, a falta de acesso à saúde, educação e a violência cresceram de forma assustadora. O acesso à cultura e o lazer foi destruídos, as desigualdades sociais cresceram a olhos vistos e a reintrodução da disciplina capitalista na produção trouxe muitos adoecimentos, autos índices de depressão e suicídio.

Leia também: Ser negro na União Soviética e nos Estados Unidos: uma comparação histórica

Como a vida piorou muito (para a classe trabalhadora) depois do fim da URSS, começou a desenvolver-se uma tendência para idealização do passado soviético. Frente à situação atual, os problemas da época passada pareciam se apequenar, uma nostalgia tomou amplos setores populares, a URSS passa a ser vista como um paraíso que não existe mais. O forte sentimento de humilhação nacional que veio junto com a queda da URSS também explica essa nostalgia. Se na época soviética a Rússia era a segunda maior potência do mundo, cheia de orgulhos e conquistas, a Rússia pós-soviética, pelo menos até o início da Era Putin, era uma ex-potência espezinhada, sem expressão e sem orgulho nacional. Como Putin recuperou esse orgulho nacional e o protagonismo regional da Rússia, usando muitos dos símbolos soviéticos, a idéia de uma volta da URSS é também bastante associada com a volta do auge da grandeza russa.

Além de todos esses fatores, temos um adicional: a propaganda institucional pró-soviética. Isso pode parecer paradoxal: como o Governo totalmente burguês de Putin pode promover a memória de um sistema pós-capitalista. O paradoxo é apenas aparente. Grande parte do povo russo que quer a volta da URSS não sabe bem como se dará isso e muitos tem até dificuldades em definir o que era o sistema soviético. Essa nostalgia é um sentimento de "antes a vida era muito melhor" (e realmente era para a classe trabalhadora) e éramos uma grande potência.

Como Putin usa a imagem da Rússia como grande potencia e o nacionalismo como seu principal instrumento de propaganda ideológica, a promoção da memória soviética é parte disso. Como se seu governo estivesse recuperando a grandeza perdida. Desde a chegada de Putin ao poder, dez estátuas de Stálin foram reerguidas (Putin gosta de passar a imagem de que é um líder enérgico, duro, mas necessário, assim como teria sido Stálin), em 2007 foi organizada uma conferência nacional com professores de História da Rússia que produziram um material com uma imagem positiva do período soviético (e do governo de Stálin); em 2007 o prefeito de Moscou, Iúri Lujkov, colocou pôsteres pela capital agradecendo à Stálin pela vitória contra os nazistas e em 2009, a prefeitura de Moscou também financiou a restauração da estação de metrô Kurskaya, decorado com frases de Stalin [2].

O principal partido de oposição, o Partido Comunista da Federal Russa, também faz da volta e exaltação da URSS seu principal símbolo ideológico. O líder dos comunistas já chegou proferir a frase "a União Soviética não é só o passado, mas também o futuro da Rússia". Uma situação peculiar se forma: o principal partido da oposição e o partido no governo coincidem na exaltação da antiga URSS.

Esses fatos explicam a alta popularidade que a imagem da URSS tem entre os russos. Popularidade que tende cada vez mais a crescer. Contudo, discordo da interpretação de alguns camaradas que vêem nesse apoio à União Soviética potencialidades revolucionárias. Como já sublinhamos, a memória do povo russo é bem confusa sobre o que foi a União Soviética, Putin consegue sem muitos problemas passar por continuador desse legado e o Partido comunista não é nenhum exemplo para mundo. Apóia a perseguição aos homossexuais na Rússia, flerta com um nacionalismo de direita, tem aliança com a igreja ortodoxa e tem um discurso cada vez mais distante do marxismo [3].

Notas:

[1] – Dados sobre os resultados eleitorais e o clima político no desmanche da URSS foram tirados do artigo: "A questão da democracia na Rússia pós-soviética" de Angelo Segrillo. Disponível no livro coletivo do Ipea "O nascimento de uma potência? A Rússia no século XXI".

[2]http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias.

[3]http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens.

Jones Manoel é graduando em História pela Universidade Federal do Pernambuco/Brasil.


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