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051015 jihadismoManifesto 74 - [Rui Silva] Quando no final do ano de 1979 as forças soviéticas entraram no Afeganistão, país que partilhava uma longa fronteira com o território da URSS na Ásia Central, o acontecimento foi rotulado de “invasão”.


O facto do envolvimento soviético na guerra contra os Mujahideen se ter dado por pedido explicito e formal do governo da República Democrático do Afeganistão foi por muitos ignorado e por outros caricaturado como um pró-forma na relação entre o gigante soviético e “um dos seus estados satélite”. O desfecho do conflito afegão, dez anos mais tarde, representaria um momento chave na afirmação do jihadismo sunita como actor principal da nova Ordem Mundial, com as consequências conhecidas.

De 1989 para cá foram várias as ocasiões em que NATO e jihadismo voltaram a unir esforços. Um bom exemplo desta aliança aconteceu nos Balcãs, ao longo de toda a década de 90, e expressou-se através do apoio diplomático, militar, económico e mediático dos países NATO a grupos islamitas que aterrorizaram populações sérvias na Bósnia e no Kosovo. A coisa foi tão eficaz e tão bem camuflada que ainda hoje não são raros os discursos persecutórios face aos sérvios e às suas responsabilidades na sangrenta década de 90 naquela zona da Europa, por oposição à vitimização absoluta das populações muçulmanas bosníacas e albanesas. Infelizmente para todos, a realidade é bem mais complexa.

A acusação de “invasão” de 1979 encontra-se em acelerado processo de reciclagem, e já há quem não hesite em recolocá-la em cima da mesa a propósito da recente intervenção militar russa na Síria. A legalidade da intervenção russa não é contestada, mas a sua legitimidade é questionada nos media de uma forma perfeitamente desproporcional àquela verificada a propósito dos bombardeamentos franceses e norte-americanos no mesmo território.

De resto, a azia norte-americana relativamente aos bombardeamentos russos tem razões que o insuspeito “The New York Times” torna claras em peça hoje disponibilizada através do seu site: “Russian aircraft carried out a bombing attack against Syrian opposition fighters on Wednesday, including at least one group trained by the C.I.A., eliciting angry protests from American officials and plunging the complex sectarian war there into dangerous new territory”. Fica assim à vista de todos que, o que até há escassos meses era negado – o envolvimento activo da CIA e do Pentágono no treino e armamento de grupos “rebeldes” –, passou a figurar na frente de guerra da informação como pretexto para contestar a acção russa desencadeada a pedido do governo sírio.

É totalmente enganadora a divisão entre “opositores moderados” e jihadistas sunitas de várias matizes. “Opositores moderados” em armas, se alguma vez os houve, encontram-se actualmente ausentes de um conflito em que o monstro criado por Estados Unidos e União Europeia ganhou vida e vontade própria.

Depois de quatro ano de violentos combates que quase reduziram a Síria a cinzas, o Público resolveu usar uma notícia da AFP (Agence France-Presse) intitulada "Quem são as forças em combate na Síria?". A peça é ideológica e alinhada com a narrativa NATO sobre a situação na Síria e teria pouco interesse não fosse dar-se o caso de em momento algum referir o muito falado (mas pouco visto) "Exército Livre da Síria".

De acordo com a peça da AFP, na Síria combatem "Assad e aliados" (o Exército Árabe do país, as "milícias pró-regime" - nas quais a AFP inclui o Hezzbollah -, a Rússia e o Irão), a "Frente Al-Nusra e outros grupos de inspiração islâmica" (o grupo Ahar al-Sham, financiado pela Turquia e pelas ditaduras islamo-fascistas do Golfe Pérsico, a Frente Al-Nusra, ligada à rede Al-Qaeda, o grupo Jaich al-Islam e a chamada "Frente Sul"), o Estado Islâmico e a chamada "Coligação Internacional" (leia-se, Estados Unidos, França e Inglaterra). O leitor procura uma simples referência à "oposição moderada", aos "rebeldes seculares"... e nada.

Torna-se cada vez mais evidente que o conflito na Síria tem sido apresentado do lado de cá da guerra mediática com recurso a truques de efeitos especiais que não podem resistir à prova do tempo. O ELS (FSA, na versão inglesa) é uma fraude, não existe, foi há muito absorvido por dezenas de grupos multinacionais, compostos por jihadistas itinerantes cuja origem remonta ao Afeganistão dos anos 80 e, logo depois, à Chechénia e Bósnia da primeira metade dos anos 90. Sempre com o apoio diplomático, económico, militar e mediático daquilo a que se convencionou chamar "Ocidente".

As reservas de Estados Unidos e União Europeia face à intervenção russa na Síria são bem a imagem de um mundo cada vez menos unipolar, onde aqueles que desde 1991 ditaram sempre as regras se apercebem da forma como o poder absoluto lhes vai lentamente escapando das mãos. E é por isso que EUA e França - mais a Inglaterra, de forma clandestina e em contradição com deliberações do seu próprio parlamento - não hesitam em retomar a linha de confronto directo com a ONU, actuando uma vez mais à sua margem.

As notícias sobre os falhanços norte-americanos na Síria somam-se mas a opção da administração Obama é a fuga para a frente. Quando no espaço europeu ganham força as vozes que por defendem a necessidade de incluir as actuais autoridades sírias na resolução do conflito, EUA, França e Inglaterra entendem que recuar nesta fase seria assumir o resultado desastroso de quatro anos de ingerência evidente nos assuntos internos daquele país. Fazem-no conhecendo as consequências directas e objectivas de uma actuação miserável, assente na desestabilização de um país que foi até 2011 exemplarmente estável numa das mais instáveis regiões do globo terrestre. Fazem-no sacrificando vidas no altar dos sagrados interesses das grandes empresas energéticas da “civilização ocidental”.


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