Uma proposta por si própria contraditória
São vários os motivos polos que a paz de Poroshenko irá ter uma difícil concreção prática. Em primeiro lugar, polas graves contradições internas da própria proposta, que nem cumpre o requisito prévio de reconhecer as partes do conflito. A Ucrânia não reconhece Novoróssia, nem as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, às que continua a considerar terroristas pró-russos. Ao contrário, propositadamente ou não, Kiev cai na armadilha da sua própria propaganda e identifica Rússia como responsável de todo o desenvolvimento bélico nos territórios que continua a considerar como províncias próprias.
Identificando Rússia como a contraparte, na proposta argumenta-se que é responsabilidade de Moscovo obrigar os separatistas a se submeterem à legitimidade da Junta de Kiev, como se efetivamente o passo da dissidência política à oposição armada respondesse a uma lógica mecânica que possa ser ativada e desativada à margem dos interesses coletivos das pessoas que decidiram fazer parte das milícias do Donbass, verdadeiramente consideradas como antifascistas.
A proposta, contudo, não deixa de estar na linha das sanções, as ameaças e as pressões sobre o governo russo que os Estados Unidos e a União Europeia praticam desde há meses, à espera de uma entrada de facto da Rússia num cenário bélico. A Rússia, por enquanto, continua negando qualquer participação, ao ponto de ter mesmo recebido críticas desde o Donbass pola sua «passividade». Mas não é só por essas contradições flagrantes que a paz de Poroshenko resulta inverossímil.
Financiando a continuação da guerra
Que o homem que controla as forças armadas ucranianas na guerra contra a Novoróssia ofereça negociações de paz não é uma mudança menor no conflito que protagoniza. Menos ainda considerando que, após meses de ofensiva, o governo de Kiev se tem verificado incapaz de esmagar a revolta, ainda contando com uma correlação de forças de 10 a 1.
A ingente quantidade de dinheiro que o novo governo ucraniano está a gastar na sua guerra contra as repúblicas rebeldes, não deixa de crescer a cada hora que passa. Mesmo com o reiterado financiamento exterior para as suas operações — o último, os 19 milhões de dólares enviados desde os Estados Unidos para financiar os batalhões da morte da Guarda Nacional — e com o dinheiro entregado polas oligarquias ucranianas próximas aos partidos do governo, a situação é certamente ajustada. Daí que Arseniy Yatseniuk, primeiro ministro e homem forte do partido de Yulia Tymoshenko no governo «centrista» de Kiev tenha anunciado a introdução de um imposto militar de 1,5% sobre a renda das pessoas (não das empresas) que irá direito e íntegro para financiar as novas forças armadas.
O objetivo é reunir, de aqui a final de ano, 178 milhões de euros (2,9 bilhões de hryvnias) que somar aos 551 milhões do orçamento do Estado destinados ao ministério da defesa e aos 31 milhões destinados aos serviços secretos. Em resumo, um acréscimo de algo mais de 32% para continuar uma agressão que come 2,3 milhões de euros diários (à margem dos batalhões paramilitares financiados diretamente por oligarcas como Igor Kolomoisky) e que começou em meados de Abril, quando a Crimeia decidiu declarar a independência da Ucrânia e se integrar na Federação Russa.