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arcticoFórum - [Conn Halliman, FPIF - 13/11/14] Em julho passado, foram completados 169 anos desde que dois navios de guerra britânicos – HMS Erebus e HMS Terror – navegaram para o norte adentro da Baía de Baffin, destinados a uma missão de atravessar a mítica Passagem do Noroeste, entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Seria a última vez que o mundo, então no meio do século 19, veria o Sir John Franklin e os 128 membros de sua tripulação.


Foto: Royal Navy.

Mas o Ártico que engoliu a expedição de Franklin em 1845 está desaparecendo, com sua vasta calota de gelo afinando e seus estreitos congelados derretendo. E mais uma vez, os navios estão rumando para o Norte, não em viagens de descobrimento – as passagens do Norte através do Canadá e da Rússia já são bem conhecidas nos dias de hoje – mas sim para fincar a bandeira na última região do globo em disputa por rotas comerciais e recursos naturais.

Como a contenda se dará tem muito a ver com o legado falho da Segunda Guerra Mundial, e que pode transformar o Ártico tanto em um cenário de cooperação ou, nas palavras de um ex-comandante da Otan, o almirante norte-americano James G. Stavridis, em "um grande bloco de gelo destinado a ser uma zona de competição, ou pior, uma zona de conflito".

Abrindo a passagem do Norte

Existe muita coisa em jogo aqui.

O serviço de pesquisa geológica dos EUA estima que o Ártico possui 13% das reservas mundiais de petróleo e 30% de seu gás natural. Existem também significativos depósitos de carvão e ferro em seu subsolo. Ao passo que o gelo recua, novas áreas de pesca estão se abrindo e, ainda mais importante, novas rotas marítimas que servem de atalho, economizando enorme quantidade de tempo e dinheiro. A expansão do comércio irá estimular a construção de navios, a abertura de novos portos e o crescimento econômico, especialmente no Leste da Ásia.

O tráfego pela Rota do Mar do Norten através da Rússia – conhecido anteriormente como a Passagem do Nordeste – ainda é modesta, mas está se aquecendo. Sendo a mais fácil das rotas nortistas para serem atravessadas, a passagem testemunhou um aumento em tráfego marítimo, indo de quatro navios em 2010, para 71 em 2013. E pela primeira vez na História, um cargueiro de gás natural líquido – o Ob River – realizou a travessia em 2012. Em uma viagem de Hammerfest (Noruega) para Tobata (Japão), o navio levou apenas nove dias para finalizar seu percurso, cortando quase pela metade a distância pela rota normal que se daria pelo Canal de Suez.

Isso não quer dizer que o caminho pela Rota do Mar do Norte é uma caminhada pelo jardim. O Ártico pode estar recuando, mas ainda é um local perigoso, não muito distante das condições que mataram Franklin e seus homens. A falta de mapas detalhados é ainda um problema e a maioria dos navios requer a ajuda dos caríssimos navios quebra-gelo. Mas pela primeira vez, cargueiros especialmente reforçados estão fazendo a viagem por conta própria.

Tensões lá em cima

As tensões na região têm como origem duas fontes: desavenças no que tange às fronteiras nacionais dos países árticos (Noruega, Rússia, Canadá, EUA, Dinamarca, Finlândia, Islândia e Suécia) sobre quem é dono de que parte, e esforços por países não-polares (China, Índia, Japão e União Europeia) que querem acesso ao pólo. Os conflitos variam de "sérios" para "infantis". Um exemplo da última categoria ocorreu em 2007, quando o explorador particular Artur Chilingarov fincou uma pequena bandeira russa no fundo do Polo Norte, uma ação que até o governo em Moscou classificou como teatral.

Mas os russos de fato clamam ser donos de uma vasta seção do polo, baseando-se em suas interpretações sobre a Convenção das Leis do Mar, de 1982, que permite que países requisitem a "propriedade" de uma área, se a dita cuja fizer parte da placa continental que sustenta o país. Moscou argumenta que a Cordilheira Lomonosov, que divide o oceano Ártico em duas bases e corre debaixo do polo, origina-se na Rússia. O Canadá e a Dinamarca também clamam a cordilheira para si.

O Canadá organizou uma expedição no último verão para descobrir o que de fato aconteceu com Franklin e seus dois barcos. A busca foi um sucesso: uma das embarcações foi encontrada no Estreito de Vitóri, mas o objetivo era político, não arqueológico, pois o governo federal canadense em Ottawa usou a descoberta para alegar propriedade sob a Passagem do Noroeste. Enquanto isso, Ottawa também disputa com Copenhaguem, capital da Dinamarca, a ilha de Hans – localizada entre a ilha Ellesmere e a Groenlândia, que é dinamarquesa. A ocupação da pequena rocha pelos militares canadenses gerou a campanha "Libertem a ilha de Hans", na Dinamarca.

