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nerudaChile - Opera Mundi - [Victor Farinelli] Coincidências relacionam mortes de Jango e Frei Montalva (antecessor de Allende) à do poeta chileno; exumação do ex-presidente brasileiro não comprovou envenenamento.


Poeta e comunista chileno, Pablo Neruda morreu de câncer de próstata, segudo laudo oficial. Foto: Wikimedia Commons

A descoberta de um documento no qual o ministério do Interior do Chile considera “altamente provável” a tese defendida pelo promotor Mario Carroza, de que o poeta Pablo Neruda foi assassinado pela ditadura de Pinochet, causou comoção mundial. No Chile, porém, a história já era conhecida desde 2011, quando o assessor pessoal de Neruda, Manuel Araya, deu uma entrevista à imprensa mexicana, contando os detalhes de como o poeta teria sido assassinado dentro da Clínica Santa María antes de deixar o país para denunciar a ditadura.

Para o público chileno, a história soou como um déjà vu, pois existem pelo menos outros dois casos conhecidos de envenenamento em circunstâncias estranhas – muito parecidas às do caso de Neruda – ambos já comprovados pela Justiça.

O caso mais conhecido, e que apresenta maiores coincidências com o caso do poeta, é o do ex-presidente Eduardo Frei Montalva (1964-1970), antecessor de Salvador Allende. Ele faleceu no dia 22 de janeiro de 1982, depois de uma repentina piora em seu quadro gástrico, enquanto tratava de uma hérnia de hiato na Clínica Santa María, a mesma onde faleceu Neruda. A versão oficial da morte de Montalva diz que a causa foi um choque séptico provocada por uma infecção e uma peritonite aguda.

Foram precisos 31 anos de investigações para que a Justiça chilena comprovasse o envenenamento do político símbolo do Partido Democrata Cristão chileno. Na sentença que determinou a causa da morte de Montalva, ficou comprovado que um enfermeiro, usando um nome falso, ingressou na habitação do ex-presidente e injetou nele uma substância desconhecida, alegando se tratar de um analgésico. Essa, aliás, é uma das coincidências com o caso de Neruda.

Segundo o promotor Mario Carroza, responsável por ambas as investigações, “a participação de um terceiro não identificado é uma evidência importante. No caso de Montalva, foi um enfermeiro de sobrenome Thomas; com Neruda, quem atuou foi um médico se sobrenome Price, que também alegou aplicar um medicamento contra dores”.

Em ambos os casos, os pacientes apresentaram uma vermelhidão no abdômen minutos após a aplicação e faleceram algumas horas depois. Além disso, o promotor acrescenta que “nos arquivos que a Clínica Santa María nos enviou não consta nenhum enfermeiro de sobrenome Thomas nos anos 1980, nem um médico de sobrenome Price nos anos 1970”.

Mas, o fato decisivo que aproxima os casos está sendo investigado agora pelos legistas. Segundo Carroza, “a exumação dos restos de Neruda comprovou a presença da bactéria staphylococcus aureus, a mesma que fora detectada nos restos do ex-presidente Eduardo Frei Montalva. Agora, é preciso determinar se essa bactéria está presente no corpo de Neruda desde a sua morte ou se foi adquirida posteriormente”.

Augusto Lutz

O outro caso de envenenamento cujos detalhes se assemelham aos de Neruda e Frei Montalva é o do general Augusto Lutz, o segundo dentro da hierarquia do Exército chileno em 1973 e que questionara as ações de Pinochet.

Segundo o livro “Años de Viento Sucio” (“Anos de Vento Sujo”), publicado pela jornalista Patricia Lutz, filha do general, ele apoiara o golpe e as primeiras operações de extermínio, como a Caravana da Morte, porém, defendia uma transição rápida para a democracia.

Em uma reunião em outubro de 1974, Lutz e o também general Óscar Bonilla desafiaram o comando de Pinochet dentro da Junta Militar de governo, o que causou a fúria do ditador. Duas semanas depois, o general Bonilla foi morto, num controverso acidente de helicóptero.

Já Augusto Lutz foi internado no Hospital Militar em novembro, supostamente para tratar uma infecção intestinal. Faleceu após uma suposta septicemia, dias depois. Familiares reclamaram que foram impedidos de visitá-lo durante a internação e impedidos de ver o corpo após o falecimento.

O livro de Patricia Lutz inclui testemunhos de oficiais do Exército que asseguram que seu pai foi assassinado – um desses testemunhos afirma que o produto utilizado no envenenamento do general teria sido o mesmo usado depois contra o ex-presidente Frei Montalva.

De Eugenio Berríos a João Goulart

O nome que liga esses três e muitos outros casos de envenenamento é o de Eugenio Berríos. O químico trabalhou para os serviços secretos chilenos por mais de quinze anos, e esteve envolvido na fabricação de diversos químicos para a ditadura chilena.

Uma reportagem do jornalista Mauricio Weibel aponta que a ditadura chilena chegou a produzir armas químicas suficientes para matar metade da população de Santiago.

Em 1993, o norte-americano Micheal Townley, ex-agente da CIA que viveu no Chile nos anos 1970 e 1980, revelou detalhes do chamado Projeto Andrea, que consistia na fabricação de gás sarin e gás mostarda para assassinar opositores do regime de Pinochet.

De acordo com Townley, Eugenio Berríos era a peça principal dessa operação e trabalhava no porão da mansão de Cerro Lo Curro, onde viviam Townley e sua esposa, a dramaturga chilena e também agente da CIA, Mariana Callejas. “Através do Projeto Andrea, foram assassinados vários opositores, cujas mortes foram apontadas depois como suicídios ou casos raros de câncer”, declarou Townley, à época. O agente confirmou sua participação em algumas das operações, mas não deu detalhes sobre todos os casos.

Se Berríos trabalhou diretamente para a ditadura chilena, a atuação de seus produtos na chamada Operação Condor – colaboração entre os militares do Cone Sul para perseguir, torturar e assassinar opositores das ditaduras – foi indireta.

Uma dessas missões em que seu trabalho esteve supostamente envolvido foi a que levou à morte do ex-presidente brasileiro João Goulart. O ex-agente da ditadura uruguaia, Mario Neira Barreto, confessou, em depoimento à Comissão da Verdade, que teria trocado os medicamentos que Jango tomava para controlar a pressão por cápsulas com veneno. Segundo Neira, tais cápsulas teriam sido feitas por Berríos.

Com o fim da ditadura chilena, os militares chilenos tiraram Eugenio Berríos do país, o que não significou uma proteção a ele. Em 1995, seu corpo foi encontrado enterrado numa praia na região de El Pinar, no Uruguai, com sete impactos de bala no crânio. A autópsia revelou também sinais de tortura, e apontou que a morte teria acontecido aproximadamente três anos antes da descoberta do corpo.


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