O brasileiro David Miranda, companheiro do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, obteve uma sentença favorável da Justiça britânica nesta terça-feira (19/01). A justiça considerou a lei anterrorismo do país como sendo “incompatível” com o direito europeu e recomendou uma revisão da norma. Ativistas pelo direito à liberdade de expressão de todo o mundo comemoraram a decisão, considerada “histórica”.
Em declarações ao jornal O Globo, Miranda afirmou que “é uma grande vitória para a democracia e para jornalistas do mundo inteiro. Demonstrou que a lei que dá poderes ilimitados aos oficiais e policiais precisa ser modificada. Material jornalístico e jornalistas não podem ser considerados terroristas”.
“Em 2013, fui marcado por um país como terrorista. Hoje o meu nome está sendo limpo. O Parlamento terá que alterar a legislação. Não dá para jornalista ser chamado de terrorista. A lei é absurda”, afirmou Miranda.
Greenwald, jornalista do The Guardian e contato-chave do ex-analista de inteligência da NSA (Agência de Segurança Nacional) dos EUA Edward Snowden, por sua vez, comemorou o veredicto no Twitter, afirmando que a "Lei de Terrorismo viola direitos fundamentais por não proteger jornalistas".
Rosie Brighouse, porta-voz da organização em favor da liberdade de imprensa Liberty, afirmou que a sentença judicial é "uma grande vitória". A capacidade da polícia para deter qualquer pessoa "é incrivelmente ampla e intrusiva, fomenta a discriminação e é utilizada para fins espúrios de forma rotineira", completou.
Decisão
Em seu parecer, o segundo maior magistrado na hieraquia da Justiça, Lorde Dyson, disse que os poderes contidos na Lei de Terrorismo de 2000 são falhos. O juiz considerou que a detenção de Miranda em 2013 foi legal, mas reconheceu a contradição entre a lei britânica e a Convenção Europeia de Direitos Humanos, que protege a liberdade de expressão em relação a conteúdo jornalístico.
"O tribunal rejeita o argumento de Miranda de que o uso de poder contra ele foi injustificado e uma interferência desproporcional", afirmou o tribunal, sugerindo, no entanto, que a Lei de Terrorismo seja revista pelo governo britânico: “o poder de apreensão, se usado em relação a informações ou material jornalístico, é incompatível com o artigo 10 (liberdade de expressão da Convenção Europeia dos Direitos Humanos) porque não é prescrito pela lei”, disse Dyson.
A Corte de Apelações diz que o poder para reter um indivíduo por parte da polícia deve ser suspenso "se for utilizado com relação à informação ou material jornalístico".
"Esse poder não está submisso às salvaguardas legais suficientes para evitar o risco de ser exercido de forma arbitrária", diz a sentença.
A decisão acrescenta ainda que "o parlamento deverá decidir como são estabelecidas essas salvaguardas. A mais óbvia seria alguma forma de apuração, judicial ou bem independente, conduzida de tal forma para que seja protegida a confidencialidade do material".
Entenda o caso:
Em 2013, Miranda viajava de Berlim para o Rio de Janeiro quando foi detido em Londres, enquadrado na legislação antiterrorista britânica. Ele teve seus pertences confiscados, incluindo cerca de 58 mil documentos eletrônicos, e ficou detido durante nove horas.
Miranda abriu então uma ação judicial contra o governo do Reino Unido. Na ocasião, ele entrou com uma ação a respeito do material que lhe foi confiscado durante o interrogatório e sobre o modo como foi tratado.
Para a defesa de Miranda, ele foi detido com o único propósito de que as autoridades tivessem acesso ao material que transportava, por conta de sua ligação pessoal à figura de Greenwald.
Alta Corte, no entanto, rejeitou a queixa e ele recorreu da decisão.
No novo julgamento, a Corte manteve o parecer da instância anterior, porém, reconheceu a falha na legislação.