O governo norte-americano está tentando se firmar na região também, apesar de estar de mãos atadas pelo fato de Washingnton não ter assinado a Convenção das Leis do Mar. Os EUA bateram de frente com o Canadá no que diz respeito ao Mar de Beaufort, e seu Departamento de Defesa lançou o primeiro estudo "Estratégica no Ártico", em 2013. Os EUA mantêm um contingente de 27 mil militares na região, sem incluir as patrulhas regulares de seus submarinos nucleares. Russos e canadenses aumentaram também a presença de suas forças armadas na região, e a Noruega realiza anualmente exercícios miliares – "Resposta do Frio Ártico" – envolvendo cerca de 16 mil tropas, muitas delas sendo unidades da Otan.

Os de fora também estão de olho

Todavia, não é necessário estar perto do gelo para ser um personagem nesse palco. A China pode estar milhares de quilômetros de distância do bloco de gelo mais próximo, mas como a segunda maior economia do mundo, ela não tem intenção alguma de ser "deixada no frio". Meses atrás, o navio quebra-gelo chinês "Dragão da Neve" realizou sua travessia pela Passagem do Mar do Norte, e Pequim forçou sua entrada como "observador permanente" no Conselho do Ártico. Formado em 1996, o conselho tem como integrantes os países árticos, mais a população indígena nativa que vive na vasta região congelada. O Japão e a Coreia do Sul também são observadores.

E é aí que reside o problema.

Os ânimos no Extremo Oriente já estão exaltados, por conta de assuntos deliberadamente deixados pendentes pelo Tratado de São Francisco, de 1952, do final da Segunda Guerra. Como o pesquisador canadense Kimie Hara descobriu recentemente, os EUA arquitetaram o tratado de maneira que existisse uma certa "instabilidade controlável", ao deixar algumas disputas territoriais sem resolução. Assim sendo, a China e o Japão estão envolvidos em uma perigosa disputa por algumas ilhas desabitadas no Mar da China Oriental – chamadas de Diaoyou, pelos chineses e de Senkaku, pelos japoneses – devido ao ato que o tratado de 1952 não designou claramente que país teria soberania sob o arquipélago. Se de fato ocorresse uma confrontação militar, os EUA estão destinados (por conta de tratados militares) a apoiar o Japão contra uma potência nuclear.

Tensões similares existem entre a Coreia do Sul e, novamente, o Japão, com uma disputa pelas ilhas Dokdo/Takeshima; o Japão, novamente, disputa também com a Rússia a soberania sobre as ilhas Kurilas (ou Territórios do Norte). Mais ao Sul, a China disputa com Taiwan e o Vietnã o controle das ilhas Spratly e Paracel; Brunei e Malásia também têm suas desavenças com Pequim. Qualquer embarcação atravessando os mares do Sul e do Leste da China, em seu caminho para o Norte se encontrarão em meio a um vespeiro de disputas territoriais.

Na teoria, o potencial econômico das rotas árticas deveria pressionar as diversas partes a chegar em uma resolução amigável de suas diferenças, mas as coisas estão mais complicadas nos dias de hoje.

A Rússia já indicou que gostaria de resolver suas contendas com o Japão a respeito das Kurilas/Territórios do Norte, e as conversas iniciais aparentavam ter progresso. Mas então veio julho de 2014, e Tóquio se juntou ao grupo de países que realizou sanções contra a Rússia, por conta de sua anexação da Crimeia. Consequentemente, as negociações voltaram para a "geladeira".

Recentemente, Moscou assinou com Pequim um acordo de gás e petróleo no valor de 400 bilhões de dólares, e busca aumentar seu comércio com a China como uma maneira de aliviar o impacto das sanções ocidentais derivadas da crise na Ucrânia. Por ora, China e Rússia são aliados e parceiros comerciais, e ambos gostariam de ver o papel dos EUA diminuindo na Ásia. Esse desejo, é claro, vai de encontro ao crescimento da presença militar norte-americana na região – a chamada "pivotização da Ásia".

As tensões geraram uma dose da boa e velha paranoia: quando um magnata chinês tentou comprar terras no norte da Noruega, um jornal local afirmou que aquilo se tratava de uma conspiração, chamando o bilionário de "fantoche do Partindo Comunista Chinês".

Quebrando o gelo

O Ártico pode ser frio, mas a politicagem que o cerca está bem quente.

Ao mesmo tempo, as ferramentas internacionais para resolver tais disputas já existem. O primeiro passo é um comprometimento em colocar as leis internacionais – como a Convenção das Leis do Mar – acima de interesses nacionais. O chineses possuem uma boa argumentação a seu favor quanto à soberania das ilhas Diaoyu/Senkaku; o Japão tem bases sólidas para reclamar grande parte das Kurilas; a Coreia do Sul provavelmente prevaleceria na disputa Dokdo/Takeshima, e a China teria que recuar em algumas das suas demandas extravagantes no Mar do Sul da China.

Com todo esse potencial para conflitos, existe uma vasta área para cooperação no Ártico. A Rússia e a Noruega dividiram entre si o Mar de Barents e os dois países, juntos do Reino Unido e dos EUA, estão cooperando para resolver seus problemas de despejo nuclear na Península de Kola e Arkhangelsk. Existem interesses ambientais mútuos, afinal, o Ártico é um local delicado: fácil de prejudicar, lento em curar.

Como disse Aqqaluk Lynge, presidente do Conselho Circumpolar Inuit: "Nós não queremos um retorno à Guerra Fria".

Tradução: Vinicius Gomes.


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